terça-feira, 30 de maio de 2017

Edifício Malakoff

o primeiro “arranha-céu” de Porto Alegre

O Edifício Malakoff, considerado o primeiro arranha-céu de Porto Alegre, teve o início da construção em 1856 e sua conclusão quatro anos depois, em 1860.


Nesta fotografia, tomada do Edifício Malakoff por volta de 1934, podemos ver a parte do abrigo que ficava voltada para a Rua José Montaury. Esse prédio foi demolido dando lugar ao Edifício Delapieve, ao lado da antiga Loja Guaspari, defronte ao atual Largo Glênio Peres.

Localizava-se na Praça XV de Novembro no centro da cidade e possuía três andares, além do térreo e por muitos anos foi o prédio mais alto da capital gaúcha.

A demolição do Malakoff possibilitou a construção do Edifício Delapieve.

É apresentada uma sequência de fotos e ilustração do Edifício Malakoff e do seu entorno, podendo-se verificar a evolução da área e por fim observar a presença da Avenida Borges de Medeiros.


À direita da foto a Avenida Borges de Medeiros, ao centro a Loja Guaspari e, à esquerda, o Edifício Malakoff em 1942. Em 1860, ele era o mais alto de Porto Alegre.


Acima, neste belo flagrante do talentoso Lunara, observamos um exercício do corpo de bombeiros no Malakoff. Em algumas publicações, esta fotografia foi apresentada erradamente como tendo sido um flagrante de incêndio no Malakoff. Segundo se sabe, nunca houve um incêndio de grandes proporções neste edifício. Note a calma das pessoas no último andar do edifício.


Acima, Edifício Malakoff, década de 1920 com todo o casario ao redor ainda todo de pé. Muitas casas, à direita do Malakoff, seriam demolidas para dar lugar à futura Avenida Borges de Medeiros.


Visão da Rua Sete de Setembro e da Praça XV em 1904. Foto: reprodução do livro “Lembranças do Brasil: As Capitais Brasileiras nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças”, de Carlos Cornejo e João Emílio Gerodetti. 


Dois edifícios de estilos arquitetônicos completamente diferentes, o Malakoff e o atual Edifício Guaspari, em Art Déco*, prédio tombado pelo Patrimônio Histórico de Porto Alegre, que abriga, hoje, a Loja Lebes.

*Art déco é um movimento artístico internacional que começou na Europa em 1910, conheceu o seu apogeu nos anos 1920 e 1930 e declinou entre 1935 e 1939. O Art déco afetou as artes decorativas, a arquitetura, o design de interiores e desenho industrial, assim como as artes visuais, a moda, a pintura, as artes gráficas e o cinema.

Edíficio Guaspari, de 1936, projetado pelo arquiteto Fernando Corona para a sede das Lojas Guaspari – tradicional loja de alfaiataria, marco na indústria têxtil de Porto Alegre, ícone da Moda e da Alta costura em seu tempo de vigência, que durou até 1988. O edifício está listado no Inventário do Patrimônio Cultural desde 2008.


Na foto acima, a atual Loja Lebes, ex-Guaspari, e, atrás, um novo prédio onde, antigamente, estava o Malakoff. 




segunda-feira, 29 de maio de 2017

Decálogo do bom aluno



Aluno engana a si próprio ao se distrair das explicações do professor

01. Prepare seus materiais para a aula, com antecedência. A organização prévia é uma forma de não esquecer os materiais, trabalhos e tarefas de casa.

02. Seja um aluno participativo nas aulas. Dessa forma você reflete sobre os conteúdos vistos, criando consciência crítica e desenvolvendo sua forma de se comunicar.

03. Não converse durante as aulas. O aluno que conversa se distrai, perdendo as explicações dos professores, além de mostrar falta de motivação diante dos estudos. Esse tipo de aluno não é bem visto pelos professores e colegas de turma que são mais interessados.

04. Estude todos os dias, revise as matérias das aulas assistidas, reserve pelo menos quinze minutos por matéria. Dessa forma você fixa melhor os conteúdos vistos no dia.

05. Faça todas as tarefas de casa, bem como exercícios complementares. A mente funciona melhor quando é estimulada. A ociosidade torna o cérebro lento e preguiçoso.

06. Entregue os trabalhos nos dias marcados pelos professores. Agende suas obrigações e cumpra com elas, mostrando responsabilidade e compromisso.

07. Seja líder, dê ideias que visem maior comprometimento e envolvimento dos alunos. Dessa forma você estará mantendo um bom contato social com os professores.

08. Compartilhe seus conhecimentos com colegas que apresentam alguma dificuldade. Quando você explica um conteúdo para alguém está fazendo uma revisão do mesmo e reforçando o seu aprendizado.

09. Não leve dúvidas para casa. Se você não conseguiu entender um conteúdo dado em sala de aula, ficará muito mais difícil conseguir entendê-lo sozinho, em casa; diga claramente ao professor que não entendeu a matéria.

10. Após as provas, esclareça as dúvidas das questões que não conseguiu resolver. Dessa forma você eliminará os exercícios nos quais não obteve sucesso.

Por Jussara Barros

domingo, 28 de maio de 2017

Quem é o lateral?



