quinta-feira, 16 de maio de 2024

Duas histórias para sorrir

 O enólogo inconveniente

Em um armazém de vinho, o provador faleceu e o diretor começou a procurar alguém para fazer o trabalho. 

Um homem bêbado, sujo, apareceu para se candidatar. 

O diretor estava se perguntando como poderia se livrar dele. 

Deram-lhe uma taça de vinho para provar. 

O velho provou e disse: 

‒ É um moscatel de três anos, feito com uvas colhidas na parte norte da região, amadurecido em um barril de aço. É de baixa qualidade, mas aceitável. 

‒ Certo, disse o chefe. Outra bebida, por favor. 

‒ É um Cabernet de oito anos colhido nas montanhas ao sul da região, amadurecido em barril de carvalho americano a oito graus de temperatura. Falta-lhe ainda mais três anos para alcançar a sua mais alta qualidade. 

‒ Absolutamente certo. Uma terceira taça. 

‒ É um espumante elaborado com uvas pinot blanc de alta qualidade e exclusivas, disse calmamente o bêbado. 

O diretor não acreditou, piscou à secretária para sugerir algo. Ela saiu do quarto e voltou com um copo de urina. 

O alcoólatra provou isso. 

‒ Ela é uma loira de 26 anos, está bem de saúde, grávida de três meses, se não conseguir o cargo, eu digo quem é o pai! 

‒ Saúde!!!

*******

Não existe mulher feia

Fomos a uma festa e um amigo do meu marido chegou com a nova namorada dele... mulher bonita, cabelo escovado, unhas de gel, perfume importado, maquiagem impecável... 

Realmente, tenho que admitir que aquela garota conseguiu fazer ciúmes nas outras mulheres que estavam na festa. 

Bem, eu saí para pegar uma bebida e quando voltei, ouvi meu marido falando com outro amigo: 

‒ Uau! Mas que primor de mulher! Ô cara que tem sorte! Isso sim que é uma mulher de verdade! 

Fiquei superirritada, mas não ia estragar a festa, mesmo sendo impulsiva, calei-me e pensei “um dia dou-lhe o troco”. 

Não demorou muito, fomos convidados para outro evento e como a vingança é um prato que se come frio, logo pensei: é hoje! 

Marquei horário para fazer pés e mãos, fiz aquela escova no cabelo, limpeza de pele, drenagem linfática, massagem relaxante, passei na loja e comprei um vestido caro de marca, um sapato novo porque não podia faltar, maquiei-me com a melhor profissional da cidade... 

Quando meu marido chegou e me viu mal acreditou. 

A noite foi maravilhosa, dançamos, bebemos e nos divertimos. 

De volta para casa, eu disse que ainda tinha uma surpresa para ele. 

O homem enlouqueceu, as crianças não estavam em casa, então logo o menino ficou todo animado... 

Finalmente, em casa, depois do festerê, devolvi o cartão de crédito dele junto com as contas de pagamento de todas as vantagens que me permiti nesse dia. Ele quase teve um ataque cardíaco, nada mais nada menos que uns 10 mil para pagar. 

O homem ficou louco e perguntando porque eu fiz isso... como ele ia fazer pra pagar e eu, linda e plena, respondi: 

‒ Bah! Tá pensando que ter “um primor de mulher” é barato? 

Moral da história: 

Não existe mulher feia, existe marido pobre.

 

Quando a água subiu

 Ana Helena Lopes

O entrevistador, microfone na mão, encontrou-se com ela. As roupas de doação aquecendo o corpo. O colchão arrumadinho, até uma pelúcia fazendo companhia para a menina. 

‒ O que eu estava fazendo? Eu tinha acabado de dar banho na menina. Estava pegando os ingredientes pra fazer um bolo. A menina tem medo da chuva, Cazé também. Então, quando chove forte, eu faço bolo pra ela e cafuné nele. Pra acalmar o coração deles, num é? 

Não, Cazé não é o pai da menina, não. Esse sumiu por aí. Cazé é meu cachorro. Nos encontramos na rua perto do serviço. Ele tremelicando de frio, eu, de solidão. Isso já faz mais tempo que a menina. 

