sexta-feira, 30 de junho de 2017

A Canoa



Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Em uma das viagens, iam um advogado e uma professora. Como quem gosta de falar muito, o advogado pergunta ao barqueiro:

- Companheiro, você entende de leis?

- Não, respondeu o barqueiro.

E o advogado, compadecido:

- É uma pena, você perdeu metade da vida.

A professora, muito social, entra na conversa:

- Seu barqueiro, você sabe ler e escrever?

Também não, respondeu o barqueiro.

- Que pena! Condói-se a mestra. - Você perdeu metade de sua vida!

Nisso chega uma onda bastante forte e vira o barco. O barqueiro preocupado, pergunta:

- Vocês sabem nadar?

- NÃO! Responderam eles rapidamente.

- Então é uma pena - Conclui o barqueiro. Vocês perderam toda a vida.
              

Não há saber maior ou saber menor. Há saberes diferentes.

Paulo Freire

Pense nisso e valorize todas as pessoas com as quais tenha contato.
Cada uma delas tem algo de diferente para ensinar.





Poemas de Victor Hugo



→ Victor-Marie Hugo ‎(1802 – 1885), poeta, novelista e dramaturgo francês cujas volumosas obras contribuíram para um grande impulso, possivelmente o maior dado por uma obra singular, ao romantismo da França.

→ Victor Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, no Besançon, e foi educado com muitos tutores particulares e também em escolas privadas de Paris. Era um menino precoce, que com idade muita curta decidiu converter-se escritor. Em 1817, a Academia Francesa lhe premiou um poema, e, cinco anos mais tarde publicou seu primeiro volume de poemas, “Odes e Poesias Diversas”, que fez muito sucesso.

→ As obras do Víctor Hugo marcaram um decisivo marco no gosto poético e retórico das jovens gerações de escritores franceses, e ainda é considerado como um dos poetas mais importantes deste país. Depois de sua morte, na época de 22 de maio de 1885, em Paris, seu corpo permaneceu exposto sob o Arco do Triunfo, e foi deslocado, segundo seu desejo, em um mísero carro fúnebre, até o Panteão, onde foi enterrado junto a alguns dos mais célebres cidadãos franceses.

Fonte: Nossa São Paulo

Fábula ou história

Um dia, magro e sentindo um real desfastio,
Um macaco com a pele de um tigre se vestiu.
O tigre fora malvado, ele tornou-se atroz
Ele tinha assumido o direito de ser feroz.
Arreganhava os dentes, gritando: eu serei
O herói dos matagais, da noite o temível rei!
Como malfeitor dos bosques, emboscado nos espinhos,
De horror, morte e rapinas, escureceu os caminhos,
Degolou os viajantes e devastou a floresta,
Fez tudo o que faz aquela pele funesta.
Vivia no seu antro, no meio da voragem.
Todos, vendo-lhe a pele, criam na personagem.
Gritava e rugia como as feras danadas:
Olhem, a minha caverna está cheia de ossadas;
Olhem para mim, sou um tigre! Tudo treme,
Diante de mim, tudo recua e emigra; tudo freme!
Temiam-no os animais, fugindo com grandes passos.
Um domador apareceu e tomando-o nos braços,
Rasgou-lhe a pele, como se rasga um farrapo,
E, pondo a nu o herói, disse:
Não passas de um macaco!

(Jersey, Setembro de 1852)

O Homem e a Mulher

 

O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono;
Para a mulher um altar.
O trono exalta; o altar santifica.

O homem é o cérebro;
a mulher o coração, o amor.
A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o gênio; a mulher o anjo.
O gênio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória;
A aspiração da mulher, a virtude extrema.
A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.

O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.
A razão convence; a lágrima comove.

O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; os martírios sublimam.
O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.

O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;
Ante o sacrário ajoelhamo-nos.

O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.

O homem tem um fanal; a consciência;
A mulher tem uma estrela : a esperança.
O fanal guia, a esperança salva.

Enfim…
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu…


“A vida já é curta e nós a encurtamos ainda mais desperdiçando o tempo.”

“As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.”

“A felicidade é algo que se conquista durante a vida... E quando conquistá-la, aproveite ao máximo, pois a gente só vive uma vez na vida e não é todo o momento que estamos felizes!”

“Certos pensamentos são como orações, há momentos em que, seja qual for a posição do corpo, a alma está, sempre, de joelhos.”

→ Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 ‒ Paris, 22 de maio de 1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.



Os votos



(Sergio Jockymann - 1978)

Desejo primeiro, que você ame, e que amando, seja também amado.

E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo pois, que não seja assim, mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconsequentes, sejam corajosos e fiéis, e que em pelo menos num deles você possa confiar sem duvidar, que confiando, não duvide de sua confiança.

E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que, algumas vezes, você se interpele a respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo, para que você não se sinta demasiadamente seguro.

Desejo, depois, que você seja útil, não insubstituivel, mas razoavelmente útil.

E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante; não com os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente, e que fazendo bom uso dessa tolerância, não se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.

Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais e que, sendo maduro, não insista em rejuvenescer e que, sendo velho, não se dedique a se desesperar.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.

