domingo, 27 de dezembro de 2015

A Saudade fala Português



Eu tenho saudades de tudo que marcou a minha vida.

Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou vir a ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei, de quem disse que viria e nem apareceu...

Sinto  saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito; daqueles que não tiveram como me dizer adeus, de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre, de coisas que eu tive e de outras que não tive, mas quis muito ter, de coisas que nem sei se existiram, mas que se soubesse, decerto gostaria de experimentar...

Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer, dos livros que li e que me fizeram viajar, dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade...

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o quê, em não sei onde, para resgatar alguma coisa que nem sei o que é, e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades em japonês, em russo, em italiano, em inglês, mas que minha saudade, por eu ter nascido brasileiro, só fala Português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que se costuma usar sempre a língua pátria, espontaneamente, quando estamos desesperados, para contar dinheiro, fazer amor e declarar sentimentos fortes, seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples “I miss you”, ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez  não exprima, corretamente, a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades, porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis, de que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência...

Sentir saudade é sinal de que se está vivo...

Texto de Antônio Carlos Affonso

O Rio e o Oceano



Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano,
ele treme de medo.
Olha para trás, para toda a jornada,
os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso
através das florestas, através dos povoados,
e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele
nada mais é do que desaparecer para sempre.
Mas não há outra maneira.
O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar.
Voltar é impossível na existência.
Você pode apenas ir em frente.
O rio precisa se arriscar e entrar no oceano.
E somente quando ele entra no oceano
é que o medo desaparece.
Porque apenas então o rio saberá
que não se trata de desaparecer no oceano,
mas tornar-se oceano.
Por um lado é desaparecimento
e por outro lado é renascimento.
Assim somos nós.
Só podemos ir em frente e arriscar.
Coragem! Avance firme e torne-se Oceano!

Osho


O medo é um dos maiores limitadores, senão o maior, diante das grandes oportunidades que a vida nos trás.

Por medo já deixei de fazer muitas coisas, já deixei de experimentar muitas coisas.


Quando resolvi que não mais me renderia ao medo a minha vida mudou completamente, porque eu havia mudado. Comecei a me lançar para as oportunidades, principalmente para as oportunidades que me faziam extremamente feliz.


sábado, 26 de dezembro de 2015

Um brinde aos anos que virão



“Que neste ano (e em todos os anos de sua vida), você diga com muita fé: Este será, seguramente, o meu ano! Ano de luta, de progresso e de realizações. Ano em que, com certeza, vou tentar realizar todos os meus sonhos. Quero ter, ao lado das pessoas que amo, muita paz e muitas alegrias. Lutarei com todas as minhas forças para que os meus projetos sejam concretizados. Buscarei ser feliz a todo custo, mas antes definirei o que me faz feliz. Planejarei mudanças em minha vida, atualizarei meu currículo. 

Especializar-me-ei em alguma atividade, procurando novas oportunidades. Quero mudanças por mim, e não por pressão de familiares. E, quando tentar mudar algo em minha vida, sei que, por algum tempo, vou desistir de algumas metas, mas retornarei ao meu projeto, tendo, com certeza, sucesso.

Quero que o amor seja uma figura constante em todos os meus atos. Sei que farei muitas besteiras: errarei muitas vezes até intencionalmente, mas quero perceber meus erros a tempo, e me redimir de todas as minhas falhas, pois sou humano, sou imperfeito e tenho consciência das minhas limitações.

Sei que, por imposição profissional, religiosa ou por burrice mesmo, pensei o mundo dentro da minha ótica equivocada. Ataquei pessoas, só pelo fato de antipatizar com elas. Achei-me dono da verdade, só porque tive instrutores (e professores) que me fizeram e agir e pensar assim. Por demagogia, tive sempre várias caras, dependo onde eu estivesse, eu mostrava uma delas, mas a minha, a verdadeira, eu nunca mostrava para ninguém. Nem mesmo eu sei que realmente eu sou. Quero mudar, pois minha consciência não irá deixar-me mais viver assim. Quero ser mais autêntico do que sou.

Faço um brinde a tudo de bom que vivi e consegui no ano passado, com a certeza de lutar para que tudo de bom, novamente, ocorra para mim e para toda a humanidade, neste ano que irá se iniciar e em todos os anos de minha existência nesta maravilhosa terra.

