A Ilha Fiscal
A Ilha Fiscal estava logo ali, com
seu belo palácio recém-construído, com seu estilo mourisco aos moldes de outros
majestosos que existem na região do Alverne, na França.
Foi escolhido o posto de vigilância
aduaneira, inaugurada depois de 7,5 anos de obras em abril de 1889, à entrada
da Baía de Guanabara, 200
metros do centro do Rio de Janeiro - que ficava numa
ilha, pelo povo conhecida como "Ilha dos Ratos".
Aquele sábado, 09 de novembro de 1889
(em 2015, 126 anos), marcaria para sempre nossa história.
Na parte superior do castelo, após
subir uma escada em caracol com 38 degraus e revestida em cantaria podemos
vislumbrar a sala onde foi realizada a troca de bandeiras entre Chile e Brasil.
A sala é ricamente ornada com vitrais
ingleses, que retratam de um lado D. Pedro II e, do outro a Princesa Isabel,
ladeados por brasões, além do belíssimo piso confeccionado em parquet.
Banquete
À Mesa:
1.300 frangos, 500 perus, 300
pernis de presunto, 64 faisões, 18 pavões, 800 kg de camarão, 800 latas
de trufas, 1.200 latas de aspargos, 20.000 sanduíches, tudo decorado com
legumes, flores e frutas.
Sobremesa:
14.000 sorvetes, 2.900 bandejas
de doces sortidos.
O cardápio servido nessa única noite,
destacando a exuberância dos pratos, ornados com flores e frutas exóticsa, que
em tudo combinavam com o estilo mourisco da Ilha Fiscal.
Por essas mesas, passou um desfile
monumental de iguarias que daria para alimentar um exército. Republicano,
naturalmente.
À meia-noite, os arautos soaram as
trombetas anunciando que a mesa estava posta. Foi a correria. Comilança
desenfreada. O comportamento dos convidados deixava a desejar. A Família
Imperial viu-se obrigada a deixar a Ilha pouco depois da sobremesa.
Cartas de Vinhos e Bebidas
Foram
cometidos alguns excessos nas bebidas.
As notícias dizem que foram
consumidas milhares de garrafas de vinhos de diversas procedências, prevalecendo
os do Porto e Algarve (Portugal).
Isso significa de duas a três
garrafas para cada convidado, fora o champagne. 300 caixas de champanhe
francesa.
As Bebidas oferecidas:
258 caixas de vinho (Château
d'Yquem, Château Lafitte, Château Duplessis, Chablis, Liebfraumilch, Madère
Rouge, Marsala, Lacrima Christi), 300 de champanhe (Veuve Clicquot, Luis
Röederer), 10.000 litros
de cerveja e licores a fartar.
Música
Seis bandas foram contratadas para o
baile, uma foi colocada no convés do cruzador Cochrane que estava ancorado na
ilha.
Na época, a execução das canções
ficava por conta das bandas imperiais, em sua maioria militares.
As partituras eram editadas com
requinte pela Casa Buschman e Guimarães, responsável pela publicação do Hino
Chile-Brasil, composto por Francisco Braga, para saudar a tripulação do navio
Almirante Cochrane.
O som de fundo era feito com
trechos de óperas de Verdi, Boccherini, Waldteufel, Metra e Auber.
O Baile
Baile da Ilha Fiscal - Francisco Figueiredo
(Museu Histórico Nacional)
O Imperador
e a Imperatriz chegaram ao salão principal, perto das 22h.
Quando a princesa Isabel e o conde D'Eu
chegaram, às 23h, começaram as danças (dizem que a Princesa era um pé-de-valsa,
e muito se divertiram), que foram interrompidas à meia noite para a ceia, a
qual foi farta.
Abatido, o Imperador permaneceu
afastado, quase anônimo, enquanto o presidente do Conselho de Ministros, Affonso
Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, fazia as honras.