Desejo, por sinal, que você seja triste, mas não o ano todo, nem em um mês e muito menos numa semana, mas apenas por um dia.

Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível, amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.

E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.

Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer triunfante o seu canto matinal.

Porque assim você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente, por mais ridícula que seja, e acompanhe o seu crescimento dia-a-dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático.

E que, pelo menos uma vez por ano, você ponha uma porção dele na sua frente e diga:

Isso é meu. Só para que fique bem claro quem é dono de quem.

Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.

Mas que esse frugalismo não impeça você de abusar quando o abuso se impõe.

Desejo também que nenhum dos seus afetos morra, por ele e por você.

Mas que, se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.

Desejo, por fim, que sendo mulher você tenha um bom homem, e que sendo homem, tenha uma boa mulher.

E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez, e, novamente, de agora até o próximo ano acabar, e que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor para recomeçar.

E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar.

*****

Importante: este texto, de autoria de Sergio Jockymann, publicada em 1980 no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre-RS, circula na internet como sendo de autoria de Victor Hugo, e assim foi publicada originalmente em nosso portal, com o título Desejos. Contatados pelo verdadeiro autor, com muito prazer desfazemos o equívoco, estabelecendo os créditos a quem de direito.


1930 – 2011

Morreu às 15h de ontem (16.02.2011), aos 80 anos, o jornalista, escritor, dramaturgo e ex-deputado Sérgio Jockymann. Vítima de insuficiência renal, ele estava internado desde novembro no hospital da Unicamp, em Campinas (SP). Jockymann tinha a saúde debilitada há muitos anos. Nos últimos dois dias esteve inconsciente, devido à rejeição de um tratamento de diálise a que vinha se submetendo. Entre os inúmeros veículos que trabalhou, o jornalista se destacou na Folha da Tarde, onde publicou o folhetim Clô Dias e Noites. Natural de Palmeira das Missões, Jockymann será velado e sepultado em Campinas, onde mora a filha Duda Jockymann.

Correio do Povo, de 17.02.2011
  
Morreu nesta quarta-feira (16.02.2011), aos 80 anos, o poeta, escritor, dramaturgo, jornalista e cronista Sérgio Jockymann. Desde novembro, ele estava internado no Hospital da Unicamp, em Campinas (SP), para tratar-se de uma insuficiência renal.

Nascido em Palmeira das Missões em 1930, Jockymann tinha se mudado para a cidade do interior paulista para tratar seus problemas de saúde, que vinham de longa data e já haviam sido explicitados em uma coluna de seu colega no Jornal do Almoço, Paulo Sant'Ana. No texto, publicado em 13 de maio de 2009, Sant'Ana destacava seu quadro de insuficiência renal.

Além de escrever para diversos jornais como Zero Hora, Folha da Tarde e Correio do Povo, Jockymann também foi autor de telenovelas, seriados de TV e peças de teatro. Como político, foi deputado estadual e concorreu à prefeitura de Porto Alegre.

Sérgio Jockymann deixa a esposa, Simone, 70 anos, e cinco filhas, Iria (60 anos), Daphne (58 anos), Heliana (59 anos), Luelin (42 anos) e Karel (38 anos), além de netos e bisnetos.

ZH, de 17.02.2011


José Carlos de Brito e Cunha

J. Carlos

         
José Carlos de Brito Cunha (Rio de Janeiro RJ 1884 - idem 1950). Chargista, caricaturista, desenhista, pintor, ilustrador. Inicia sua carreira em 1902, na revista O Tagarela, dirigida por Raul Pederneiras (1874 - 1953) e K. Lixto (1877-1957). No ano seguinte, contribui com diversas publicações adultas e infantis até que, em 1908, emprega-se na revista A Careta, fundada neste mesmo ano por Jorge Schmidt, nela atuando até 1921. Paralelamente, colabora com diversas publicações, entre elas as revistas Fon-Fon, A Cigarra e O Malho, sendo esta última dirigida por ele a partir de 1918. Ao longo de sua carreira J. Carlos, com suas charges, faz a crônica do processo de urbanização da capital carioca e dos seus efeitos sociais. Entre 1922 e 1930, exerce o cargo de diretor artístico das empresas O Malho, onde inicia uma grande série de charges de caráter político, satirizando fatos e personalidades nacionais e estrangeiras. A vertente política é explorada pelo artista desde o início de sua carreira, sendo ele o responsável pela execução de uma série de charges antibelicistas executadas no período abrangido pelas duas grandes guerras e principalmente durante os dois governos de Getúlio Vargas (1883-1954). Esses trabalhos são publicados principalmente na revista A Careta. Aproveitando-se da relativa flexibilidade da censura imposta por Vargas em relação à política internacional, o artista publica uma série de ilustrações cujo conteúdo tinha como foco crítico a política imperialista norte-americana evidenciada após o término da Segunda Grande Guerra (1939-1945). Trabalha incansavelmente até a data de sua morte, ocorrida em 1950, na redação da revista A Careta.