Brindo aos lugares lindos que conheci (e estou conhecendo), aos amigos que sempre estiveram ao meu lado, ao meu amor, que sempre esteve comigo me proporcionando momentos maravilhosos...

Deus misericordioso, que este seja mais um ano bom e próspero de minha vida, esperando que seja muito longa e venturosa vida!”




Frases e texto de Luis Fernando Veríssimo



Espelho

O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença.

Medo

Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.

Filhos

A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.

Brasil

Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores.

Casamento

Quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca-vergonha.

Perguntas e Respostas

Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.

Vento

Os tristes acham que o vento geme; os alegres acham que ele canta.

Amor

Não deixe de acreditar no amor, mas certifique-se de estar entregando seu coração para alguém que dê valor aos mesmos sentimentos que você dá, manifeste suas ideias e planos, para saber se vocês combinam e certifique-se de que quando estão juntos, aquele abraço vale mais que qualquer palavra.

Detalhes

Com o tempo, os detalhes estragam qualquer biografia.

Praga

A diferença entre a Argentina e a República Checa é que a República Checa tem o governo em Praga e a Argentina tem essa praga no governo.

Religião

As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

Mundo

O mundo não é ruim, só está mal frequentado.

Livre

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Poço

No Brasil o fundo do poço é apenas uma etapa.

Reencarnação

Não vejo vantagem na reencarnação, a não ser que conte tempo para o INSS.

Desilusão

Ainda pior do que a desilusão de um não ou a incerteza de um talvez, é a desilusão de um quase.

Honestidade

Tem muita gente honesta neste país. Só não se identificam para não ficar de fora se aparecer um bom negócio.

Sentir Falta

No fim, o que a gente mais sente falta do passado é o seu futuro.

Otários

Não somos otários, como pensam. Somos hipócritas. Isto é, otários conscientes, otários assumidos, otários porque o contrário seria sucumbir ao amoralismo dos outros.

Iceberg

Ninguém é o que parece ou o que aparece. O essencial não há quem enxergue. Todo mundo é só a ponta do seu iceberg.

Acusadores

Não viro a cara para meus acusadores, embora eles só mereçam desprezo, mas os enfrento com um olhar límpido como minha consciência e um leve sorriso no canto da boca.

Descanso

No começo, Deus criou o mundo e descansou. Então, Ele criou o homem e descansou. Depois, criou a mulher. Desde então, nem Deus, nem o homem, nem o Mundo, tiveram mais descanso.

*****

O fim

Deus reuniu seu staff e anunciou: o mundo vai acabar.

Todos se entreolharam. Como, acabar?

– Acabar – disse Deus. – Não vai ter mais. Ponto final. The end. Finito.

– Mas Senhor... – começou a dizer um dos assessores.

– Cansei – interrompeu–o Deus. – No princípio ainda foi divertido. A fase da criação. O dia. A noite. Os bichos. Tudo era novo. Tudo era a primeira vez. E eu era mais jovem, tinha o entusiasmo e o otimismo dos jovens. Agora não tenho mais saco. E a humanidade me decepcionou. Ela não é nada do que eu tinha planejado Desperdicei meus melhores efeitos numa humanidade que nunca soube apreciar minha obra. Muitos até duvidam que ela seja minha.

Todos haviam reparado que Deus andava mesmo meio irritadiço. Manifestava sua irritação com o tempo, com os excessos de calor num hemisfério e de frio no outro, com furacões fora de hora, com secas inclementes e enchentes catastróficas. Acordava de manhã e a primeira coisa que pedia, antes do iogurte, era “Um cataclismo, rápido! Não importa onde”.

– Como será o fim, Senhor?

– Com um estrondo. Pum, e fim. Eles não vivem falando no tal Big Bang, que teria siso o começo de tudo, e não Eu? Pois agora eles vão ver um Big Bang.

– Senhor, quem sabe outro dilúvio? Assim o Senhor se livraria da humanidade, mas preservaria os bichos, e poderia começar tudo de novo...

– Nah... – disse Deus. – Já posso ver o que correria de propina na disputa para construir outra arca. Com Noé foi assim. Pensei que era um homem honrado, e foi outra decepção. Ou alguém não sabe que depois do dilúvio ele abriu uma conta numa off–shore com o dinheiro que ganhou da empreiteira? Nada de arca. Vai ser pum, e pronto.

– Mas Senhor, tem que haver algum tipo de solenidade no fim do mundo...

– Como o quê, por exemplo?

