sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A canção que a mãe cantava

 Dimas Costa

“Nana filhinho,
 Dorme meu bem,
 Mamãe tá solita,
 Papai logo vem.”
 

Com carinho, com ternura
que só as mães sabem ter,
a mãe gaúcha embalava o piazito
que recém, recém havia chegado
para os rodeios da vida.
Era um rancho pobre, humilde,
erguido lá no silêncio
de uma restinga perdida...
 

O pai ‒ posteiro da estância ‒
passava o dia inteirinho
cumprindo o nobre trabalho
distante do rancho amado.
Rodeio... apartes e domas,
invernada recorrida...
E à tarde ‒ acabada a lida ‒
voltava ao rancho, cansado...
 

Mas vinha muito feliz
o pobre campeiro rude,
pois tinha a santa virtude
de ser um pai carinhoso.
E a mãe, que triste ficava
no abandono o dia inteiro,
corria alegre ao terreiro
para rever o esposo.
 

Um beijo terno estalava
num lábio rubro e ardente...
e outro beijo ecoava
na fronte de um inocente!
Depois, um homem dormia
enquanto uma mãe velava
um piazito que sorria
e uma voz meiga cantava:
 

“Nana filhinho
 Que o bicho aí vem,
 Papai foi dormir,
 Mamãe vai também.”
 

Reboou, porém, pelo pampa
um grito de rebeldia!
A ponta da lança esguia
relampejou pela serra!
Um turbilhão de galopes
quebrou a paz da querência
e em repúdio à prepotência
um eco bradava: guerra!
 

No rancho, portas trancadas,
tremendo e o peito arfando,
uma mãe abandonada
cantava quase chorando:
 

 “Nana filhinho,
 Dorme meu bem,
 Mamãe tá solita,
 Papai logo vem.”
 

Mas nunca mais o campeiro
voltou ao rancho à tardinha;
e a mãe gaúcha, coitada,
ficou pra sempre sozinha!
Pouco a pouco a dor pungente
lhe consumiu a existência;
e o filho ficou no mundo
carpindo a triste indigência...
 

E agora uma voz alheia
de outra mãe compadecida
cantava a mesma canção
pra criança adormecida:
 

 “Nana filhinho
 mamãe logo vem...

Mas a mamãe já não vem mais...
e o papai... não vem também...”
 

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