Desenhos de José Carlos de Brito e Cunha
(1884-1950)


Poetas de chocolate


Conversa na fila d´água


Colcha de retalhos



Um grande comício realizava-se na praça Montevidéu, defronte à prefeitura de Porto Alegre. No início, o entusiasmo era enorme; porém, na medida em que os oradores iam se sucedendo, o público começou a demonstrar sinais de cansaço. Aparentemente, nada mais motivava os presentes. Um dos oradores preliminares, em voz comovida, resolveu queimar o último cartucho:
‒ ... porque somos todos filhos de Getúlio Vargas!
Ouviu-se, então, a voz clara de um gozador:
‒ Ih, pronto, já nos chamou de filhos da puta...

(Anedotário da Rua da Praia 1, Renato Maciel de Sá Junior)

Janela sobre as paredes

Escrito em um muro de Montevidéu: As virgens têm muitos Natais, mas nenhuma Noite Boa.

Em Buenos Aires: Estou com ome. Já comi o f.

Também em Buenos Aires: Ressuscitaremos, ainda que isso nos custe a vida!

Em Quito: Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas.

No México: Salário mínimo para o presidente, para ver o que ele sente.

Em Lima: Não queremos sobreviver. Queremos viver.

Em Havana: Tudo é dançável.

No Rio de Janeiro: Quem tem medo de viver não nasce.

(As palavras andantes - Eduardo Galeano)

Camões

Causídico de fama no princípio do século, Pereira da Cunha notabilizou-se pela palavra apaixonada e eloquente.
Quando Júlio de Castilhos morreu, em Porto Alegre, em 24 de outubro de 1903, vários discursaram na hora do enterro. No momento em que o caixão descia à sepultura, Pereira da Cunha destacou-se do grupo e exclamou:
‒ Se houvesse um processo de cristalização da lágrima, o teu ataúde, Júlio, por certo não seria de madeira, nem o teu túmulo de granito!

(Do Anedotário da Rua da Praia 1, Renato Maciel de Sá Junior)

O candidato retardado

Palanque armado no bairro Pereiros. O comerciante “Chico do Peixe” chega com considerável atraso, ávido por discursar na condição de candidato a vereador em 1996, no município de Mossoró. Favorecido pela escassez de oradores no comício do candidato governista, engenheiro Valtércio Silveira, apoiado pelo prefeito Dix-huit Rosado, Chico é alertado de que também terá direito a discursar. Ufa! Ele já pensava que não teria vez. Abrindo a oratória, Chico do Peixe tenta justificar sua ausência até então, mas mistura semântica com psiquiatria:
‒ Olha, meus amigos, eu estou chegando “retardado”...

(Só rindo 2: A política do bom humor do palanque aos bastidores,
de Carlos Santos) 


A expressão Talião


→ A lei de talião, do latim lex talionis (lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena ‒ apropriadamente chamada retaliação. Esta lei é frequentemente expressa pela máxima olho por olho, dente por dente.

→ O termo “Lei de Talião” não aparece nem na Bíblia nem no Código de Hamurabi. Deriva da expressão latina lex talionis (Lei de Talião). O termo “talião” vem do latim “talis” (tal) que significa “idêntico” ou “semelhante”. Trata-se da primeira tentativa de controlar a vingança, estabelecendo uma proporção entre o dano recebido nu crime e o dano produzido com o castigo.

→ Mesmo não aparecendo nos textos bíblicos como “lei da talião”, há registros no livro Levítico (Velho Testamento) capítulo 24, 10-23: Se um homem ferir um compatriota, desfigurando-o, como ele fez, assim se lhe fará: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente. O dano que se causa a alguém, assim também se sofrerá.

→ Os primeiros indícios de consagração da Lei de talião foram encontrados no Código de Hamurabi por volta de 1700 a.C. no reino da Babilônia. Ao contrário do que muitos pensam talião não é um nome próprio, vem do latim talionis. Os primeiros indícios de consagração da Lei de talião foram encontrados no Código de Hamurabi por volta de 1700 a.C. no reino da Babilônia. Ao contrário do que muitos pensam talião não é um nome próprio, vem do latim talionis que significa como tal, idêntico. Neste sentido, a Lei consiste na justa reciprocidade do crime e da pena, sendo frequentemente simbolizada pela expressão “Olho por olho, dente por dente”, que significa como tal, idêntico. Neste sentido, a Lei consiste na justa reciprocidade do crime e da pena, sendo frequentemente simbolizada pela expressão “Olho por olho, dente por dente”.

*****


→ Para muitos a penalidade [espelhada no ato] imposta pela Lei era cruel e severa, neste ponto é possível discordar, pois a Lei foi posta para trazer ordem e equilíbrio a Sociedade Mesopotâmica. Dessarte, “o mal causado a alguém deve ser proporcional ao castigo imposto: para tal crime, tal e qual a pena”. (Meister, 2007, p. 59)

→ Não raro, a sociedade era dividida em categorias sociais, onde o escravo ficava em descrédito: “Se um homem livre fura o olho de um escravo ou lhe fraturou um osso, pagará uma mina de prata.” (Hamurabi, 198º)

→ Para entendermos melhor os princípios da Lei de talião, segundo o Código de Hamurabi, observaremos algumas disposições da mesma:

196º – Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho.

197º – Se ele quebra o osso a um outro, se lhe deverá quebrar o osso.