O Imperador só se levantou para
dançar uma única vez, com a filha do Barão Sampaio Vianna, que completava 15
anos.
O ministro chileno, Manoel Villamil
Blanco e o comandante Banem, do navio Almirante Cochrane, levantaram vivas e
moções de solidariedade ao governo brasileiro e ao imperador.
A maioria dos convidados preferiu
ficar do lado de fora, já que o palácio era pequeno para tanta gente.
Depois da 01h da manhã recomeçaram as
danças, sendo que a Família Imperial logo se retirou, prosseguindo a festa até as 06h de domingo.
A valsa e a polca foram as músicas
predominantes no Baile da Ilha Fiscal, segundo o pesquisador Carlos Sandroni.
Os cartões de dança das mulheres, que
foram encontrados na Ilha Fiscal após o baile, junto com ligas e espartilhos,
revelam que a "pièce de résistance" foi uma sequência alternante em
três tempos:
Fantasia, valsa, minuano, valsa,
fantasia, valsa. (Os cartões são uma das curiosidades guardadas no Arquivo
Nacional. Neles, as damas anotavam os nomes dos cavalheiros com quem haviam se
comprometido a dançar).
Dançavam-se em seis salões. A maior
parte das danças ocorreu fora do palácio, pois não cabiam nele mais do que
setenta casais dançando. Pelos salões desfilou a fina flor da aristocracia, da
oficialidade e da sociedade cariocas.
O Fim do Baile
Em 10 de novembro de 1889, no
amanhecer, os convidados deixam a Ilha Fiscal, terminado o último Baile do
Império.
A Conta
O imperador D. Pedro II não
gostou do que viu e ouviu. Menos ainda quando teve que pagar a conta de 250
contos de réis - equivalente a 10% do orçamento anual do Rio de Janeiro.
Recursos Financeiros
A festa custou em torno de 250 contos
de réis, quase 10% do orçamento previsto para a província do Rio de Janeiro
naquele ano.
Dizem as “más línguas” que este
dinheiro estava destinado ao auxílio de vítimas da seca no Ceará. “Cem contos
de réis estavam guardados nos cofres do Ministério da Viação e Obras Públicas
jamais chegariam ao Ceará. Os flagelados da seca que assolava o sertão tiveram
que esperar”.
E quanto
valeria esta quantia nos dias de hoje?
Adotando duas metodologias diferentes
obtivemos um valor estimado entre 650 mil e 1,2 milhões de Reais.
- Método 1 :
Projeções da inflação entre 1902 e 2008.
- Método 2:
Conversão da moeda vigente para ouro.
É bem verdade que, na corrida aos
cofres públicos para organizar festas suntuosas para os oficiais chilenos, Ouro
Preto e as hostes monárquicas não estiveram sozinhos.
Sabe-se de pelo menos um caso de
corporação do Exército – a da Fortaleza de São João – que, não desejando ficar
atrás da Marinha nas homenagens aos oficiais do Almirante Cochrane, pediu e
obteve verbas do governo imperial para organizar seu ágape. “O tenente-coronel Leite
de Castro me escreveu pedindo 1 conto de réis e eu o atendi prontamente”, diz o
Visconde de Ouro Preto.
A Conta:
O dinheiro reservado para a Seca no
Nordeste pagou as primeiras contas: 50 contos, foi parar na conta bancária da
Confeitaria Paschoal, a preferida da Casa Imperial; 24 contos de réis serviram
para pagar o pessoal que trabalhou naquela noite: três chefs, 150 garçons e um
exército de cozinheiros, ajudantes e serviçais da limpeza; 26 contos de réis
foram empregados na decoração, incluindo dois gigantescos candelabros de prata
e 24 pavões empalhados, que adornavam os cantos das mesas.
O Escândalo
A imprensa dividiu-se em seus
relatos, preocupou-se em divulgar o Baile e não o Golpe de Estado seis dias
após, mas foi um grande acontecimento.