– Um espetáculo. Afinal, se tratará de uma apoteose. Da última apoteose. O que o Senhor acha?

– Hmmmm. Desde que não tenha mímica. Eu odeio mímica.

– Seria um espetáculo musical. Uma sinfonia final, acompanhada de fogos de artifício, mil músicos, um balé com mil bailarinas... E, claro, o Cirque du Soleil. Encomendaríamos a sinfonia de um dos nossos compositores.

– Quem é que nós temos?

– É só escolher! Temos Mozart, temos Beethoven... Imagine uma Sinfonia do Fim do Mundo escrita pelo Beethoven!

– Ele toparia?

– Por que não? Não está fazendo nada. E se ele não topar, temos o Wagner!

– Wagner não foi pro inferno?

– Poderíamos propor um empréstimo.

– Wagner não. Tem a questão do antissemitismo. Pegaria mal com a turma do Jeovah, com quem Eu tenho um bom relacionamento.

– Que tal Mahler?

– Mahler! Claro! Sempre me perguntei por que Eu tinha criado o Mahler, e agora Eu sei. Vai ser Mahler!

– Ótimo!

– Mas nada de mímica.

Luís Fernando Veríssimo


Luis Fernando Veríssimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Veríssimo é também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro e romancista bissexto. Já foi publicitário e copy desk de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Érico Veríssimo.

*****

P.S. Já cruzei com o Luís Fernando Veríssimo algumas vezes nos cinemas de Porto Alegre: na sala, na saída ou na entrada de algum filme de bom gosto. Gentil, simpático, sem estrelismo. Ele, sim, é o cara!

Nilo da Silva Moraes


Os deveres da pessoa segundo Armindo Trevisan



Aquarela de Euardo Arigony

11) Aceitar-se livremente como membro de uma comunidade que tem a língua, a história e o trabalho como base comum da sua solidariedade;

22) Exigir dos outros o mesmo que se exige de si, ou seja, a garantia da sobrevivência, da educação, da saúde e de uma velhice digna;

33) Participar ativamente das tarefas essenciais de uma sociedade constituída por um pacto: defesa do patrimônio comum, luta pelo acréscimo do mesmo, porém jamais a expensas do que é devido aos mais frágeis, aos marginalizados, às crianças e aos velhos;

44) Exercer o direito de voto de uma forma lúcida, de modo a afastar os oportunistas, os vigaristas, os vaidosos e os cobiçosos;

55) Reconhecer, ao menos implicitamente, que toda autoridade é um serviço, e que deriva de um Ser Transcendental, pouco importa o nome que se lhe dê. Para mim, sem a admissão, ao menos implícita, dessa realidade, não há cidadania que resista ao assédio da incorrigível tendência humana ao egoísmo e à megalomania.

Primavera

Por que será que penso nos teus lábios
quando avisto, em quintais, limões maduros?

Serão eles, dobrados sobre os muros,
Livreiros que esquadrinham alfarrábios?

Ou hão de perecer polidos cabos
Rumorejando sobre os ares puros?

Eu sempre penso nos limões: dourados,
Guardam-se incorruptíveis, e fechados.

Extraídos de A dança do fogo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2001.

*Armindo Trevisan (Santa Maria, 1933) é teólogo, poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro, tendo obras traduzidas em várias línguas, especialmente alemão, italiano, espanhol e inglês.


Extermínio de ornitorrincos no Brasil



As coisas funcionam assim:

Um domingo a Veja denuncia que o governo teria pronto um plano para eliminar todos os ornitorrincos* do território nacional.

À noite, o Fantástico, com uma reportagem cheia de detalhes, dando a impressão que já a tinha preparada, rogando aos espectadores para que façam algo para parar o extermínio. E, enquanto soa uma música dramática de fundo, diz que não façam por cada um de nós, mas pelos ornitorrincos.

No dia seguinte, a Folha de S. Paulo intitula: “Feroz investida do governo contra os ornitorrincos”. “Ameaça de extinção”.

Na terça, o Jô Soares coloca a pergunta: “Vão desaparecer os ornitorrincos? Como os brasileiros não reagem frente à extinção dos ornitorrincos?”

Miriam Leitão fala da escassez dos ornitorrincos, com seus reflexos na inflação e na pressão para novo aumento da taxa de juros.