Um ex-técnico de futebol recebe um telefone de um jovem repórter:

R: Repórter e T: Técnico

R: – Alô, gostaríamos de saber do senhor o nome dos jogadores, suas posições no campo e como se escala um time de futebol?

T: – Vamos analisar a lista dos onze jogadores e suas respectivas posições: Quem é o lateral, Qual é o centroavante e Não Sei é o armador. Naturalmente é o atacante e Porque é o artilheiro.

R:– Quem é o lateral?

T: – Quem é o lateral.

R: Não é isso que eu estou perguntando, eu quero saber quem é o lateral?

T: – Quem é o lateral.

R: – O senhor não está entendendo, qual é o lateral?

T: – O lateral é Quem, o nome dele é Quem, Qual é o centroavante.

R: – E qual é o atacante?

T: – Naturalmente.

R: – E quem é o centroavante?

T: – Qual é o centroavante, Naturalmente é o atacante.

R: – Naturalmente?

T: – Sim, Naturalmente é o atacante e Quem é o lateral.

R: – E qual é o centroavante e quem é o lateral?

T: – O centroavante é Qual, Quem é o lateral.

R: – Não sei se o senhor está entendendo...

T: – Não Sei é o armador.

R: – Qual é o atacante?

T: – Não, Qual é o centroavante, Naturalmente é o atacante.

R: – O seu time tem um atacante?

T: – Naturalmente.

R: – Naturalmente Por quê?

T: – Porque é o artilheiro.

R: – E qual é o lateral?

T: – O lateral é Quem e Qual é o centroavante!

R: – Por que ele é o centroavante?

T: – Porque é o artilheiro!

R: – Quem vai ficar com a bola?

T: ‒ Não sei.

R: ‒ Por quê?

T: ‒ Porque é o artilheiro.

R: – Já vi que o senhor não entende bulhufas!

T: – Bulhufas é o goleiro!

R: ‒ Pelo menos uma coisa eu entendi.

T: ‒ O quê?

R: ‒ Quem é o lateral.

*****

P.S.1: Texto levemente adaptado do diálogo de José Vasconcellos com ele mesmo no programa do Jô Soares. Este diálogo está na Internet.

P.S.2: Por sua vez, José Vasconcellos se inspirou no diálogo “Who′s On First”, com Abbot & Lou Costello, só que no diálogo dos dois cômicos americanos, o esporte era Baseball, cujo vídeo também está na internet.


José Thomaz da Cunha Vasconcellos Neto (Rio Branco, 20 de março de 1926São Paulo, 11 de outubro de 2011) foi um humorista, ator, diretor, produtor, radialista e compositor brasileiro, considerado pelos seus colegas de profissão como o pioneiro brasileiro no gênero humorístico atualmente chamado de “stand up comedy”.


Imaginem



Imaginem todos vocês
Se o mundo inteiro vivesse em paz.
A natureza, talvez,
Não fosse destruída jamais.
Russo, cowboy e chinês
Num só país sem fronteiras.
Armas de fogo, seria tão bom,
Se fossem feitas de isopor.
E aqueles mísseis de mil megatons
Fossem bombons de licor.

Flores colorindo a terra
Toda verdejante, sem guerra.
Nenhum seria tão rico,
Nem outro tão pobrinho:
Todos num caminho só.
Os rios e mares limpinhos,
Com peixes, baleias, golfinhos.
Faríamos as usinas e bombas nucleares
Virarem pão-de-ló.

Imaginem todos vocês
Um mundo bom que um beatle sonhou.
Peçam a quem fala Inglês
Versão da canção que John Lennon cantou.
Russo, cowboy e chinês
Num só país sem fronteiras.
Armas de fogo, seria tão bom,
Se fossem feitas de isopor.
E aqueles mísseis de mil megatons
Fossem bombons de licor.

Composição de Toquinho

“Canção de todas as crianças”


Carta de despedida de D. Pedro I para seu filho D. Pedro II



“Meu querido filho, e meu imperador. Muito lhe agradeço a carta que me escreveu, eu mal a pude ler porque as lágrimas eram tantas que me impediam a ver; agora que me acho, apesar de tudo, um pouco mais descansado, faço esta para lhe agradecer a sua, e para certificar-lhe que enquanto vida tiver as saudades jamais se extinguirão em meu dilacerado coração.

Deixar filhos, pátria e amigos, não pode haver maior sacrifício; mas levar a honra ilibada, não pode haver maior glória. Lembre-se sempre de seu pai, ame a sua e a minha pátria, siga os conselhos que lhe derem aqueles que cuidarem na sua educação, e conte que o mundo o há de admirar, e que me hei de encher de ufania por ter um filho digno da pátria. Eu me retiro para a Europa: assim é necessário para que o Brasil sossegue, o que Deus permita, e possa para o futuro chegar àquele grau de prosperidade de que é capaz. Adeus, meu amado filho, receba a bênção de seu pai que se retira saudoso e sem mais esperanças de o ver.”