200º – Se alguém parte os dentes de um outro, de igual condição, deverá ter partidos os seus dentes.

202º – Se alguém espancar outro mais elevado que ele, deverá ser espancado em público sessenta vezes, com o chicote de couro de boi.

206º – Se alguém golpeia outro em uma rixa e lhe faz uma ferida, ele deverá jurar: “Eu não o golpeei de propósito”, e pagar o médico.

209º – Se alguém atinge uma mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto.

210º – Se essa mulher morre, se deverá matar o filho dele. Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

Ocasionalmente, no Novo Testamento Jesus teria mudado esta lei:

38 – Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente;

39 – Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra;

40 – E, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa;

41 – Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. (Mt 5:38-41)

→ Rigorosamente falando, a Lei de talião sofreu mudanças extremas, no qual no Antigo Testamento é tratada como princípio do justo de forma rigorosa, já no Novo Testamento o princípio fica claro, mas passivo. Isso ocorre por causa da mudança do conceito de justiça, ou daquilo que é considerado justo, sendo essa não mais levada ao pé da letra, mas uma divisão do bem e do mal.

(Laços Ocultistas)

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Cris Negão – Cristiane Jordan

O Madame Satã* de São Paulo

* Madame Satã (1900-1976) homossexual e famoso cafetão da Lapa, Rio de Janeiro, dos anos 30 a 60.


Kaká di Poli e Cris Negão,
com suas diversas marcas de tiros e facadas na Prohibidu's

Cristiane Jordan, ou Cris Negão como era chamada, foi uma travesti cafetina do centro de São Paulo conhecida por seus métodos violentos de controle das outras travestis. Odiada e temida por uma legião, ela também tinha seus fãs, até que tragicamente foi assassinada com dois tiros na cabeça. O filme é um mergulho no universo das travestis, a partir dessa figura lendária do submundo de São Paulo. 

(Sinopse do filme “Quem tem medo de Cris Negão?”)

→ “Um moleque de um metro e meio, de bermuda e chinelo, chegou, deu três tiros na cara da Cris Negão e saiu andando. Sei lá se foi encomendado, se foi acerto de contas, problema com ex-marido...”, conta a drag e amiga Kaká di Poli. Acabava aí a conturbada vida de Cristiane Jordan, como preferia ser chamada a travesti que sucedeu Andreia de Maio no comando do movimento em torno da prostituição de travestis do centro de São Paulo. Cris foi baleada na noite de 6 de setembro de 2007, em frente ao bar Elenice, na rua Rego Freitas.

→ Na foto que ilustra esse texto (uma das raras imagens de Cris), dá pra ver algumas das marcas de facadas e tiros que ela tinha pelo corpo todo, marcas das diversas tentativas de assassinato que sofreu. “Diziam que ela tinha o corpo fechado do pescoço pra baixo, e, por isso, não morria. Falavam que só iria embora se fosse atingida no rosto, o que aconteceu. Nessa noite, eu estava em casa com uns amigos e ouvimos uns fogos. Pensamos que era jogo de futebol, mas estavam comemorando o assassinato dela”, relembra o pesquisador de imagens Aldrin Ferraz, que mora na região há quase duas décadas. “Ela era muito violenta, o povo tinha medo. Cris tinha muitas inimizades na rua.”

→ Para quase todos que conheceram as duas chefonas, a poderosa Andreia de Maio, respeitada e temida em todo canto no centro, parecia um doce de coco se comparada a Cris Negão. Ambas cafetinavam travestis e conseguiam, cada uma a seu modo, manter certa ordem naquele submundo de transexuais, michês, clientes, policiais, traficantes e trombadinhas que compunham a região da rua Amaral Gurgel. “A Andreia ainda tinha essa história de ser uma personagem, aquela coisa romântica. Mas da Cris as pessoas não gostavam mesmo, tinham medo”, relembra Marcelo Ferrari, que dá vida à drag Marcelona. “E a Cris não era nada disso que a Andreia era, não tinha essa coisa assim de ser considerada uma personagem. Era apenas mais uma...”, relativiza a atriz transexual Claudia Wonder.

Multas e peruca

→ Com a morte de Andreia de Maio, em maio de 2000, Cris passou a comandar tudo com mão de ferro. Diferentemente de Andreia, bebia bastante, abusava da força e tinha o costume de sair cobrando o que chamava de “multas” (em dinheiro ou objetos), assim, do nada. “Uma vez, saindo com uma amiga drag de uma boate, ela chegou transtornada, nos parou sem motivo e falou assim: 'Nossa Pietra, adorei a minha peruca na sua cabeça'. Minha amiga entendeu o recado, sacou na hora as madeixas postiças da cabeça e deu pra ela”, lembra Aldrin. “Cris era isso mesmo: meio bandida, traficante e tudo mais. Mas punha ordem naquele pedaço”.

→ Depois que Cris se foi, encerrou-se de vez o ciclo de cafetinas-travestis-poderosas no centrão paulistano. Alguns ficaram aliviados, mas colegas como Kaká lamentam a perda. “Ela cafetinava, falava assim: 'você vai parar nesse ponto, trabalhar e tudo bem, mas vai me pagar R$ 30 por noite'. A bicha pagava, trabalhava e não tinha ninguém enchendo o saco. E, se aparecesse alguém pra encher, a Cris tocava dali”, relembra a drag. “Essas aí da rua hoje vivem sendo assaltadas, vivem apanhando, não tem mais ninguém pra proteger. A rua ficou solta, muita bandidagem. Esse mito da guardiã da noite das travestis e dos michês terminou mesmo com a Cris Negão”.