FHC escreve sobre a indiferença do Lula e a incompetência gerencial do governo para proteger a vida de um animal que marcou tão profundamente a identidade nacional como o ornitorrinco.

Aécio Neves diz que está disposto a pôr em prática um choque de gestão, similar ao que realizou em Minas, onde a reprodução dos ornitorrincos está assegurada.

Marina Silva diz que a ameaça de extinção dos ornitorrincos é parte essencial do plano do governo da Dilma de extinção do meio ambiente. Que assim que terminar de conseguir as assinaturas para ser candidata, vai apelar a organismos internacionais a que intervenham no Brasil para evitar a extinção dos ornitorrincos.

Marcelo Freixo denuncia que são milícias pagas pelo governo os que estão executando, fria e sistematicamente, os ornitorrincos.

Em editorial, o Estadão afirma que o extermínio dos ornitorrincos faz parte do plano de extinção da imprensa livre no Brasil e que convocará reunião extraordinária da SIP para discutir o tema.

Um repórter do Jornal Nacional aborda o ministro da Agricultura, perguntando os motivos pelos quais o governo decidiu terminar com os ornitorrincos, ao que o ministro, depois de olhar o microfone, para saber se é do CQC, respondeu: Mas se aqui não há ornitorrincos! O repórter comenta para a câmera: No governo não querem admitir a existência do plano de extermínio dos ornitorrincos, que já está sendo posto em prática.

Começam a circular mensagens na Internet, que dizem: “Hoje todos somos ornitorrincos” e “Se tocam em um ornitorrinco, tocam a todos nós”.

Heloisa Helena declara que os ornitorrincos são só o princípio e que o governo não tem limites na sua atuação criminosa, os coalas e os ursos pandas que se cuidem.

Uma ONG com sede em Washington lança uma campanha com o lema: “Fight against Brazilian dictatorship! Save the ornitorrincs!”

O Globo, Folha e o Estadão com a mesma manchete: “Sugestivo silêncio da presidente confirma culpabilidade”.

Colunista do UOL diz que, de fonte segura, lhe disseram que o governo, diante da péssima repercussão do seu plano de exterminar os ornitorrincos, decidiu retroceder.

Todos os jornais editorializam, no final da semana, que os ornitorrincos do Brasil estão salvos, graças à heroica campanha da imprensa livre.

(Este artigo é a simples tradução e adaptação dos nomes para personagens locais, de um texto que corre nas redes da Argentina. As coisas funcionam assim lá e aqui)

Postado por Emir Sader

* O ornitorrinco (nome científico: Ornithorhynchus anatinus, do grego: ornitho, ave + rhynchus, bico; e do latim: anati, pato + inus, semelhante a: “com bico de ave, semelhante a pato”) é um mamífero semiaquático natural da Austrália e Tasmânia.


Pequenos exemplos de vida


A lição barbeiro 


Eu tinha 15 ou 16 anos. Morava na Rua Luís de Camões, a rua da Igreja Santo Antônio, e cortava os cabelos numa barbearia que ficava na Avenida Bento Gonçalves, quase esquina da Barão do Amazonas, em Porto Alegre.
O barbeiro era um sujeito falante, cabelos ondulados de vate português. Ele sempre puxava conversa e falava aquilo que o cliente gostaria de ouvir. Entendia de tudo um pouco. Às vezes, eu não estava a fim de papo, ele respeitava o meu silêncio, cortava com capricho, dava um sorriso e se despedia.
Uma manhã, não sei se cortava os cabelos ou esperava a minha vez... Não me lembro... Um garoto de uns dez anos assomou à porta vendendo pastéis. Não disse nada e já ia continuar sua caminhada, quando o barbeiro o chamou:
- Menino, deixa eu ver os teus pastéis.
O garoto abriu o seu cesto coberto por uma toalha de mesa, mostrando a sua mercadoria. O barbeiro pegou um pastel, provou, pagou, tecendo um comentário:
- Menino, que pastel gostoso! Tu vais vender muito hoje, está bom demais!
Então, o pequeno vendedor apanhou um cruzeiro, o preço do pastel, e saiu todo sorridente e confiante pela rua.
O barbeiro comentou com os que estavam no recinto:
- Senti que ele estava muito acanhado, agora ele vai levantar a cabeça e anunciar melhor a sua mercadoria.
Aprendi, de uma forma simples, uma pequena lição. Nós temos que ter sensibilidade de entender as pessoas naquilo que elas não dizem, mas demonstram estar sentindo, e tentar fazer, com um pequeno gesto, que elas olhem a vida de outra forma, mais otimista, como vender melhor seus pastéis.