D. Pedro de Alcântara
Bordo da Nau Warspite
12 de abril de 1831

Nota: Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I proclamou a Independência, tornando-se o primeiro imperador do Brasil. O reconhecimento internacional da Independência, em decorrência dos tratados firmados com Portugal (1825) e Inglaterra (1826), assim como a perda da Província Cisplatina, que se tornou o estado independente do Uruguai, afetaram as finanças do Império e contribuíram para o desgaste político do imperador. Paralelamente, com a morte de D. João VI (1826), cresciam os embates em torno da sucessão ao trono português, entre D. Pedro, herdeiro legítimo, e seu irmão D. Miguel.

D. Pedro I abdicou em favor de sua filha, Maria da Glória, afastando assim os temores de uma nova união entre Brasil e Portugal. Esses acontecimentos contribuíram para que D. Pedro I abdicasse ao trono brasileiro, no dia 7 de abril de 1831, partindo para Portugal. Aqui ficou seu filho Pedro de apenas cinco anos de idade como futuro imperador.


D. Pedro II aos 22 anos

Felicidade realista



A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.

Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num SPA cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor… não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão.

Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma bênção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se.

Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.

Martha Medeiros - 1961


sábado, 27 de maio de 2017

O homem no desemprego



O homem no desemprego*
é um homem amordaçado.
Esconde grito contido.
Por isso parece calado.

O homem no desemprego
rumina áspero ódio.
O tempo boceja inútil
sem agendas ou relógios.

O homem no desemprego
não tem passagens ou malas.
Move-se num vai e vem
qual uma fera na jaula.

O homem no desemprego
parece perdido no espaço.
Manearam suas pernas.
Imobilizaram seus braços.

O homem no desemprego
é um homem no exílio.
Não tem idioma nem pátria.
É um trem fora dos trilhos.

O homem no desemprego
é um náufrago na tábua.
É um peixe asfixiado
num turvo aquário de mágoas.

O homem no desemprego
congelaram sua imagem.
O tempo rola seu filme,
mas ele ficou à margem.

Ao homem no desemprego
o alambique destila
a salvação pelos copos
e o triste roteiro das filas.

(Luiz Coronel – Correio do Povo – maio de 2017)

*Desemprego ou desempregado é tudo a mesma coisa...


sexta-feira, 26 de maio de 2017

O Lance Decisivo


Robert Strand


O abastado barão inglês Fitzgerald tinha apenas um filho, que, evidentemente, era seu maior tesouro, o centro de suas afeições, o foco da atenção de sua pequena família.

O filho cresceu, mas, quando ele estava entrando na adolescência, sua mãe morreu, deixando pai e filho sozinhos. Fitzgerald sofreu muito a perda da esposa, mas dedicou sua vida para cuidar do filho. Com o passar do tempo, o filho contraiu uma doença grave e morreu antes de completar 20 anos. Nesse meio-tempo, a fortuna de Fitzgerald aumentou sensivelmente. Ele havia usado grande parte de sua fortuna na compra de obras de arte dos grandes “mestres” da pintura.

Após alguns anos, Fitzgerald adoeceu e morreu. Um pouco antes de sua morte, ele preparou cuidadosamente um testamento, incluindo instruções explícitas sobre a distribuição de sue bens. Toda a sua coleção de quadros deveria ser vendida em leilão. Em razão da quantidade e qualidade daquelas obras de arte, avaliadas em milhões de libras esterlinas, o leilão atraiu uma multidão de possíveis compradores, todos demonstrando grande interesse. Entre eles, havia vários curadores de museus e colecionadores particulares, ávidos por dar seus lances.

Os quadros foram expostos para visitação antes do inicio do leilão. No meio deles, houve um que recebeu pouca atenção. Além de ser de qualidade inferior, foi pintado por um artista da cidade, desconhecido pelo público. Era o retrato do único filho de Fitzgerald.

Quando chegou o início do leilão, o leiloeiro pediu a atenção dos presentes. Antes que os lances fossem feitos, o advogado leu o testamento de Fitzgerald, onde havia instruções que diziam que o primeiro quadro a ser leiloado deveria ser o de “meu amado filho”.

Por ser de qualidade inferior, o quadro não recebeu nenhum lance... ou melhor, recebeu apenas um! O único a dar o lance foi um velho criado da casa que conheceu o filho e o amava muito. O lance foi dado por motivos sentimentais. Ele comprou o quadro por menos de uma libra esterlina.

O leiloeiro interrompeu o leilão e pediu ao advogado que continuasse a leitura do testamento. Diante do fato inusitado, o público silenciou. O advogado leu estas palavras diretamente do testamento de Fitzgerald: “Quem comprar o quadro de meu filho ficará com a minha coleção inteira. O leilão está encerrado!”

(Do livro “Histórias para o coração 2”, de Alice Gray, organizadora)



O jogo da Baleia Azul



Walcyr Carrasco*

O que dá sentido à vida é acreditar em algo,
ter desejo de conquistar, viver um amor.
Ofereça a seu filho um sonho.

Entrou no prédio, que já conhecia. No elevador, apertou o botão do último andar. Lá, abriu uma porta de serviço, subiu uma escadinha. Chegou ao heliporto. Aproximou-se do beiral. Contemplou a cidade mais uma vez. Olhou para o céu. Respirou fundo. Ergueu os braços marcados por cicatrizes, num gesto de libertação. E se atirou. No corpo destroçado, o símbolo do jogo da Baleia Azul. Tinha apenas 24 anos.

