sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Desapego

 Carmen Regina Oliveira

Não dava para levar mais nada na mala. Ficou a chave da casa em cima da mesa pequena da cozinha (alguém poderia ou precisaria usar), alguns agasalhos novos e, é claro, alguns amigos (eles não poderiam partir comigo) mas os levaria em meu coração. 

Sentiria saudade de tudo e de todos, mas tinha que seguir. 

Não olhei para trás. Não foi covardia, mas quem sabe um pouco de tristeza em passar tanto tempo naquele lugar que nem meu era... 

Levei somente o necessário. Alguns livros, muitos papéis em branco, outros rabiscados e canetas. Sim canetas, e coloridas, saberia como usá-las. Reescreveria minha vida. 

Sei que desapegar-se é um processo que envolve talvez mágoa, pelos menos para mim, mas já havia tomado a decisão. 

Desapegar-se daquele cantinho, daquele sofá antigo, daquele olhar doce colecionado em fotografias. Sei que seria difícil mas eu conseguiria. 

Foi o que fiz. Não expulsei as lembranças mas diminui o poder delas, colocando-as lá no lugar que lhes cabe: no passado. 

Desapegar-se é permitir que as pessoas partam da gente sem que nos sintamos desistindo delas ou de nós mesmos. 

É abrir mão de planos. É como despir-se de alguns sonhos. 

É esvaziar-se de algumas expectativas deixando lugar para que novas portas e janelas se abram e venham ao nosso encontro, mesmo carregando uma mala praticamente vazia. 

(Do livro “Palavras 2018” da AJEB*)

*Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil.

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