Então eu estava lendo o livro de receitas da minha avó quando a água subiu. Foi rápido... como foi! Eu subi na cadeira com a menina num braço, o Cazé no outro. 

Agora eu vou chorar, o senhor me perdoe. É que o Cazé é grande... Em pouco tempo, a cadeira já estava nadando ao nosso lado. Eu segurei tão forte, mas uma hora meu braço se soltou do Cazé. Ele foi sendo levado pra longe com o olho arregalado. Eu, agarrada na menina, berrando o nome dele. 

Eu falo dele no presente, o senhor sabe... ainda tenho um fio de esperança que um barquinho vá chegar com ele dentro. 

Tem noite, aqui no abrigo, que eu acordo com febre, chamando pelo Cazé. A menina nem se assusta mais, ela faz carinho no meu rosto e diz: “Mamãe, o Cazé foi com Deus, lembra?”. Ela jura que viu Deus tirando o Cazé da água e levando ele pro céu. 

Aí eu ponho ela dentro do meu abraço e choro até secar. Mas, olha, vou ser sincera com o senhor, se eu pudesse botava ela de novo dentro de mim. Porque quando chega a madrugada, a gente sente medo de tudo. Eu quase nem prego o olho. Ontem mesmo vi um homem rondando a infância da minha menina. E ele dorme no colchão aqui ao lado... 

Nos primeiros dias, eu chorava tão alto... Agora eu choro pra dentro. E meu o coração quase morre afogado. 

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Conto em homenagem a tantas mães, a tantas meninas e a tantos Cazés que viram a água levando seus sonhos durante as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio de dois mil e vinte e quatro.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

A dor de perder a casa

 Mário Corso

Dada a magnitude da catástrofe que se abate sobre o Rio Grande do Sul, proporcionalmente as perdas humanas têm sido minimizadas. A gigantesca mobilização de voluntários, as providências governamentais, o Exército lutando pela vida e o trabalho da Defesa Civil, vêm salvando milhares de pessoas.  

Quantas às perdas materiais da enchente, não abemos nem como calcular. Mas existem também as perdas imateriais, que não podem ser contabilizadas. Quando alguém perde sua casa, perde junto seu ninho. 

Um lar possuí uma dimensão tanto física como psíquica. Por isso, os idosos opõem-se tanto a abandonar suas casas. Na fragilidade da velhice, abandonar a casa é como tirar a tartaruga do casco. A casa é o único lugar onde se sentem seguros. Eles sabem-se débeis para enfrentar o mundo. 

Simbolicamente, nos sonhos, casa e corpo se equivalem. A dor de “perder tudo”, que é a frase que frequentemente brota dos lábios dos atingidos, equivale a dizer que se perderam dos contornos do próprio corpo. 

E ainda há o medo: os evacuados sentem-se frágeis, à mercê do pior. Não há como condenar esse pessimismo alarmista, ele é baseado na realidade. Existe a enchente e existe a canalhice dos saqueadores e oportunistas. Por isso, as mentiras que circulam na internet, aumentando o que já é ruim, são perniciosas, pois agravam a fragilidade dos desabrigados. 

Não há tanta diferença entre as perdas materiais e imateriais, são dores da mesma espécie. Porém de diferente magnitude. Casas podem ser recuperadas, vidas e objetos impregnados de memória não. A casa é também uma espécie de museu dos seus habitantes. Objetos de decoração lembram memórias de parentes, festas, viagens, visitas e amigos. Roupas são incrustadas de significado, aquela que foi usada para uma solenidade, a que o abrigava quando encontrou o seu amor, a roupa que dá sorte quando usa na balada. Sem falar no casaquinho de tricô que a vó fez para sair da maternidade. 

E nem entramos nas fotos e livros que a lama vai destruir, ou na bomba de chimarrão que herdou do avô, ou ainda na faca de churrasco que era do pai. Imaginem um menino que ficou sem seus brinquedos, uma menina que não pôde se despedir de suas bonecas. 

Perder tudo é perder os objetos que testemunharam uma vida. É perder a memória do esforço que foi necessário para adquirir cada um de seus bens. Cada casco, no fim das cotas, faz parte do corpo da tartaruga. 