A história, real, foi narrada por uma professora. Em sua classe, a prima do rapaz já ostenta as primeiras cicatrizes nos braços. Acredita-se que o jogo da Baleia Azul tenha sido iniciado na Rússia e de lá se espalhado pelo mundo. No Brasil, é motivo de conversa em rodas de adolescentes. Propõe uma série de tarefas. A final é o suicídio. Como funciona? Convidado pela internet ou por uma rede social, o participante recebe as tarefas de um mentor não identificado. Começa por escrever uma sigla com cortes, na palma da mão, e enviar a foto ao curador. Em seguida, assistir continuamente a filmes de terror, na madrugada. Filmes indicados pelo curador, que fará perguntas sobre as cenas. O estado psicológico já alterado permite a terceira tarefa: cortar o braço com uma lâmina. Três cortes grandes, sobre as veias. Enviar foto. Simbólica, na quarta tarefa o participante desenha, também à lâmina, uma baleia azul no braço. A partir daí as tarefas se sucedem, sempre estimulando a obediência irracional. Em uma delas, o curador pergunta qual é o maior medo da pessoa. Em seguida, dá instruções para enfrentá-lo. Em outra, exige que o participante suba em um telhado de madrugada, o mais alto possível. Cortes nos lábios e automutilações variadas entram na sequência. O encontro com outro jogador do Baleia Azul é organizado pelo curador. Há tarefas secretas, enviadas de acordo com o desempenho do participante. Em certo momento, define-­se o dia da morte.

Há casos no país com indícios muito fortes de ligação com o jogo. Uma garota atirou-se numa represa, em Mato Grosso. Segundo informações que circulam pela internet, 130 jovens morreram na Rússia por causa do jogo. Suicídio é o assunto do momento, não é? Pelo menos desde o sucesso da série 13 reasons why (13 razões por quê), em que uma garota narra os motivos que a levaram a causar a própria morte. Publiquei um comentário no Instagram sobre o Baleia Azul. Duas professoras responderam mencionando casos que conheciam diretamente. Outros comentários demonstravam que as pessoas já sabem do que se trata. A surpresa de muitos é: como os pais não percebem? Imagine que seu filho está se mutilando. Muda o comportamento. Você não vê?

Em muitos casos, realmente não. Pais e mães que trabalham fora muitas vezes têm um contato rápido com os filhos no dia a dia. Estão acostumados com adolescentes que querem ter sua própria vida. Liberdade. Não desconfiam das mangas compridas. Dos filmes estranhos. Nem sabem o que se passa na cabeça deles. Mas é ainda pior. E se pais, professores souberem e tentarem convencer o participante a desistir? É possível? Não é tão simples.

Uma vez que o participante entra no jogo, sua vida é devassada por hackers. Não se engane! São hackers muito bons. Conversei com um ator jovem que pensou em participar, mas não foi adiante.

– Eles ameaçam destruir a família por meio da internet. Sabem tudo sobre o pai, a mãe. Quando alguém entra, tem de ir até o fim.

Imagino que possa ser pior. Será loucura pensar que um participante possa receber a missão de matar outro, dando aparência de suicídio?

É tétrico, tenebroso. A pobre baleia azul tornou-se o símbolo do jogo porque encalha – como a própria baleia faz isso, dá uma aparência de suicídio. Imagino que participar do jogo gera uma relação de pertencimento, essencial para o adolescente. As 50 atividades não só provocam mutilação, mas uma obediência cega. Dão status à ideia de morte, numa fase da vida em que pouco está delineado, angústias são muitas e suicídio pode parecer uma solução. Mas também é sintomático de uma sociedade em crise de valores. De ideais e sonhos. O que dá sentido à vida é acreditar em algo, ter desejo de conquistar, viver um amor. Romeu e Julieta se matam justamente quando o sonho de viver juntos parece ter sido destruído. Se o amor não pode existir, melhor morrer. Você quer evitar que seu filho jogue Baleia Azul? Ofereça a ele um sonho. Um motivo para viver.

É um problema urgente. Neste exato momento, um jovem pode estar entrando num prédio e apertando o botão do elevador para o último andar...

(Revista Época, maio de 2017)



*Walcyr Rodrigues Carrasco (Bernardino de Campos, 1° de dezembro de 1951) é um escritor, dramaturgo e autor de telenovelas brasileiras.

P.S. Essa crônica de Walcyr Carrasco alerta para um grave problema de saúde pública que está afetando muitos jovens em todo mundo e, principalmente, em nosso país. Os pais e educadores devem ficar atentos... todo cuidado é pouco...


quinta-feira, 25 de maio de 2017

Contrabando em Aceguá


Luiz Coronel

(Seu posto era ali, na fronteira com a Banda Oriental Del Uruguay)

Até parece que seu Goya tinha posto goma arábica nas almofadas. Não saía do cargo nem puxado por cinco juntas de bois.