(Do blog Trip News)

Documentário “Quem tem medo de Cris Negão?”, do diretor René Guerra

Cristiane Jordan, a última cafetina travesti da região paulista da Amaral Gurgel, foi assassinada, com dois tiros na cabeça, na noite de 06 de setembro de 2007, em frente ao bar Elenice, na Rua Rego Freitas. Cris Negão, como era conhecida (apesar de preferir ser chamada por Cristiane ou Cris Jordan), comandava o movimento em torno da prostituição de travestis no centro de São Paulo. Para isso, abusava da força e tinha o costume de cobrar “multas” por motivos aleatórios.

→ Através de depoimentos de algumas travestis que conviveram com ela nas ruas da capital, conhecemos a personalidade e irreverência dessa figura odiada e temida pela maioria, mas que também tinha uma legião de fãs. São histórias emocionantes e, ao mesmo tempo, engraçadas. Contam lembranças das ruas, por que Cris era temida, descrevem como foi a última vez em que estiveram com ela e o que estavam fazendo na noite de seu assassinato.

→ O documentário é uma espécie de interrogatório. “Quero saber se é um policial ou um jornalista, porque aí a entrevista é diferente”, fala uma das travestis logo no início do curta. “É um policial”, responde uma voz de homem que se repete poucas vezes ao longo das cenas. Outra prostituta conta que, na noite do assassinato, Cris iria dormir na casa de sua Mãe de Santo, mas sem maiores explicações, decidiu que precisava cuidar da rua. Pouco tempo depois, um menino de um metro e meio chegou por trás de Cris e lhe deu dois tiros na nuca. “Ela ainda teve a pachorra de virar para trás e dar uma bolsada no garoto. Essa era Cris Negão!”, revela.

(Jornal Comunicação – jornal laboratório
da Universidade Federal do Paraná)


Nenê, Valério Araújo, Cris Negão, Kaká di Poli
 e uma amiga na Val Improviso.


quarta-feira, 28 de junho de 2017

Rebimboca da Parafuseta



Rebimboca da Parafuseta é uma expressão corrente em certas regiões do Brasil para designar uma peça, real ou fictícia, cujo nome ou função não são conhecidos, do motor de um automóvel ou de qualquer outra máquina. Alternativamente, para a mesma função usam-se nomes de outras peças fantasiosas, como a mola da grampola ou a arruela da grapeta ou ainda a rosqueta da parafuseta.

→ Geralmente a expressão é utilizada em tom de brincadeira por pessoas sem conhecimento técnico para descrever um problema em equipamentos mecânicos. Denota um certo desinteresse em descobrir a real função de uma determinada peça ou seu nome correto:

→ “Puxa vida, o problema é sério. Será preciso trocar... sei lá... a rebimboca da parafuseta e vai custar um dinheirão”. Ou: “Quando alguém entra em um avião nunca pensa se a rebimboca da parafuseta está atarraxada, pois confia que para isto existam profissionais altamente...”

→ Apesar de ser uma expressão muito utilizada, nunca existiu nenhuma peça de nenhum carro, ou avião, ou outro veículo ou máquina chamada rebimboca da parafuseta.

→ A expressão surgiu no início da década de 1970, no seriado de TV infanto-juvenil da TV Globo, Shazan, Xerife & Cia., interpretado pelos atores Paulo José (Shazan) e Flávio Migliaccio (Xerife), respectivamente, dois mecânicos inventores de um estranho veículo: a Camicleta. A rebimboca da parafuseta era um componente desse veículo fantástico.

→ Posteriormente, a ideia foi reaproveitada em um filme comercial para TV que anunciava o fascículo “Oficinas e mecânicos: como escolher?”, o nº 7 da série Shell responde. O filme mostrava o diálogo, dentro de uma oficina, entre um mecânico (com ar de malandro) e a cliente (uma jovem com ar desesperado). Quando a moça perguntava qual era afinal o problema do seu carro, o mecânico respondia, com ar grave (isto é, vai custar caro): “O pobrema (sic) tá na rebimboca da parafuseta...” E depois, a moça, com ar de espanto, fazia uma careta para a câmera.

(Do Wikipédia, a enciclopédia livre)

→ A Rebimboca da Parafuseta é a mais importante peça de todos os carros, sendo por isso universal, mais que isso, universalmente a maior de todas as peças de quaisquer carros do mundo inteiro. Porém, talvez pelo preço desta peça, até hoje nunca se viu uma. Talvez por isso mesmo diz-se que todo problema com carros advêm da falta da dita cuja.

Rebimboca da Parafuseta é uma peça encontrada numa greta de punção de bico ortodoxa e inenarrável. Ou não...