(Do jornal Zero Hora, 15 de maio de 2024)

Papo de professores de português

 

E os professores de língua portuguesa, uns observando, outros espiando pela janela da sala de professores. Em pequenos grupos e isoladamente. Perplexos alguns. Outros tecendo considerandos: 

Professor 01 ‒ A culpa é da Linguística. A Linguística subverte a ordem. Prega a anarquia. É um modismo. Não se corrige mais ninguém. É contra a gramática. O resultado está aí... 

Professor 02 ‒ Não querem que a gente ensine gramática. A gente vai ensinar o quê? 

Professor 03 ‒ Também... com um salário desses! Trabalho de acordo com o que me pagam. O resultado está aí... 

Professor 04 ‒ No meu tempo... 

Professor 05 ‒ Eu ensino, ensino, ensino e eles não aprendem. Que culpa eu tenho? 

Professor 06 ‒ Eles vêm da 5ͣ  série fracos... 

Professor 07 ‒ Eles vêm da 6ͣ  série fracos...

Professor 08 ‒ E como vai ficar essa gente toda na hora de um vestibular, na hora de um concurso público? 

Professor 09 ‒ Eu também não gosto do que eu ensino. Eu preferiria dar aos alunos só textos. Mas aqui na escola tem que cumprir o programa. 

Professor 10 (Com uma ponta de ironia, dizendo, como se dizia antigamente com seus botões):         

                      ‒ É sempre o eterno repetitório...  

(Do livro “Educação para crescer”)

Realidade fantástica

 Nílson Souza 

Perdoem-me a literatura numa hora dessas, mas é nos livros que busco refúgio para o cérebro e o coração quando fica difícil suportar a realidade, como vem ocorrendo nestes dias tormentosos no nosso pampa alagado. Em Macondo ‒ quem leu Cem Anos de Solidão, do extraordinário Garcia Márquez, sabe do que estou falando ‒, choveu durante quatro anos, 11 meses e dois dias. E, no entanto, os Aurelianos e José Arcádios sobreviveram para protagonizar uma história encantadora de muitas gerações. 

‒ Mas era realismo fantástico! ‒ poderão argumentar alguns leitores mais pessimistas do que este escriba. 

É verdade. Porém, a ficção existe justamente para nos proporcionar oportunidades de viver outras vidas além da nossa. Como diz outro grande das letras latino-americanas, o peruano Vargas Llosa, a literatura nos permite “saborear outras aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração”. 

Pois bem, depois de destruir casas, arrasar plantações, encharcar almas e levar vidas ‒ exatamente como está fazendo no nosso Rio Grande amado ‒, a chuva parou na vila imaginária do escritor colombiano. Ele relata: “Numa sexta-feira, às duas da tarde, iluminou-se o mundo com um sol bobo, vermelho e áspero como poeira de tijolo...”. 

E aí, sabem o que aconteceu? Os sobreviventes da catástrofe sentaram-se no meio da rua para se aquecer e conversar. Então um passante curioso perguntou-lhes o que tinham feito para não se afogar na tormenta que levara tudo por diante. Deram-lhe uma resposta coletiva: 

‒ Nadamos! 

Nadar, no caso, não significa apenas se deslocar na água com as mãos em forma de concha, em movimento coordenado de braços, pernas e respiração. Nadar é, acima de tudo, resistir. Resistir à gravidade, à correnteza, à lama, às perdas, às adversidades e ao desânimo. 

A gauchada está resistindo bravamente e isso nos dá certeza de que vamos sobreviver. E quando o sol voltar a brilhar sobre nossos telhados e nossas cabeças, também nos sentaremos no meio deste pampa precioso e malcuidado para alinhar os detalhes das histórias que haveremos de contar para os nossos netos, e que eles repetirão para os seus próprios descendentes por sucessivas gerações: 

‒ Meu avô contava que no dilúvio de 2024 um cavalo ficou ilhado durante quatro dias, de pé sobre um telhado de zinco, sem comer nem dormir, e saiu da enrascada de barco... 

E não faltará um menino mais cético para questionar: 

‒ Realismo fantástico outra vez, vovô?