A impressão que se tinha era de que, se o homem nascesse de novo, já nos cueiros seria fiscal aduaneiro.

Viesse chuva ou sol aberto, seu posto era ali, na fronteira com a Banda Oriental del Uruguay.

Com seus óculos tão espessos que pareciam fundo de garrafa, lá estava ele, com sua autoridade que, sem ser insolente, impunha respeito.

Mas acontece que, na dança dos câmbios, o contrabando andava “livre, leve e solto”.

Numa noite em que a lua fora visitar seus parentes em outras cercanias e não havia, nos céus, uma única estrela para alumiar os passos de São Genaro, protetor dos contrabandistas, vinha pela carreteira de Melo uma caminhonete Chevrolet da mais alta suspeição.

Ao se aproximar da linha divisória, seu Goya fez valsear sua lanterninha, que mais parecia um bando de vaga-lumes em saracoteios.

Três uruguaios levavam, no banco traseiro, uma ovelha de contrabando.

Ao sentirem o perigo, Tertuliano, Paquito e Caballero, mais do que depressa, cobriram a ovelha com o poncho lanudo e enfiaram os óculos no ovino passageiro.

Seu Goya alumiou o interior da condução.

 - Lo que se pasa, paisanos?

- Nosotros estamos llevando nuestra tia Mercedes para el hospital de Bagé. Es cosa urgente, señor.

- Pasen, muchachos, pasen – disse o velho fiscal.

Ao voltar para a cabine onde Esteban se espreguiçava ante uma Norteña vazia, comentou Seu Goya:

- A la pucha, que cara de oveja tiene esta tal Doña Mercedita!

******

Do livro “O Cavalo Verde”, de Luiz Coronel
Mecenas Editora e Projetos Culturais




O Corrupto



Pithecanthropus Corruptus

(Max Nunes)

 Ator

− Corrupto, eu?
Mas que maldade!
Logo eu,
Um paradigma da honestidade!
Só porque tenho casa no Guarujá,
Um sitiozinho em Mauá
E fazenda no Paraná,
Vão me chamar de ladrão?
Não aceito, não,
Eu dou um duro danado,
O meu dinheiro é suado
E jamais meti a mão.
Não sou ladrão
E, se agora vivo em paz,
Gozando uma vida mansa,
É que eu faço o que se faz:
Boto tudo na poupança.

- Corrupto! Corrupto!

 Ator

− Corrupto, eu?
Mas que bobagem!
Eu sou contra a ladroagem.
Só porque tenho nos bancos
Dólares, libras e francos
Vão me chamar de ladrão?
Não aceito, não!
O meu caráter não falha,
Não tenho rabo de palha.
O meu dinheiro eu herdei
E está encerrado o assunto:
Se rico assim eu fiquei,
Eu agradeço ao defunto.

- Corrupto! Corrupto!

 Ator

− Corrupto, eu?
Que pecado!
Logo eu,
Tão considerado!
Só por ter bens no estrangeiro,
Viajar o ano inteiro,
Vão me chamar de ladrão?
Não aceito, não!
Quem diz que ganhei
Roubando
Não sabe o que está falando.
A vida assim nos ensina.
Como eu sempre fui sortudo,
Ganhei mil vezes na quina,
Vão me chamar de ladrão?
Ah, não!!!
Eu disse anão?
Não!
Eu sou gigante
Da corrupção!


terça-feira, 23 de maio de 2017

Procissão



Imagem de Procissão em 1912 na Rua Maciel Pinheiro, em Campina Grande – Fonte – Acervo do Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande.

Procissão

Gilberto Gil

Meu divino São José,
Aqui estou a vossos pés.
Dá-nos chuva com abundância,
Meu Jesus de Nazaré;

Olha lá vai passando a procissão
Se arrastando que nem cobra pelo chão.
As pessoas que nela vão passando
Acreditam nas coisas lá do céu.
As mulheres, cantando, tiram versos,
Os homens, escutando, tiram o chapéu.
Eles vivem penando aqui na Terra
Esperando o que Jesus prometeu.
E Jesus prometeu coisa melhor,
Pra quem vive neste mundo sem amor,
Só depois de entregar o corpo ao chão,
Só depois de morrer neste sertão.
Eu também estou do lado de Jesus,
Só que acho que ele se esqueceu
De dizer que na Terra a gente tem
De arranjar um jeitinho pra viver.
Muita gente se arvora a ser Deus,
E promete tanta coisa pro sertão:
Que vai dar um vestido pra Maria,
E promete um roçado pro João.
Entra ano, sai ano, e nada vem,
Meu sertão continua ao Deus dará,
Mas se existe Jesus no firmamento,
Cá na Terra isso tem que se acabar.

O administrador de empresas, político, cantor, compositor e poeta baiano Gilberto Passos Gil Moreira, proporciona na letra de “Procissão” uma interpretação marxista da religião, vista como ópio do povo e fator de alienação da realidade, segundo o materialismo dialético. A letra mostra a situação de abandono do homem do campo do Nordeste, a área mais carente do país. A música foi gravada por Gilberto Gil, em compacto simples, no LP Louvação, em 1967, pela gravadora Unima Music.


