Carmen Regina Oliveira
Não dava para levar mais nada na mala. Ficou a chave da casa em cima da mesa pequena da cozinha (alguém poderia ou precisaria usar), alguns agasalhos novos e, é claro, alguns amigos (eles não poderiam partir comigo) mas os levaria em meu coração.
Sentiria saudade de tudo e de todos, mas tinha que seguir.
Não olhei para trás. Não foi covardia, mas quem sabe um pouco de tristeza em passar tanto tempo naquele lugar que nem meu era...
Levei somente o necessário. Alguns livros, muitos papéis em branco, outros rabiscados e canetas. Sim canetas, e coloridas, saberia como usá-las. Reescreveria minha vida.
Sei que desapegar-se é um processo que envolve talvez mágoa, pelos menos para mim, mas já havia tomado a decisão.
Desapegar-se daquele cantinho, daquele sofá antigo, daquele olhar doce colecionado em fotografias. Sei que seria difícil mas eu conseguiria.
Foi o que fiz. Não expulsei as lembranças mas diminui o poder delas, colocando-as lá no lugar que lhes cabe: no passado.
Desapegar-se é permitir que as pessoas partam da gente sem que nos sintamos desistindo delas ou de nós mesmos.
É abrir mão de planos. É como despir-se de alguns sonhos.
É esvaziar-se de algumas expectativas deixando lugar para que novas portas e janelas se abram e venham ao nosso encontro, mesmo carregando uma mala praticamente vazia.
(Do livro “Palavras
*Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil.
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