As peças íntimas que foram
encontradas na ilha após a festa, foram motivo de escândalo quando noticiados
pelos colunistas das revistas femininas do século XIX, entre essas revistas, a “Eu
Sei Tudo” revelava que: “A Coroa não era tão casta como pressupunham os seus
súditos”.
O jornal Tribuna Liberal, na sua
edição de 10 de novembro de 1889, falou do: “Brilho e o ruge-ruge das sedas, os
colos salpicados de brilhantes, safiras, esmeraldas e os diademas rutilantes
dos penteados”.
O colunista Desmoulins, do Correio do
Povo, por sua vez, citou o mau gosto a que se entregaram muitos dos convidados.
Criticou ainda os homens que, no salão, mantinham seus chapéus ingleses do
Wellicamp e do Palais Royal enfiados na cabeça.
O cronista social da Gazeta de
Notícias descreveu com detalhes 74 trajes das damas presentes, numa edição que
bateu recordes de espaço e de tiragem.
O jornal publicou também uma
descrição detalhada da ceia, anunciada em um menu de 12 páginas, guarnecido com
as cores das bandeiras brasileira e do Chile: “Nada menos que 11 pratos
quentes, 15 pratos frios, 12 tipos de sobremesas, 4 qualidades de champagne, 23
espécies de vinhos e 6 de licores, num total de 304 caixas destas bebidas e
mais dez mil litros de cerveja. Os números da maior comilança de que o país tem
notícia relacionam para o preparo de todas essas receitas, o consumo de nada
menos que 18 pavões, 25 cabeças de porco, 64 faisões, 300 peças de presunto,
500 perus, 800 quilos de camarão, 800 latas de trufas, 1200 latas de aspargos,
1300 galinhas, além de 50 tipos de saladas com maionese, 2900 pratos de doces
variados, 12 mil taças de sorvete, 18 mil frutas e 20 mil sanduíches”.
E o cronista dedicou um espaço
especial para as bebidas: “Das 304 caixas de bebidas, 258 eram de vinhos e
champagnes”. Ou seja: “Naquela noite, foram consumidas 3.096 garrafas desses
maravilhosos fermentados, que compunham uma bateria de 39 rótulos diferentes,
com destaque para Porto de 1834 - uma safra preciosíssima - Madeira, Tokay,
Château D’Yquem, Château Lafite, Château Leoville, Château Beycheville, Château
Pontet-Canet e Margaux”.
A presença marcante do italiano
Falerno, nas versões branco e tinto, era uma deferência à imperatriz. Os
champagnes não podiam ser melhores: “Cristal de Louis Roederer, Veuve Cliquot
Ponsardin e Heidsieck”. Dentre os vinhos alemães, destacavam-se o “Liebfraumilch
e o famoso Johannisberg do Reno”.
Um republicano infiltrado no baile, que dias depois publicou suas
impressões na Revista Ilustrada, comenta que a certa altura os salões
tornaram-se pequenos para o número de convidados: “Para conseguir o espaço
necessário às danças, o senhor Hasselmann, guarda-mor da alfândega, teve de
suar, não só o topete, mas também o colarinho, de tal modo que este perdeu toda
a compostura e tomou o aspecto de uma simples tripa enrolada no pescoço”. No
meio do Baile, o Ministro das Relações Exteriores, o Visconde de Cabo Frio,
resolveu fazer diplomacia. Ao saber que havia perus no cardápio, ficou
preocupado com o que poderia pensar a comitiva do governo peruano. Mandou
poupar as aves e escondê-las no porão. A notícia vazou. Um grupo de nobres
decidiu aprontar e subornou o dono de uma embarcação, na tentativa de sequestrar
os animais.
A polícia deteve os fanfarrões. A
imprensa gozou: “A polícia não encontrou os perus no barco, mas descobriu 604
peruas no baile”.