(Comentário final do Blog: Tribunal da Internet)



Justiça de Cima



Quatro operários solteiros quase todos da mesma idade compareceram ao tribunal de Justiça de Cima, depois de haverem perdido o corpo físico, num acidente espetacular.

Na Terra, foram analisados por idêntico padrão.

Excelentes rapazes, aniquilados pela morte, com as mesmas homenagens sociais e domésticas.

Na vida espiritual, contudo, mostravam-se diferentes entre si, reclamando variados estudos e diversa apreciação.

Ostentando, cada qual, um halo de irradiações específicas, foi conduzido ao juiz que lhes examinara o processo, durante alguns dias, atenciosamente.

O magistrado convidou um a um a lhe escutarem as determinações, em nome do Direito Universal, perante numerosa assembleia de interessados nas sentenças.

Ao primeiro deles, cercados de pontos escuros, como se estivesse envolvido numa atmosfera pardacenta, o compassivo julgador disse, bondoso:

‒ De tuas notas, transparecem os pesados compromissos que assumiste, utilizando os teus recursos de trabalho para fins inconfessáveis. Há viúvas e órfãos, chorando no mundo, guardando amargas recordações de tua influência.

E porque o interpelado inquirisse quanto ao futuro que o aguardava, o árbitro amigo observou, sem afetação:

‒ Volta à paisagem onde viveste e recomeça a luta de redenção, reajustando o equilíbrio daqueles que prejudicaste. És naturalmente obrigado a restituir-lhes a paz e a segurança.

Aproximou-se o segundo, que se movimentava sob irradiações cinzentas, e ouviu as seguintes considerações:

‒ Revelam os apontamentos a teu respeito que lesaste a fábrica em que trabalhavas. Detiveste vencimento e vantagens que não correspondem ao esforço que despendeste.

E, percebendo-lhe as interrogações mentais, acrescentou:

‒ Torna ao teu antigo núcleo de serviço e auxilia os teus companheiros e as máquinas que exploraste em mau sentido. É indispensável resgates os débitos de alguns milhares de horas, junto deles, em atividade assistencial.

Ao terceiro que se aproximou, a destoar dos precedentes pelo aspecto em que se apresentava, disse o juiz, generoso:

‒ As informações de tua romagem no Planeta Terrestre explicam que demonstraste louvável correção no proceder. Não te valeste das tuas possibilidades de serviço para prejudicar os semelhantes, não traíste as próprias obrigações e somente recebeu do mundo aquilo que te era realmente devido. A tua consciência está quite com a Lei. Podes escolher o teu novo tipo de experiência, mas ainda na Terra, onde precisas continuar no curso da própria sublimação.

Em seguida, surgiu o último. Vinha nimbado de belo esplendor. Raios de safira claridade envolviam-no todo, parecendo emitir felicidade e luz em todas as direções.

O juiz inclinou-se, diante dele, e informou:

‒ Meu amigo, a colheita de tua sementeira confere-te a elevação. Serviços mais nobres esperam-te mais alto.

O trabalhador humilde, como que desejoso de ocultar a luz que o coroava, afastou-se em lágrimas de júbilo e gratidão, nos braços de velhos amigos que o cercavam, contentes, e, em razão das perguntas a explodirem nos colegas despeitados, que asseveravam nele conhecer um simples homem de trabalho, o julgador esclareceu persuasivo e bondoso:

‒ O irmão promovido é um herói anônimo da renúncia. Nunca impôs qualquer prejuízo a alguém, sempre respeitou a oficina em que se honrava com a sua colaboração e não se limitou a ser correto para com os deveres, através dos quais conquistava o que lhe era necessário à vida. Sacrificava-se pelo bem de todos. Soube ser delicado nas situações mais difíceis. Suportava o fígado enfermo dos colegas, com bondade e entendimento. Inspirava confiança. Distribuía estímulo e entusiasmo. Sorria e auxiliava sempre. Centenas de corações seguiram-no, além da morte, oferecendo-lhe preces, alegrias e bênçãos. A Lei Divina jamais se equivoca.

E porque o julgamento fora satisfatoriamente liquidado, o tribunal da Justiça de Cima, encerrou a sessão...

(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier)



Chico Xavier por Baptistão



segunda-feira, 22 de maio de 2017

Um inimigo do povo

Henrik Ibsen


Ao trazer um idealista em luta contra a corrupção, esse aclamado clássico de Henrik Ibsen (1828-1906) permite entrever o que há por trás dos desmantelos no mundo político.

Em seu combate à “hipocrisia institucionalizada e suas consequentes crueldades”, Ibsen expõe as motivações do descaso com as normas sociais corruptas.

A ação que se desenrola numa pequena cidade, cuja maior fonte de renda é o turismo de seu balneário, tem como personagens principais, um médico idealista, Dr. Stockmann, seu irmão, Peter, que é o prefeito da cidade, o editor e o impressor do jornal “A Voz do Povo”.

Em visita ao irmão médico, o prefeito, orgulhoso por ser um “funcionário superior do Estado”, exulta o espírito de tolerância, que é o autêntico espírito de cidadania.

