quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Cuidado com áudios e selfies

 

A crise global de confiança é um tema a ser enfrentado 

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O Paixãogate* não é um fenômeno isolado, mas um efeito colateral altamente nocivo de uma crise de confiança turbinada, em grande parte, pelas redes sociais e aplicativos de propagação de mensagens, que perenizam desabafos e bravatas. Em uma mesa de bar, passariam batidos e seriam esquecidos imediatamente. 

Hoje, até mesmo bater uma foto ao lado de alguém** em uma festa é uma atitude de risco, ainda mais se esse alguém for exposto publicamente. Se daqui a cinco anos ele for acusado de qualquer coisa, a foto poderá ser usada contra você. 

Não se trata, no caso de Paixão*, apenas de futebol, mas sim de algo muito maior e mais importante em uma sociedade, seja no seu aspecto social, político ou econômico. A crise global de confiança é um tema a ser enfrentado. Sem que pessoas acreditem umas nas outras e nas instituições, construir futuro é praticamente impossível. Para isso, a dimensão privada das relações precisa ser valorizada e cuidada. Logo, os dedos em riste deveriam, agora, estar apontados para outro lado. 

Túlio Milman, em Zero Hora. 

*Paulo Paixão, preparador físico do S. C. Internacional, fez inconfidências particulares a um “amigo”, via celular, e esse “muy amigo” colocou a conversa nas redes sociais, fazendo com que Paixão pedisse demissão do Inter. 

** No final de 2017, vi muita gente, no Rio de Janeiro, fazendo selfies ao lado do político Jair Bolsonaro... daqui a alguns anos, não sei no que isso vai dar...

Cuidado que vaza 

Nilson Souza

Brocardos, brocardos... Quando alguém lembra que o peixe morre pela boca dificilmente está falando de pescaria. Também poderia estar dizendo − com o auxílio de outro provérbio popular − que em boca fechada não entra mosca. As duas expressões querem dizer a mesma coisa: nascemos com dois ouvidos e uma só boca, ouça mais e fale menos para não se incomodar. 

Em tempos digitais, cabe acrescentar mais uma advertência: controle os dedos e os cliques, pois tudo que disser, digitar ou retransmitir poderá ser usado contra você. Mais sinteticamente ainda: cuidado que vaza. 

Os juízes de todas as instâncias gostam de repetir uma antiga máxima do direito romano: o que não está nos autos não está no mundo. Ou seja: para que alguém seja condenado, é preciso que as provas do crime estejam no processo. Pois a comunicação instantânea inverteu esta máxima: o que vai para a web vai para o mundo. Quem passa mensagem para um amigo, por mais amigo que seja, deve ter consciência de que está se expondo aos olhos da multidão. 

Não que os amigos sejam traíras, como se diz no futebol, que é onde busquei inspiração para este comentário depois do vazamento do áudio do preparador físico do Internacional. Nunca se esqueça de que o seu melhor amigo também tem um melhor amigo e pode não ser você. Nem sempre há maldade na disseminação de um comentário indiscreto. Às vezes, nesta relação de confiança entre pessoas que se amam e se respeitam, ele cai na caixa de alguém que sequer conhece o primeiro autor. 

Também não se pode descartar a maldade, evidentemente, ainda mais quando existe paixão envolvida − o que é corriqueiro no futebol. No fim das contas, quem sai no prejuízo é o ingênuo que abriu demais a boca ou acreditou que estava falando somente com uma pessoa. Nas chamadas redes sociais, não existe tête-à-tête − que é a expressão francesa consagrada para nominar uma conversa particular entre duas pessoas. 

A rede é o mundo. E o mundo, como na sentença jurídica, passa a ser a verdade. Palavra dita e flecha lançada jamais voltam atrás, diz outro brocardo. Pior ainda quando a palavra vira flecha. 

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(Do jornal Zero Hora, novembro de 2021)

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