O único negro convidado, o engenheiro
André Rebouças, sintetizou em seu diário: “Foi uma bacanal!”.
Republicanos criticaram extravagância
Os Republicanos reclamaram da
extravagância, mas estavam lá, aproveitando e tramando, hoje em dia seria
considerado “Alta Traição”.
Rio de Janeiro
O luxo e a extravagância dos
trajes e cabelos das convidadas do baile da Ilha Fiscal receberam, alfinetadas
de republicanos que não faltaram ao baile e aplausos de monarquistas.
O luxo e as extravagâncias que
cercaram o desembarque do couraçado Almirante Cochrane, dando lugar a um
período denominado “Festas Chilenas”, incentivou a propagação dos ideais
republicanos.
A Trama Republicana
Enquanto o baile transcorria, o que
os convidados não imaginavam, nem o imperador D. Pedro II, é que tramavam em
suas costas.
À mesma hora em que se acendiam as
luzes do palacete para receber os milhares de convidados engalanados, os
republicanos reuniam-se no Clube Militar, presididos pelo tenente-coronel Benjamin
Constant, para maquinar a queda do Império. “Mais do que nunca, preciso
sejam-me dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de
coisas incompatível com sua honra e sua dignidade”, discursou Constant na
ocasião, tendo como alvo justamente o Visconde de Ouro Preto.
Longe dali, ao lado da Família
Imperial, o visconde desmanchava-se em sorrisos ao comandar seu suntuoso
festim.
Seis dias depois, o Marechal Deodoro proclamava
a República na Praça da Aclamação (hoje, da República) – perto do cais Pharoux,
de onde partiram os convidados para o Baile.
Perplexo o povo, nas ruas, comemorou o fim do Império.
No meio dele, estavam também os
mesmos oficiais do navio chileno (ainda ancorado na Baía de Guanabara) que
teriam sido homenageados pela última grande farra do Império.
Fatos Pitorescos do Baile da Ilha Fiscal
→ Só havia um banheiro para
atender as necessidades dos convidados. Os cavalheiros se ajeitavam com
facilidade, à beira-mar. Para socorrer as mulheres, apertadas com a cerveja que
era servida à farta, a criadagem teve que retornar ao continente para pegar...
baldes. Sim, as damas iam para o cantinho, colocavam o balde embaixo do vestido
e se aliviavam.
→ Uma lista divulgada, dos despojos encontrados nos salões, na manhã daquele
domingo incluía, por exemplo: O baile passou das 6 horas, quando a criadagem recolhia
objetos deixados pelos cantos. Entre eles 17 pufes (almofadinhas que realçavam
os contornos das madames), nove dragonas de militares, oito raminhos de corpete
(usados para esconder o decote dos seios), dois coletes de senhoras e dezessete
ligas, dezesseis chapéus, treze lenços de seda, nove de linho e quinze de
cambraia
→ Após a saída dos convidados, os trabalhos de limpeza revelaram artigos
inusitados espalhados pelo chão: além de copos quebrados e garrafas espalhadas,
foram recolhidas condecorações perdidas e até peças de roupas íntimas
femininas.
→ “O Paiz” era o principal periódico republicano do Brasil, chegou a vender, em
1890 , 32 mil exemplares. Apesar de atuar como um órgão oficioso do governo,
considerava-se independente. Escreveram em suas páginas, entre outros, Rui
Barbosa e Joaquim Nabuco, O fato pode, entretanto, ser fictício, uma
vez que foi relatado na coluna humorística Foguetes , do periódico carioca no
dia 12 de novembro de 1888.
→ Um fato irônico, até hoje não confirmado, ocorreu logo após a chegada da
Família Imperial, conta-se que D. Pedro II, ao entrar no salão do baile,
desequilibrou-se. Ao recompor-se, exclamou: – O monarca escorregou, mas a
monarquia não caiu!
D. Pedro II em traje de almirante
(Do Blog Império
Brasil)