Enquanto aguarda comprovação da existência de substâncias nocivas nas águas da cidade, o médico diz que talvez as coisas não estejam tão normais.

O prefeito exige que tudo se resolva segundo os regulamentos e passe pela autoridade legalmente constituída, pois a tentação de fazer as coisas por sua própria conta numa sociedade bem organizada é inadmissível: “As iniciativas particulares devem se submeter, custe o que custar, ao interesse geral, ou melhor, às autoridades encarregadas de zelar pelo bem geral”. E se vai.

Mais tarde, ao encontrar com o capitão do navio na casa do médico, o editor do jornal pergunta se o capitão se interessa pelos assuntos públicos, ele diz que, para falar a verdade, não entende dessas coisas. O editor chama a atenção para o fato de que, mesmo assim, deve-se votar. E o capitão lhe pergunta: “Mesmo os que não entendem nada?”.

O editor fica espantado: “A sociedade é como um navio. Todos devem estar atentos a sua rota”.

Após ler a carta das autoridades sanitárias, o médico confirma suas suspeitas: “O Balneário todo nada mais é do que um sepulcro envenenado. Perigosíssimo para a saúde pública! E esse maldito lixo envenena as águas e vai até a praia...”.

É grave! Há presença de substâncias orgânicas, está cheia de detritos de animais em decomposição.

Sua mulher chama a atenção para gravidade da descoberta, e ele a tranquiliza dizendo que, cônscio do rebuliço, não é louco de divulgar sem ter certeza, pois será preciso mudar toda a canalização.

O médico também ouve do sogro que é preciso ter o apoio da imprensa para que essas coisas deem certo.

Novamente com o editor do jornal, este o alerta que como médico e cientista, ele só está vendo a questão das águas sob o ponto de vista médico e científico, mas que haverá outras implicações.

O jornalista profere que a verdadeira contaminação que está apodrecendo a cidade vem é de outro lugar: “São esses ricos, que ostentam nomes tradicionais, os mesmos que nos governam”. E salienta que: “Todos os negócios da cidade passaram, pouco a pouco, para as mãos de um bando de políticos.”.

O médico acredita que ainda se pode remediar o mal e que, fácil ou não, isso tem que ser feito, sobretudo se a imprensa se ocupar do caso, e o editor o apoia: “Quando tomei a direção da Voz do Povo foi com a ideia de acabar com esses velhos aproveitadores que dominam o poder!”.

Mas o doutor lembra que isso quase o faliu, e ele concordou: “Tivemos que nos calar (…). Mas um jornalista com tendências democráticas, como eu, não pode deixar escapar esta grande oportunidade. É preciso acabar com a velha lenda da infalibilidade dos homens que nos dirigem”.

O editor reitera que um jornalista não pode deixar de trabalhar pela emancipação da massa dos humildes, dos oprimidos e, aparentando convicção, expõe: “Sou de origem humilde. Isso me permitiu compreender claramente que as camadas populares, as chamadas classes inferiores, devem participar do governo, dirigindo, elas também, os negócios públicos. Nada melhor que isso para desenvolver o sentimento de cidadania e da própria dignidade...”.

O impressor também oferece apoio: “Unidos, formamos uma maioria compacta. Os que estão no poder não veem com bons olhos os projetos que beneficiam outras categorias sociais, os gastos que só beneficiarão as pessoas sem trazer lucro imediato a eles. Eis porque, a meu ver, deveríamos fazer uma manifestação”.

Sugere uma coisa moderada: “(…) num tom suave para não ofender as autoridades. Nessas condições, não nos poderão censurar, não é verdade?”.

Cauteloso, reitera: “Nada de ataques à autoridade. Nada de oposição àqueles de quem dependemos. Mas não há nada de ofensivo no fato de um cidadão exprimir livremente algumas ideias sensatas”.

Chama a atenção para o fato de que as autoridades se movem com uma certa lentidão e insiste em que o médico aja com prudência porque do contrário não conseguirá nada e prossegue animado: “Não lhe parece que é tempo de sacudir todo este torpor, esta covardia em que está mergulhada a cidade?”.

Atenta ainda, que a classe média é um muro sólido, é a maioria: “Sempre nadando entre duas águas, pequenos burgueses medíocres enleados numa rede de compromissos que os impede de dar um único passo decisivo”.

Depois que ele se vai, o médico conversa com a mulher: “Tenho por trás de mim a maioria dos concidadãos, a opinião pública!”.

Chama então seu irmão, o prefeito e o coloca a par do relatório sobre a contaminação. Mas este o repreende: “Você já imaginou o que poderiam custar essas mudanças? (…). Desse modo você terá arruinado a sua cidade.”

Diz que o relatório não o convenceu: “Isso não quer dizer que a direção se recuse a examinar as suas ponderações no seu devido tempo, desde que isto não importe em gastos acima de suas forças”.

Inconformado, o doutor diz que ele sabe que é essa a verdade, mas não quer aceitar. Mas o prefeito não recua, salienta que o médico tem gênio inquieto, rebelde, até subversivo: “É o interesse público que está em jogo”.