(Do jornal Zero Hora, 14 de maio de 2024)

terça-feira, 14 de maio de 2024

Uma reflexão

  Sobre as casas gaúchas:

Tatiana Marmon* 

Quando me mudei para o Rio Grande do Sul, comecei a gravar as cidades daqui para apresentar em meu canal. Até o momento, foram mais de 40 cidades entre Serra Gaúcha, Vale do Paranhana, Vale do Taquari, Rota Romântica,  capital e outras. 

Visitar essas cidades foi importante porque me permitiu conhecer mais sobre a cultura gaúcha e os hábitos de seus moradores. 

Um fato que me chamou muito a atenção foi as cidades estarem sempre com pouco movimento nas ruas, mesmo no verão e nos dias quentes. 

Tal estranhamento se deve ao fato de eu vir de uma região do país muito quente, com hábitos bastante distintos. 

Quando esquenta “lá em cima” do país, temos o costume de sair de casa e ficar na rua conversando na praça, na calçada ou na mesa de bar com os amigos. 

Aqui no Rio Grande do Sul, mesmo nos dias quentes, eles se mantêm em suas casas. Reúnem os amigos e a família para um churrasco. A vida do gaúcho se constrói dentro de casa. 

Nos dias frios (boa parte do ano é composto por eles), se recolhem em seus lares, considerados verdadeiros templos para os gaúchos. O frio fez o gaúcho valorizar a sua casa como nenhuma outra região. 

Tal valor é notado não só pelo hábito do recolhimento, mas no cuidado com suas casas e jardins, sempre tão verdes e floridos. 

Ao circular pelas ruas residenciais, era de praxe eu exclamar com o Matheus: 

‒ Amor, olha que casa mais linda! Que casa boa! ‒ E eu não me referia a mansões, muitas vezes eram simples construções em madeira, mas sempre tinha um charme aqui e outro ali. 

Um tempo é sagrado e a casa gaúcha, também. 

Agora pense na dor dessas pessoas em perder os seus lares, seus templos? 

Por mais que a gente tente,  jamais conseguiremos mensurar a dor de um gaúcho em perder a sua casa... 

E jamais conseguiremos mensurar a dor de um gaúcho em ver outros gaúchos perdendo a vida. 

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* Trabalhou como Professora do Curso de Turismo na empresa UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.  Mora em Gramado, Rio Grande do Sul.

O encontro de almas gêmeas

 

Um idoso de 83 anos se aposentou e foi morar em uma cidade do interior após o falecimento da esposa de 78 anos. Estava muito sozinho no mundo e queria ter companhia novamente. 

Um dia, enquanto passeava pela praça, viu o que ele considerava uma senhora muito bonita, de cabelo branco, sentada sozinha num banco. Armou-se de coragem, aproximou-se da senhora e perguntou-lhe gentilmente. 

‒ Desculpe, senhora, mas posso sentar-me aqui consigo? 

Ela levantou os olhos para ver um distinto idoso de cabelo branco e respondeu. 

‒ Claro que sim! ‒ e aproximou-se suavemente para lhe dar espaço para se sentar. 

Nas duas horas seguintes, os dois sentaram-se e conversaram sobre tudo. 

Descobriram que vieram da mesma parte do país, que gostavam das mesmas músicas românticas, que votaram nos mesmos candidatos presidenciais, que tinham tido casamentos longos e felizes, que tinham perdido os cônjuges no ano anterior e que, em geral, estavam de acordo em quase tudo. 

Finalmente, o idoso clareou a garganta e perguntou timidamente: 

‒ Senhora, posso fazer-lhe duas perguntas? 

Com grande interesse e expectativa, a idosa respondeu: 

‒ Claro que pode! 

O idoso tirou um lenço do bolso do casaco e espalhou-o no chão diante dela. Com muita tentação, ajoelhou-se e olhou-a suavemente nos olhos. 

‒ Senhora, eu sei que só nos conhecemos há algumas horas, mas temos muito em comum. Sinto que a conheço desde sempre. Quer se casar comigo e ser minha esposa? 

Ela pegou nas mãos do velhote e disse: 

‒ Sim, eu caso com você! Me sinto muito feliz. 

Aproximou-se e beijou suavemente na bochecha. Então ela disse: 

‒ Disse que tinha duas perguntas para me fazer. Qual é a segunda? 

Ele coçou o pescoço e disse: 

‒ Pode me ajudar a levantar? 

(Autor desconhecido)