→ Na verdade, a rebimboca da parafuseta, chamada erradamente por alguns de repimboca, repiboca, rebiboca (de acordo com a nova regra ortogonal é rebimboca mesmo) ou qualquer outra coisa que faça alusão ao nome, é uma peça fundamental que fica dentro do motor e se estende até a carroceria dos veículos, feita normalmente de plástico recoberta de uma fina camada de ferrugem. A sua troca requer que se retirem as duas portas, a tampa do porta-malas, o estepe, três parafusos estrela, o escapamento, o lacre de segurança vermelho e um monte de tralha debaixo do motor. Em alguns casos pode ser necessário abrir o teto com um abridor de latas. Feito isso, amarre com uma coleira de cachorro e puxe com um trator de esteira.

→ Observação: para se retirar a rebimboca da parafuseta, antes de mais nada, no entanto, em inúmeros modelos de automóveis é necessário soltar o pino do grampolho, localizado no pré-fuso da elevadiça, dentro da paravela pressora do eixo da articulação da compredeira, logo após o recalibre do pináculo descendente distal do cilindro abdutor, mas, no restante dos veículos automotores, a rebimboca da parafuseta se encaixa entre a casiloteia e o retém das escovas lixadeiras. Nada que um bom mecânico com técnica, cálculo e ferramentas corretas não execute em um tempo razoável. Entendendo-se como tempo razoável o espaço exato de 1 minuto, 3 segundos e 36 centésimos, pois se não for efetuada no tempo exato e na posição de 96 graus tendo como referência a posição do sol em um sábado de primavera tocando o quadrante leste da Pirâmide de Quéops, e sempre frisando que os planetas devem estar alinhados não somente entre si, mas devem apontar para o centro da nebulosa de Andrômeda num ângulo de 47° estrelares, deve haver também um eclipse solar sobre o pico das montanhas de mordor senão a retirada da marvada pode ocasionar um superaquecimento dos pistões alongados de calibragem da parte frontal da válvula compressora hemostática do semieixo longitudinal, ocasionando um vazamento catastrófico de vapor de água misturado com gás metano, enxofre e fluidos venenosos diversos, causando a morte imediata de qualquer ser vivo num raio de 100 km e impotência sexual em qualquer ser humano do sexo masculino em 400 km do raio de distância do infeliz evento.

(Desciclopédia)

Opiniões gerais

→ A solução para rebimboca bichada é trocar ela toda, mesmo que você não saiba exatamente o que é, como foi parar ali e todos os agregados que o mecânico lhe falar, como portas, teto, estepe, assoalho, etc., se tiver dúvidas, pergunte ao mecânico que se for dos bons vai te enrolar mais um pouco.

Teoria Inriquevediana para a peça

→ Segundo os dois maiores gênios do sobrenatural no mundo: Inri Cristo e Padre Quevedo, tudo indica que na verdade a peça “non ecziste”. Tudo não passa de uma ilusão, causada pela preguiça e falta de querer gastar dinheiro com mecânicos de carro autênticos. Apesar dos pesares, ninguém levou muito a sério essa afirmação até hoje. Solução: Isso é problema de junta: junta tudo e joga fora!


Mecânico mostrando para a moça onde fica a rebimboca da parafuseta...

Obs.: Segundo um amigo meu, enquanto a moça observa a “rebimboca da parafuseta”, ela deixa à mostra a “Cramulhota da tarraqueta”...

terça-feira, 27 de junho de 2017

Minidicionário do Bonde



→ O nome é coisa nossa – em Portugal, por exemplo, é eléctrico. A origem por aqui é controversa. Há quem defenda que vem do nome do cônsul norte-americano, empresário de bondes em Belém do Pará (James Bond). Outros sugerem que é derivado de Eletric Bond & Share, nome de uma das empresas que exploravam o serviço no Brasil. Mas a versão mais aceita é que viria dos bilhetes emitidos pela Botanic Garden Railroad no Rio, os chamados bonds – títulos de dívida, em inglês. Outras palavras ficaram, e expressões criadas na época vingaram. Algumas delas:

→ Almofadinha: Virou sinônimo de frescura, excesso de arrumação, sujeito fino. Como os bancos do bonde eram de madeira, alguns levavam sua almofadinha para ter uma viagem mais tranquila.

→ Andar na linha (do bonde): Ser correto e sincero nos negócios.

→ Condutor: Cobrador.

→ Fiscal: O funcionário que controlava o número de passageiros em cada viagem.

→ Motorneiro: Motorista do bonde.

→ Pegar o bonde andando: Entrar no meio de uma situação ou conversa em andamento.

→ Perder o bonde da história: Perder-se no contexto de algo.

→ Pongar: Subir no bonde sem que este precise parar.

→ Tocar o bonde: Levar algo adiante.

→ Trombada: Nos anos 1920, um elefante fugiu de um circo e derrubou um bonde com a tromba. A palavra virou sinônimo de colisão.


(Do livro “Brasil Almanaque de Cultura Popular”,
de Elifas Andreato e João da Rocha Rodrigues)




“Assunto Vinicius de Moraes.