A lição do gerente


O Túlio era um jovem gerente de cinema. Morava na Avenida Bento Gonçalves e administrava o Cinema Pirajá, onde hoje é uma loja de tintas, que também ficava na mesma avenida, quase esquina da Rua Teixeira de Freitas, no Partenon. Ele se relacionava com todo mundo, tinha uma simpatia contagiante. Era um boa praça, como se dizia na época.
Nas matinês de domingo, ele deixava eu pegar uma lanterna e cuidar da “moral e dos bons costumes” dentro do cinema.
Foi no Pirajá que assisti a um dos musicais mais impactantes da minha vida: “Amor, Sublime Amor (West Side History). Ninguém do bairro gostou do filme, o pessoal comentava: “Que porra de filme! Quando os caras vão falar, começam a cantar!”.
Mas, voltemos à lição que o Túlio nos deu.
Uma noite, num sábado, na esquina do pecado, no Bar da Dona Dija, quando a patota estava toda reunida sem nada para fazer, apareceu o Túlio. O César, um garoto da turma, filho de uma cabeleireira que tinha seu salão na Bento, quase defronte ao Pirajá, de supetão disse ao Túlio:
- Túlio, me consegues um convite?
- Cara, quando te encontrares comigo pergunta: “Túlio como vais? E a família está bem? Só depois pede um convite. É claro que vou te dar um, mas aprende a lição.”
Eu, que estava ao lado vendo tudo, tomei a lição como se fosse para mim. Devemos interagir com as pessoas antes de fazer qualquer solicitação.

Depois de muitos anos, morando na Zona Sul, eu tinha em casa uma piscina. Toda a garotada do bairro, uns 20 meninos e meninas, usavam-na para brincar e tomar banho, aos sábados e domingos.
Numa sexta-feira, duas adolescentes gêmeas me perguntam:
- Tio, tem piscina amanhã?
Digo a elas, lembrando da lição do Túlio:
- Meninas, vocês passam por mim toda a semana e nem me olham! Cumprimentem-me, eu existo, eu não sou só o tiozinho da piscina, sou um ser humano. Tudo bem, podem tomar banho amanhã.
No dia seguinte, tomaram banho e continuaram a não olhar pra minha cara...
Umas pessoas aprendem; outras, não.

A lição do moderado


No início dos anos 70, tive um colega, homem calmo e ponderado, com o qual gostava de discutir temas políticos. Homem cerebral nas suas colocações, tinha um temperamento conciliador e suas palavras, por mais simples que fossem, sempre transmitiam pequenos ensinamentos filosóficos e realistas.
Em nossos debates, coisa que fazíamos sempre que conversávamos sobre qualquer assunto, eu sempre colocava minhas ideias socialistas como a salvação do homem e do mundo. Mas, um dia, depois de ouvir as minhas argumentações inovadoras, ele me disse uma frase que a tomei como um choque para voltar à realidade do mundo: “Meu amigo, tu tens soluções para fazer o mundo melhor, mas eu e a Entidade para qual faço trabalho voluntário, todas as semanas arrecadamos alimentos para saciar a fome dos mais humildes. E tu o que fazes por eles?
Não tive resposta. Calei-me. Percebi que as utopias são sonhos. A fome e o desamparo dos humildes são diários e verdadeiros.
Hoje, faço mensalmente tudo o que ele já fazia e defendia naquela época, pois eu aprendi a lição de um homem sem posição política, mas com uma visão real dos problemas sociais. Temos, sim, que ter utopias e sonhos na cabeça, e o realismo para fazer as coisas do coração, ajudando, no que for possível, aos mais necessitados

Por Nilo da Silva Moraes


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Reflexões de Joel Silveira



Joel Silveira, Lagarto, SE, 23 de setembro de 1918 - Rio de Janeiro,
15 de agosto de 2007, foi um jornalista e escritor brasileiro.

Þ  Aborda-me na rua uma pessoa que não conheço:
     - Você é fulano?
     Sem diminuir o passo e já ansiosos para dobrar a esquina, respondo:
     - Fui.

Þ Na fila do cinema, exala a primeira dondoca para a segunda:
     - É como diz meu decorador: além de tomar espaço, livro mente muito.

Þ O Brasil não foi descoberto. Foi achado.

