sábado, 31 de março de 2018

O torturador



O jornalista Ricardo Boechat, âncora do Jornal da Band, comentou o voto do deputado Jair Bolsonaro, na Plenária da Câmara dos Deputados no dia 17/04/2016, durante a votação da admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, no qual ele homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar brasileira, chamando-o de “herói”.

“Torturadores não têm ideologia. Torturadores não têm lado. Não são contra ou pró-impeachment. Torturadores são apenas torturadores. É o tipo humano mais baixo que a natureza pode conceber. São covardes, são assassinos e não mereceriam, em momento algum, serem citados como exemplo. Muito menos numa casa Legislativa que carrega o apelido de casa do povo”.

Ricardo Boechat*

*13 de julho de 1952  11 de fevereiro de 2019

P.S. O áudio e a imagem desse comentário estão na Internet.

A cruel dúvida do ator

Certa feita, um jovem ator estava preocupado por interpretar o papel de um torturador. É que o interpretava muito bem! Estava até gostando de tudo aquilo, dos instrumentos de tortura, dos gritos das vítimas, a perversa alegria... Estava se sentindo realizado!

Então, foi procurar Augusto Boal, o diretor, para lhe pedir ajuda – seria ele, afinal, um torturador nato, um monstro em pele de ator? Boal o tranquilizou:

− É claro que você é um torturador nato! Todos nós podemos ser tudo o que quisermos! A nossa culpa não está em poder ser... mas em escolher o que jamais deveríamos ser.

Os Primeiros Tempos da Tortura


Não era mole aqueles dias
de percorrer de capuz
a distância da cela
à câmara de tortura
e nela ser capaz de dar urros
tão feios como nunca ouvi.

Havia dias que as piruetas no pau-de-arara
pareciam ridículas e humilhantes
e nus, ainda éramos capazes de corar
ante as piadas sádicas dos carrascos.

Havia dias em que todas as perspectivas
eram pra lá de negras
e todas as expectativas
se resumiam à esperança algo cética
de não tomar porradas nem choques elétricos.

Havia outros momentos
em que as horas se consumiam
à espera do ferrolho da porta que conduzia
às mãos dos especialistas
em nossa agonia.

Houve ainda períodos
em que a única preocupação possível
era ter papel higiênico
comer alguma coisa com algum talher
saber o nome do carcereiro de dia
ficar na expectativa da primeira visita
o que valia como um aval da vida
um carimbo de sobrevivente
e um status de prisioneiro político.

Depois a situação foi melhorando
e foi possível até sofrer
ter angústia, ler
amar, ter ciúmes
e todas essas outras bobagens amenas
que aí fora reputamos
como experiências cruciais.

Alex Polari

Alex Polari de Alverga nasceu em João Pessoa, em 1951 Foi preso no DOI-CODI em 1971 e barbaramente torturado. Polari sobreviveu para denunciar ao próprio Tribunal Militar o assassinato de Stuart Angel (filho da estilista Zuzu Angel) retratado no poema “Canção para Paulo” e as torturas que sofreu e presenciou.

→ Em 1978, ainda preso, lançou seu primeiro livro de poesia: “Inventário de Cicatrizes”. Em 1980 foi finalmente libertado e se envolveu com o Santo Daime, não escrevendo mais poemas.

→ A poesia de Polari é coloquial, direta, despojada e bem humorada, apesar de profundamente marcada pela experiência da clandestinidade, do cárcere, da tortura.

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