Demita-se esse vagabundo”

         
Regime militar, fins de 1968. Mais uma caçada aos “alcoólatras, pederastas e subversivos” do Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores. Vinicius de Moraes não escapou. Suas atividades paralelas incomodavam colegas diplomatas. A poesia era até nobre, mas escrever sambas e subir nos palcos das boates era demais. A carreira diplomática era incompatível com a boemia criativa dos anos 1960. Foi o chanceler Magalhães Pinto que recebeu o memorando expedido pelo presidente da República. “Assunto: Vinicius de Moraes. Demita-se esse vagabundo. Ass. Arthur da Costa e Silva.” O Poetinha soube em alto-mar, dentro da banheira de sua cabine no navio Eugenio C. Dizem que chorou muito. Embora odiasse a burocracia do serviço público, gostava do emprego. Com a demissão pôde dedicar-se ainda mais à música. Embarcou em turnês e ampliou a já farta lista de parceiros. Ao lado de Toquinho, a partir de 1970, tornou-se artista de palco. Também ao seu lado morreria, numa manhã de julho de 1980. Deixou dezenas de livros e cerca de 500 músicas, entre elas obras-primas como Chega de Saudade e Garota de Ipanema (ambas com Tom Jobim). Ironia do destino: em 2003, quando completaria 90 anos, o Itamaraty preparou turnê com suas canções. No roteiro, países de língua portuguesa. Perceberam, tarde demais, que ninguém melhor que ele podia representar a cultura brasileira.

(Do livro “Brasil Almanaque de Cultura Popular,
de Elifas Andreato e João Rocha Rodrigues)


→ Na literatura e no teatro Vinicius de Moraes deixou obras-primas, com destaque para a peça teatral “Orfeu da Conceição”, escrita em 1954, baseada no drama da mitologia grega Orfeu e Eurídice. A peça foi transformada no filme “Orfeu Negro”, em 1959, pelo diretor francês Marcel Camus, alcançando repercussão mundial e conquistando a Palma de Ouro no Festival Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na literatura, foram mais de 10 livros, com destaque para “Forma e Exegese”, “Cinco Elegias” e “Poemas, Sonetos e Baladas”, também conhecido como “O Encontro do Cotidiano”, publicado em 1946, que traz o poema “Soneto de Fidelidade”, que posteriormente seria declamado junto com a música “Eu Sei que Vou Te Amar”. Sobre o poeta Vinicius de Moraes escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.

→ Vinicius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, e morreu na madrugada de 9 de julho de 1980, aos 67 anos, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral. Ele estava na companhia de seu grande amigo e parceiro musical, Toquinho, numa banheira, local que gostava muito de relaxar. Toquinho ficou segurando as suas mãos vendo o amigo partir lentamente...

Três sonetos de Vinicius de Moraes

 Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinicius de Moraes, "Antologia Poética",
Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960.


(Assinatura de Vinicius de Moraes)


segunda-feira, 26 de junho de 2017

Histórias do Amor no Brasil



Namoro de Escarrinho

No século 16, as práticas amorosas eram cercadas de rígidas regras de conduta. O amor era visto como algo pecaminoso em Portugal e no Brasil. Acreditava-se que amar demais poderia causar doenças e mal-estares. Um escritor da época fez uma lista dos sintomas: “tristezas, suspiros, lágrimas sem motivo, síncopes, opressões, melancolias e raivas”. Até tratados sobre comportamentos eram escritos, como a Carta de Guia de Casados, de 1651. Para vencer essa vigília constante, situações e recursos dos mais variados eram usados a fim de iniciar um relacionamento. Alguns se submetiam a práticas pouco ortodoxas para chamar a atenção de seu objeto de desejo.

Já nos idos de 1700, os enamorados procuravam com frequência as igrejas. As cidades, muito pequenas, dificultavam a privacidade dos casais. Os flertes, então, ocorriam nas missas, um dos únicos eventos a que as mulheres podiam ir. Os rapazes lançavam olhares furtivos, risos e acenos desviando a atenção das moças e incitando a ira dos padres. As procissões e festas religiosas eram propícias para o início dos romances. Como na Quita-Feira Santa, na qual rapazes e moças esperavam o apagar das velas da igreja para se aproximar. No escurinho, trocavam beliscões e pisadelas como forma de afeto.

Para conseguir um bom par valia tudo: as cartas de amor eram recheadas de escritos carinhosos, com “benzinho da minh´alma”. Poemas, mimos e promessas de casamento eram recursos largamente utilizados. Alguns itens curiosos, como acessórios de cozinha, laranja e palmitos, serviam de presentes. Para burlar a vigilância dos pais, recorria-se a moleques de recado que marcavam encontros às escondidas.

Algumas técnicas mais radicais hoje soariam descabidas: feitiçaria, magias e pactos com o demônio não raro aconteciam. Bruxas especialistas nas práticas alcoviteiras eram largamente procuradas. Elas faziam as “cartas de tocar”, papeis escritos contendo o nome da pessoa que seduziam ao simples toque.

Também Deus era útil para se conquistar um par: repetir durante o ato sexual as palavras em latim que o padre dizia na missa teria o efeito de “prender” a pessoa perto de si.

No “namoro de bufarinheiro”, o pretendente agindo como bufarinheiro (mascate), aproveitava as procissões e passava pela janela da moça, distribuindo espertas piscadelas e gestos com as mãos e boca.