Þ Ninguém pode dizer que foi meu amigo de infância, pois infância nunca tive. Infância teve quem aos quatro anos, cinco anos ganhou um velocípede. O que não aconteceu comigo.

Þ Ouvido sem querer no barbeiro:
   - Mulher para mim tem que ser gordinha. Em mulher magra a mão da gente está sempre escorregando.

Þ - Fulano não gosta de você.
     - Então já são dois.
     - Quem é o outro?
     - Eu.

Þ - No meu tempo era melhor...
     - Errado. No seu tempo você é que era melhor.

Þ De Henry Miller: “Como me enfadam os homens de princípios”.

Þ Pessoa que conheço tem uma teoria no mínimo questionável. Diz ele:
     - Antes de elogiar alguém, conto até dez. Já para falar mal, só conto até cinco.
     E concluiu:
     - No primeiro caso, quase sempre me arrependo.

Þ Podem acreditar: já fui mais velho do que sou hoje.

Þ O cúmulo do ridículo, beirando o grotesco: um marmanjo já madurão, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho.

Þ Quando na praia ela me comunica que acaba de casar pela quinta vez, brinco:
     - Como você gosta de homem!
     Sorrindo, num esplendor de dentes e brilho nos olhos, ela corrige:
     - De homem até que não gosto tanto assim. Do que gosto mesmo é de marido.

Þ Faço mais um aniversário, e J. me telefona:
     - Você já viveu demais. Começa a dar na vista.

Þ Quando eu era Secretário da Cultura, em Sergipe, sempre que a moça do palácio me telefonava lembrando o “despacho com o governador”, me dava uma vontade doida de perguntar:
     - Despacho? Em que encruzilhada?

Þ Do compadre:
    - Comigo não tem essa de matar a cobra e mostrar o pau. Comigo é matar a cobra e mostra a cobra.

Þ “Grande, muito grande é a Ilha Grande”, versejou o nosso D. Pedro II, num dos seus deploráveis impulsos poéticos.

Þ Do compadre:
     - É melhor uma pátria de chuteiras do que uma pátria de coturno.

Þ Lá vem a Excelência:
     - Pensei em deixar o cargo.
     Conversa fiada. Ministro só pensa em deixar o cargo quando sabe que já está sendo deixado.

Þ Quando, em fases alternadas, eu trabalhava com Samuel Wainer, e o procurava com uma sugestão, ele me escutava calado, os óculos na testa, para finalmente dizer:
     - É, eu sei. Já pensei nisso.
     Um sabichão, o Samuca.

Þ - Fale-me dela.
     - Do quê? De suas prendas e virtudes?
     - Não, do resto.

Þ - Quantos anos você me dá?
     - Nenhum. Você já os tem demais.

Þ O travesti na televisão:
     - Na vida só tenho medo de duas coisas: de navalhada no rosto e câncer de mama.

Þ Falar mal do diabo, eu? Jamais lhe darei essa alegria.

Þ - Você sabe por que baiano fala devagar quase parando, como que se espreguiça?
     - Não.
     - Para esticar o máximo possível a falta de assunto.

Þ - Por que você nunca fala bem de fulano?
     - Quem é ele?
     - Pronto já começou.

Þ No jornal: “ratos e escorpiões invadem Brasília”.
     E muitos reeleitos.

Þ - Fulano de tal está com um pé no Ministério. Só falta botar os outros três.

Þ Casou três vezes e teve umas cinco amantes. Mas, coitado, nunca teve uma namorada.

Þ Quando nasci, meu Anjo da Guarda deve ter dito:
     - Agora te vira!

Þ Declara na televisão a cintilante “socialite”:
     - Já fui a Paris mais de duzentas vezes.
     O que me dá vontade de perguntar:
     - E ao Louvre, quantas?

Þ Vulcão e mulher nunca estão definitivamente extintos.

Þ Do compadre:
     - Deus faz, a família desfaz.

Þ Meu amigo vai à Itália pela primeira vez. Me pergunta:
     - Quanto tempo você acha que vou gastar para conhecer Florença?
     Respondo.
     - A vida inteira.

Þ Num dos noticiários da televisão, o repórter, um olho no entrevistado, outro no relógio, indaga:
     - E que o senhor tem a dizer a respeito desse problema?
     O entrevistado pigarreia, vai responder:
     - Veja bem, a questão é que...
     - Muito obrigado pela sua presença. É com você, Priscila.

