(Memórias de Álvaro Moreyra)
1888-1964
→ Murmuro esse nome como se
começasse a rezar, como se estivesse beijando – Mãe... – Nome tão pequeno,
maior que toda a vida...
→ A primeira mulher a quem chamei: − Minha...
→ Esqueci o berço. Não esqueci o colo.
→ Deus te castiga! – é uma ameaça
que se escuta desde pequeno, e é mentira. A verdade é que Deus perdoa. Se Deus
não perdoasse, − meu Deus!
→ Eu também criei um mundo. E vi,
também, que era bom.
→ Nunca me esqueço de que fui
criança...
→ Para fazer um céu basta uma
estrela...
→ A eternidade é a vida de cada
um. Na vida de cada um, quantas eternidades!
→ O pessimismo é uma atitude. O
otimismo é um jeito. Nasce-se otimista. Fica-se pessimista.
→ Eu digo que não gosto de escrever
cartas, e afinal só escrevo cartas...
→ Um amigo que morre é um amigo
que nunca se perde. A vida é uma desperdiçada.
→ Entristeci muitas vezes. Nunca
fui desgraçado.
→ Por que será que a gente sempre
fala na felicidade, quando a noite vem caindo?...
→ A brutalidade de certos homens
dá a impressão de que eles estão brincando...
→ Nem os espelhos nos refletem
iguais. Somos sempre outros na face dos espelhos.
→ Num boletim científico, que
folheei na sala de espera de um consultório, li este título: “Os paradoxos do
beribéri”.
→ Se você voltar ao mundo, quererá de novo ter amigos? –
Sim... os rios, os jardins...
→ Às vezes fico cismando que era com música que eu deveria
contar as minhas coisas...
→ Quando muito ansiamos por uma coisa, é como se já
houvéssemos tido e perdido... O desejo é o primeiro clarão da saudade...
→ A vida... A vida é uma criança.
Pousa as mãos sobre ela, acaricia, vai murmurando: − Fecha teus olhos... dorme,
minha filha... dorme, meu amor...
→ Escurece. O dia morre pensando
na manhã...
→ Felicidade, − essa alegria
iludida e sozinha...
→ Tudo o que começa é alegria...
→ O que sentimos, o que dizemos,
outros sentiram, outros disseram. Não te magoes por isso. O perfume das rosas
volta em todas as rosas, e vê como o nosso jardim é lindo...
→ Somos todos iguais. A
humanidade é uma só. Variam um pouco as aparências. E os estilos...
→ Provérbio chinês: − Se não
puderes evitar que o aborrecimento entre na tua casa, não lhe ofereça cadeira.
→ Uma senhora me pediu, no outro
sábado: − fale-me com franqueza. – Eu falei. Ela ficou espantada.
→ A realidade é muito maior do
que se pode imaginar: continua, continua...
→ Gosto de ser brasileiro. Sentir
pela cabeça, pensar pelo coração, herdeiro contente dos antepassados, dentro da
vida que, quando se inicia, vê a luz.
→ Um assunto que interessa é o
que faz o café esfriar...
→ A vida, afinal, só tem um lado.
Mas esse lado é o outro...
→ Os homens se apavoram pelo que
pensam; o que sentem não os assusta.
→ Nunca é tarde para ir mais longe...
→ Cada palavra que se escuta
acende uma chama na memória. Mais pelos ouvidos do que pelos olhos a nossa vida
se enche de recordações...
→ A palavra é claridade. O gesto
é sombra. Mas é o gesto que nos irmana às ondas, às asas, às nuvens...
→ És o dia que faz...
→ Um homem de minha devoção
definiu uma mulher: “É tão verdadeira que, de começo, tem o ar um pouco
simples. É preciso olhá-la muito tempo para a ver”. E definiu a vida.
→ Certas mulheres, em certas
tardes, têm a graça ingênua e natural de certas flores...
→ Há os que se esquecem de
lembrar, há os que se lembram de esquecer.
→ A alma não faz anos...
→ “Há tempo de rir, e há tempo de
chorar”, segundo Salomão. Há, também, tempo de chorar de tanto rir...
→ Testamento (passível de ser anulado):
− Deixo a todos o desejo de tudo que não realizei...
→ Com palavras que pertencem a
todos, simplesmente, naturalmente. O modo de dizer é que talvez faça a
diferença...
→ Mesmo aos grandes desesperados,
sempre resta alguma esperança...