Outra prática comum era o “namoro de escarrinho”, no qual o galanteador se colocava sob a janela e começava a fungar, como se estivesse resfriado. Caso a moça respondesse com o mesmo gesto, dava-se início a um ritual pouco higiênico de conquista, regado a tossidas forçadas, narizes assoados e cuspidas no chão. Ninguém proferia uma única palavra.

(Do livro História do Amor no Brasil, de Mary Del Priore)

Em Brasil Almanaque de Cultura Popular,
de Elifas Andreato e João Rocha Rodrigues



domingo, 25 de junho de 2017

Poemas de Cecília Meireles



(7.11.1901 – 9.11.1964)
  
Apresentação

Aqui está minha vida ‒ esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz ‒ esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor ‒ este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança ‒ este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Cecília Meireles, in “Retrato Natural”, 1949.

Madrugada na aldeia

Madrugada na aldeia nevosa,
com as glicínias escorrendo orvalho,
os figos prateados de orvalho,
as uvas multiplicadas em orvalho,
as últimas uvas miraculosas.
O silêncio está sentado pelos corredores,
encostado às paredes grossas,
de sentinela.
E em cada quarto os cobertores peludos envolvem o sono;
poderosos animais benfazejos, encarnados e negros.
Antes que um sol luarento
dissolva as frias vidraças,
e o calor da cozinha perfume a casa
com a lembrança das árvores ardendo,
a velhinha do leite de cabra desce as pedras da rua
antiqüíssima,
e o pescador oferece aos recém acordados
os translúcidos peixes,
que ainda se movem, procurando o rio.

Cecília Meireles, in “Mar Absoluto e Outros Poemas”.

Voo

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos, como negros abutres,
as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós,
em redor de nós as palavras voam.
E às vezes pousam.

Cecília Meireles, in “Melhores Poemas”.

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
‒ não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
‒ mais nada.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
‒ Em que espelho ficou perdida
a minha face?

→ Cecília nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Órfã de pai e de mãe, foi educada pela avó materna, que exerceu forte influência sobre a sua formação. Escreveria mais tarde: “Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano. (…) Vovó era uma criatura extraordinária. Extremamente religiosa, rezava todos os dias. E eu perguntava: ‘Por quem você está rezando?’ ‘Por todas as pessoas que sofrem’. Era assim. Rezava mesmo pelos desconhecidos. A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influíram muito na minha maneira de sentir os seres e a vida”.


(Texto de Bula Revista por Carlos William Leite)


Oração da mulher grávida



Para colocar o filho nas mãos de Deus

Ó Deus eterno, Pai de infinita bondade, que instituístes o casamento para propagar o gênero humano e povoar o Céu, e destinastes principalmente o nosso sexo para essa tarefa, querendo que nossa fecundidade fosse uma das marcas de vossa benção sobre nós, eu me prosterno, suplicante, diante de Vossa Majestade, que eu adoro.

Eu Vos dou graças pela criança que eu levo, à qual Vós destes o ser. Senhor, estendei a Vossa mão e completai a obra que Vós começastes: que Vossa Providência leve comigo, por meio de uma contínua assistência, a frágil criatura que Vós me confiastes, até a hora de sua chegada ao mundo. Nesse momento, ó Deus de minha vida, assisti-me e sustentai minha fraqueza com Vossa mão poderosa. Recebei então Vós mesmo meu filho e guardai-o até que ele tenha entrado, pelo batismo, no seio da Igreja Vossa Esposa, a fim de que ele Vos pertença pelo duplo título da Criação e da Redenção.

Ó Salvador de minha alma, que durante Vossa vida mortal tanto amastes as crianças e tantas vezes as tomastes nos braços, tomai também a minha, a fim de que tendo a Vós por Pai, e Vos chamando seu Pai, ela santifique o Vosso nome e participe de Vosso Reino. Eu Vo-la consagro de todo o meu coração, ó meu Salvador, e a entrego a Vosso amor.

Vossa justiça submeteu Eva e todas as mulheres que nascem dela a grandes dores; eu aceito, Senhor, todos os sofrimentos que vós me destinais nessa ocasião e Vos suplico humildemente, pela santa e feliz concepção de Vossa Mãe Imaculada, que me sejais benigno no momento de dar à luz meu filho, abençoando a mim e a essa criança que Vós me dareis, bem como concedendo-me o Vosso amor e uma inteira confiança em Vossa bondade.

E Vós, bem-aventurada Virgem, Santíssima Mãe de nosso Salvador, honra e glória de nosso sexo, intercedei junto a Vosso Divino Filho a fim de que ele atenda, em sua misericórdia, a minha humilde oração.

Eu Vo-lo peço, ó mais amável das criaturas, pelo amor virginal que tivestes por José, vosso santo esposo, e pelos méritos infinitos do nascimento de vosso Divino Filho. Ó Santos Anjos que sois encarregados de velar por mim e por meu filho, protegei-nos e conduzi-nos a fim de que, pela vossa assistência, possamos um dia chegar à glória da qual vós já gozais, e louvar convosco nosso Senhor comum, que vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amém.

São Francisco de Sales


(Publicado originalmente no blog do Prof. Felipe Aquino)