Þ Do compadre:
    - Para ajudar o homem, basta Deus. Já para desajudar não é preciso nem o diabo. O próprio homem se desajuda.

Þ Se um dia alguém tentar escrever a biografia daquele figurão, pode resumi-la nestas poucas palavras: nasceu por injusta e morreu por justa causa.

Þ -Você acredita em céu e inferno?
     - Em céu, não.

Þ Me diz o baiano:
     - Pimenta só não combina com leite.
     Já eu acho que pimenta só combina com baiano.

Þ Muitas vezes dizer nada é dizer demais.

Þ É nos velórios que se contam as piadas mais cabeludas. Só o defunto leva o velório a sério.

Þ - Me diga, o que lhe trouxe o Ano Novo?
     - As mesmas velharias de sempre.

Þ Manchetinha no caderno feminino do “Jornal do Brasil”: “Em busca do bumbum ideal”.
      Ideal para quê?

Þ Me dizia o velho sertanejo da margem do São Francisco, já chegando aos noventas anos:
     - A gente sente que está envelhecendo, quando começa a gostar mais de carne-de-sol do que de mulher.

Þ Ninguém joga a vida fora. A vida é que nos joga fora.

Þ Os médicos brasileiros já não dizem de um paciente que ele é um alcoólatra, mas um alcoolista. Mas a cirrose continua a mesma.

Þ Melhor do que ser culto é ser cultuado.

Þ O que me conforta é saber que quando eu for para o céu lá não encontrarei nenhum desses furiosos e vorazes pastores evangélicos.

Þ Nunca li nenhum livro deles, mas não dever ser boa leitura um livro que é dedicado “aos meus queridos pais” “ou “à minha amada esposa”.

Joel Silveira e os literatos


- E então, Rui Barbosa encarou a plateia internacional, lá em Haia, e indagou: “Em que idioma os senhores querem que eu discurse?”
Todo mundo sabe que o fato não aconteceu, ao menos como o descreve a gabolice baiana, mas se realmente tivesse havido aquela sessão da Conferência de Haia e à mesma eu tivesse presente, não tenham dívida. Logo tivesse escutado Rui Barbosa indagar dos demais delegados em que língua preferiam escutá-lo, eu teria gritado á do fundo da sala:
- Em chinês!
Só para ver o baiano perder o rebolado.

Vez por outra me lembro do conselho que um dia me deu Graciliano Ramos:
- Fuja do gerúndio como o diabo da cruz.
Para ele era fácil. Creio mesmo que o gerúndio é que fugia dele.

Impossível imaginar Machado de Assis fazendo amor com Dona Carolina.

No final de cada romance de Jorge Amado devia constar a seguinte advertência: “Este livro, continuação do anterior, continua no próximo”.

Historinha contada por José Cândido de Carvalho, com quem eu adorava conversar, particularmente quando a conversa era sem assunto, o que sempre acontecia:
“Ao assumir a Prefeitura de Cipó dos Índios, todo de preto e de óculos, Cupertino Varjão deu socos na mesa e falou:
- Cuidado comigo! Vou limpar a administração.
Limpou. Deu um desfalque de deixar a Prefeitura de Cio dos Índios desfalecida por vinte anos”.

Perguntaram ao poeta Murilo Mendes, católico praticante:
- Afinal, Deus existe ou não?
- Existe, mas não funciona.

De Albert Einstein: “Se for provado que a minha Teoria da Relatividade está certa, os alemães me chamarão de alemão, os suíços de cidadão suíço e os franceses de grande cientista. Caso contrário, os franceses me chamarão de suíço, os suíços de alemão e os alemães de judeu.

Outra de Guilherme Figueiredo:
Ouvi um jovem dizer ao pai: “Você tem obrigação de me sustentar. Não nasci porque quis, mas porque você me botou no mundo!”. O pai desmanchava-se em lágrimas de humilhação. Falei ao moço: “meu caro, você não nasceu porque quis. Você é um espermatozoide que ganhou uma corrida apostada com uns quatrocentos milhões de irmãos seus! Se já não está satisfeito com a maratona, suicide-se!”

Ensinava o Barão de Itararé:
- A mulher deve casar. O homem, não.

Nunca li nenhum livro deles, mas não dever ser boa leitura um livro que é dedicado “aos meus queridos pais” “ou “à minha amada esposa”.