Mas o idealista está convicto: “Não é dever de todo bom cidadão, logo que lhe vem as ideias novas, comunicá-las ao povo?”, ao que o prefeito retruca: “Ora! O povo não precisa de ideias novas. O povo precisa é das boas e velhas ideias!”, diz que o irmão não calcula o mal que causa, sempre se queixando das autoridades, do governo, prevenindo-o de que será inflexível.

Ao ser informado que a imprensa já sabe do relatório, sugere que o médico faça um desmentido, pois esse tipo de coisa só interessa às autoridades.

Mas o Dr. Stockmann insiste em dizer que não vê vontade política em solucionar e o prefeito não se contém: “Eu sou seu chefe e lhe proíbo.”, avisando-o que está entrando num jogo perigoso.

O médico afirma que denunciará todos os erros que os políticos cometem no comércio de imundices e veneno em que vivem, mas o prefeito insiste que o homem que emite tão odiosas insinuações contra a sua própria cidade não pode ser senão um inimigo da comunidade.

Quando o prefeito se vai, o doutor confessa à mulher que devia ter reagido aos desmandos dessa gente há muito tempo, mas Catarina o lembra de que, sendo prefeito, seu irmão tem poder na cidade, contra isso não há o que fazer. “Sim, mas eu tenho a verdade ao meu lado”, e ela pondera: “Oh! A verdade... De que serve ela se você não tem o poder?”.

Incrédulo, pergunta à esposa se num estado livre não adianta nada ter a verdade ao seu lado; está decidido a combater pela justiça e pela verdade, mesmo que o prefeito o tenha declarado “inimigo do povo”.

Falar é fácil, diz a sua mulher, e a família para sustentar? Ele então pergunta se ela acha que se ele fosse bastante covarde para cair de joelhos aos pés dos governantes e de sua corja, poderia ter um momento de felicidade na vida.

Catarina o lembra das privações que já passaram e de que há as crianças. Ele protesta: “Eis a situação a que esses burocratas podem reduzir um homem de bem.”.

A esposa diz que há muita injustiça no mundo, mas que é preciso ceder. “Não, ainda que o mundo desabasse, eu não me curvaria a esses canalhas”.

O manifestante sentencia que quer ter o direito de olhar seus filhos de frente e de cabeça erguida quando eles forem homens.

(Do Blog Carta Forense)

P.S. O filme "O Tubarão", o primeiro desse gênero de Steven Spielberg, foi baseado nesse livro de Hentik Ibsen.


domingo, 21 de maio de 2017

Em código


Fernando Sabino


Fui chamado ao telefone. Era o chefe de escritório de meu irmão:

‒ Recebi de Belo Horizonte um recado dele para o senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários itens, convém tomar nota: o senhor tem um lápis aí?

‒ Tenho. Pode começar.

‒ Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora.

‒ Precisa de quê?

‒ De uma nora.

‒ Que história é essa?

‒ Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio esquisito. Posso continuar?

‒ Continue.

‒ Segundo: pobre vive de teimoso. Terceiro: não chora, morena, que eu volto.

‒ Isso é alguma brincadeira.

‒ Não é não, estou repetindo o que ele escreveu. Tem mais. Quarto: sou amarelo, mas não opilado. Tomou nota?

‒ Mas não opilado ‒ repeti, tomando nota. ‒ Que diabo ele pretende com isso?

‒ Não sei não, senhor. Mandou transmitir o recado, estou transmitindo. 

‒ Mas você há de concordar comigo que é um recado meio esquisito.

‒ Foi o que eu preveni ao senhor. E tem mais. Quinto: não sou colgate, mas ando na boca de muita gente. Sexto: poeira é minha penicilina. Sétimo: carona, só de saia. Oitavo...

‒ Chega! ‒ protestei, estupefato. ‒ Não vou ficar aqui tomando nota disso, feito idiota.

‒ Deve ser carta em código ou coisa parecida ‒ e ele vacilou: ‒ Estou dizendo ao senhor que também não entendi, mas enfim... Posso continuar?

‒ Continua. Falta muito?

‒ Não, está acabando: são doze. Oitavo: vou, mas volto. Nono: chega à janela, morena. Décimo: quem fala de mim tem mágoa. Décimo primeiro: não sou pipoca, mas também dou meus pulinhos.

‒ Não tem dúvida, ficou maluco.

‒ Maluco não digo, mas como o senhor mesmo disse, a gente até fica com ar meio idiota... Está acabando, só falta um. Décimo segundo: Deus, eu e o Rocha:

‒ Que Rocha?

‒ Não sei: é capaz de ser a assinatura.

‒ Meu irmão não se chama Rocha, essa é boa!

‒ É, mas foi ele que mandou, isso foi.

Desliguei, atônito, fui até refrescar o rosto com água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei: haviam-me encomendado uma crônica sobre essas frases que os motoristas costumam pintar, como lema, à frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro e viaja sempre pelo interior fiscalizando obras, prometera ajudar-me, recolhendo em suas andanças farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou, acabei me esquecendo completamente o trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera.

Agora, o material ali estava, era só fazer a crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado: Rocha era o motorista. Deus era Deus mesmo, e eu, o caminhão.

(Do livro “Para gostar de ler”, Vol. 4. Editora Ática)