→ Vivo de improviso, apesar de
viver sem eloquência.
→ Nesta idade eu podia repetir o
que dizia aquela senhora alemã. De Santa Maria da Boca do Monte, sempre que se
confessava: − “Eu não matei, eu não roubei, tudo mais eu fiz”.
→ A noite chega como um abraço...
→ É mais fácil esquecer um grande
amor do que um número de telefone...
→ O tempo feliz é sempre o tempo
que passou. Embora, nesse tempo, se tivesse sido muito desgraçado...
→ Sei de criaturas que
desperdiçam a vida, maldizendo-a, à espera sempre de melhores dias. Por isso
mesmo cada vez os dias lhes parecem piores...
→ Um autor, diante de uma mulher,
tem que ser sempre um autor. Às vezes, não sabe de quê...
→ A felicidade não morre toda. A
gente é sempre um pouco feliz da felicidade que teve...
→ Desejamos tanto... e tudo está
em nós...
→ Os egoístas morrem sozinhos.
→ Nós todos, um a um, quantos!
Como somos! Como fomos! Em cada imagem nossa, que multidão!
→ Gosto disto aqui. Aprendi, mais
ou menos, o jeito que isto tem. Não me zango. Não me lamento. Vou indo. Há
tanta coisa bonita!
→ Sempre olhei para os jardins,
com doçura e gratidão. Eles são as minhas aldeias. Tão sossegados! Só nos
jardins há amores perfeitos. Só nos jardins, os cravos não são para crucificar,
nem ferrar. E as rosas, que sinceridade!
→ A beleza não é o corpo. É um
sentimento do corpo. Não é a alma. É uma imagem da alma. Está no desejo. Está
na saudade. Música nos olhos. Palavras que se aperta nas mãos. O último, longo,
longo adeus à vida...
→ Não é envelhecer que
entristece, − é não encontrar mais moços... Parece que a minha geração foi a
última que teve vinte anos.
→ Sou contra o equilíbrio. Acho
que a gente deve cair para poder levantar-se...
→ Como é difícil ser o que se
é...
→ Exclamas: − Não espero mais
nada neste mundo! − É o que estás fazendo...
→ Às vezes, eu converso comigo...
Já comecei a falar sozinho... Antes eu cantava sozinho... Foi a voz que
baixou...
→ Eu tenho pena é do meu anjo da
guarda... Coitado! Teve que vir comigo...
→ As minhas rosas se esqueceram
de que tinham espinhos. As minhas abelhas se esqueceram de que tinham ferrões.
→ Cada um na vida, vê apenas o
“seu” caso. E acha que esse é o caso da vida.
→ É impossível escrever um
diário. Um diário devia guardar todas as coisas que acontecem. E há coisas que
acontecem só para a gente se esquecer delas.
→ Nunca inventei, − assisti...
→ Nunca um desejo me afligiu. A imaginação me deu tudo.
→ “Inocência” é a palavra mais
bonita da nossa língua. “Você”, a mais gostosa. “Umbigo”, a mais engraçada.
→ Há a terra onde nós nascemos, e há a mulher que nós
amamos. Tudo mais é reflexo...
→ A criatura que se confessa,
confessa todas as criaturas. Muitas coisas não sabemos de nós porque não ouvimos
as coisas que os outros sabem deles, e contam.
→ Liberdade de pensamento...
Quando foi que houve? Diz-se que o pensamento não é livre quando não se pode
ser contra o pensamento dos outros. Este pensamento tem me consolado muito.
→ Também da chuva, gosto da que
vem, suave, lenta, com melancolia. Dessa, nervosa, irritada, barulhenta, não; e
peço-lhe que me desculpe...
→ A palavra é claridade. O gesto
é sombra. Mas é o gesto que nos irmana às ondas, à asas, às nuvens...
→Apesar da chuva, o sol nasce
para todos. Não se aflijam os que leem telegramas nos jornais. De tantos boatos
ruins, acabará saindo uma notícia boa.
→ As lembranças são estrelas. A
memória é uma noite bonita. Não faz mal que essas estrelas tenham morrido há
muitos anos. A luz delas ainda me acaricia...
→ Muitas pessoas enlouqueceram
por excesso de imaginação, e muitas pessoas não enlouquecem porque são
indecisas...
→ Os limites do mundo podem ser
essas paredes caladas, com a janela aberta para o céu...
→ Afinal, não é a vida que
melhora o mundo: é a morte. Que pena!
→ ... conseguir, cada dia, uma
pequena felicidade: o pão nosso de nossa alma.
→ O primeiro amor é todo o
amor... A gente só ama uma vez... Mas vai a repetir... a recordar...
→ O que importa é a natureza. Num
começo de dia assim, que prazer melhor que o de concordar encantadamente com
que o filósofo não se enganou: o mundo é a nossa representação.
→ O corpo é a doença da alma.
→ No destino de cada homem há uma
cidade, a cidade onde ele foi moço, a cidade para onde volta, muitas vezes
nessas viagens paradas. Revê, revê-se... É como era. E ninguém envelheceu. E
nada envelheceu. As novidades mais novas são as recordações.
→ Só os felizes se queixam de
envelhecer...
→ Que silêncio tão longo numa
hora tão breve!
→ Amava com paixão, viver. Quando
sentiu a morte disse: − Meu Deus, por que este castigo?
→ A ausência enche a casa toda.
→ O perfume da rosa volta em
todas as rosas.
→ Deve-se dizer tudo o que se
sente... para, mais tarde, pensar que se sentiu errado. É um passatempo.
→ Estou mais vizinho do mar. É
bom. Isto alarga os horizontes.
→ A sombra é o silêncio visível.
A sombra de uma árvore é a saudade que os ramos têm da terra...
→ Olha as árvores como são
serenas. E no entanto, ocultas na terra, como as raízes sofrem!...
→ “Confiar, desconfiando”. Um
disse. Muitos repetem. É assim que se estraga a vida...
→ O dia chegará em que poderemos
ficar calados...
→ Na verdade, não há sonho: há
lembrança.
→ O homem estendeu a mão:
− Uma esmola.
Eu também estava sem dinheiro. Expliquei
− O senhor ainda leva uma grande vantagem
sobre mim: o senhor pode pedir.
→ Aprendi, desde bem cedo, a
compreender e a perdoar. De vez em quando, por muito compreender, perdoar se
torna difícil. Porém sempre tenho arranjado um jeitinho...
→ O vagabundo feliz. Vai cantando
e criando a música que sai do canto e é a sua música. Homem sem rumo. Caminha
para onde a estrada o leva. Ser. Coisa. Sentimento encarnado. Natureza viva.
→ Em toda a minha vida, do que
mais gostei, foi de querer bem...
→ O meu prazer é mudar de
opinião. Com esse prazer vou evitando a velhice...
→ Não te apresses em alcançar o
fim. Vai andando... vai andando... a estrada é que é boa...
→ Se alguém me convencesse de que
anjo da guarda não existe, eu teria um grande desgosto...
→ Há o determinismo. Há o
livre-arbítrio. Não há nada, e há tudo. A questão é não ter pressa.
→ Na América do Norte, liberdade
é uma estátua.
→ O que eu sou é monótono. Ou
melhor: igual. De entre as palavras abolidas, igualdade foi a que sempre me
acompanhou. Gosto de ser adjetivo concreto de um substantivo tão abstrato.
→ Ah! Como se precisa ter
paciência! E que paciência se precisa ter para não mostrar que se precisa ter
paciência!
→ Bondade é uma coisa que não
podemos passar adiante; ela volta sempre.
→ O tempo passa... Que mal há
nisso? Certas criaturas ficam sempre na mesma idade, e essa idade é a do dia
que as conhecemos e começamos a lhes querer bem.
(Frases do livro “As
Amargas, Não...”, lembranças de Álvaro Moreyra)
Álvaro Maria da Soledade Pinto da
Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva, ou simplesmente Álvaro Moreyra (Porto
Alegre, 23 de novembro de 1888 − Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1964)
completou o curso de ciências e letras (1907). Em 1908, iniciou-se no
jornalismo, participando da vida literária. No Rio de Janeiro (1910),
entregou-se ao jornalismo na redação do “Fon-Fon“, a revista que atuava no
Simbolismo. Diplomou-se em direito (1912). No terreno propriamente teatral,
fundou, junto com Eugênia Moreira, o “Teatro de Brinquedo”. Membro da ABL,
contista, poeta, teatrólogo, comentarista de rádio, jornalista.
NOTA: Modificou voluntariamente o
longo nome de família para Álvaro Moreyra, com y, para que esta letra
“representasse as supressões” destes nomes.