quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Maneiras de ver a vida

 

Um dia horrível!  

Acordei às oito da manhã de hoje.

Escovei os dentes. Coloquei o terno.

Tomei o café de sempre.

Fui para o trabalho.

Papéis. Assinaturas.

Comprovantes. Carimbo.

Dois telefonemas.

Almoço. Voltei às 13h30min.

Reunião. Cafezinho. Fax.

Problema. Solução. Cliente.

E-mail. Fim do expediente.

Aula de inglês. Presente perfeito.

Cheguei em casa.

Meu filho não tinha dormido.

Faltou luz.

Tivemos que acender a lareira.

Jantei com minha esposa.

Só fui dormir às três da manhã.

 

Um dia maravilhoso!  

Acordei às oito da manhã de hoje.

Escovei os dentes. Coloquei o terno.

Tomei o café de sempre.

Fui para o trabalho.

Papéis. Assinaturas.

Comprovantes. Carimbo.

Dois telefonemas.

Almoço. Voltei às 13h30min.

Reunião. Cafezinho. Fax.

Problema. Solução. Cliente.

E-mail. Fim do expediente.

Aula de inglês. Presente perfeito.

Cheguei em casa.

Meu filho não tinha dormido.

Faltou luz.

Tivemos que acender a lareira.

Jantei com minha esposa.

Só fui dormir às três da manhã.

Texto do CVV – A linha da vida

 

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Dois estudantes na Legalidade

 Alcy Cheuiche*

O trem dá um solavanco, apita e vai avançando com cautela. Paulo e eu abanamos para umas moças da plataforma. E tratamos de procurar lugar, porque a viagem é longa. Porto Alegre a Uruguaiana sempre foi uma lonjura. Mas, neste começo de setembro de 1961, a viagem começa de noite e não dura menos de 24 horas. Algumas a menos para mim, que vou descer em Alegrete. 

Acostumando o corpo com o balanço do trem, vamos avançando pelos vagões lotados. Do lado de fora, a velha Voluntários da Pátria. Do lado de dentro, passageiros sobrando por todos os lados. Lugar em banco, nem sonhando. Todos os cantos atulhados de malas, cestas, gente em pé. Choradeira de crianças. Uma parada brusca atira todos para frente. O que foi? Não foi nada. É a estação de Diretor Pestana, perto do aeroporto. 

Sem bagagem, aproveitamos para descer e ir olhando pelas janelas. Mais gente entrando no trem. Subimos no carro-restaurante e, milagre dos milagres, achamos uma mesa desocupada. 

Uma Brahma e dois sanduíches de mortadela. 

E ficamos por ali. Falando e pensando nos dez últimos dias com o Brizola no Piratini. Dez dias sonhando em levar o Presidente João Goulart até Brasília. Todos, estudantes e operários, principalmente, com revólver na cintura. Nomes registrados no Mata-Borrão. O III Exército firme conosco. Na Brigada, nem se fala. O que foi que faltou? 

Paulo pega o copo e dá um longo gole. Eu seguro a garrafa para não cair. 

− O que faltou? O discurso do Jango. 

− É... Acho que tu tens razão. 

E a imagem triste volta a minha mente. Desde a renúncia de Jânio Quadros, no dia 25 de agosto, Porto Alegre espera pelo João Goulart. O governador Leonel Brizola lutava pela posse do Vice-Presidente desde o primeiro dia. Com alguns poucos fiéis, idealizou a cruzada da Legalidade, que sacudiu o Brasil. Muitos de nós arriscamos a vida quando a FAB recebeu ordem para bombardear o Palácio Piratini. Utilizando a Rádio Guaíba, Brizola liderou a Cadeia da Legalidade dos porões do palácio. Depois de alguns dias de muita tensão, recebeu o apoio do General Machado Lopes e do III Exército, consolidando-se a aliança civil/militar contra o golpe. 

Todos ficamos esperando pelo Jango para levá-lo até Brasília. E as notícias foram-se acumulando. Saiu da China para Paris. Saiu de Paris para Londres. Saiu de Londres para Nova Iorque. Saiu de Nova Iorque para Buenos Aires. Saiu de Buenos Aires para Montevidéu. Saiu de Montevidéu, num tal voo cego da Varig e, finalmente, chegou em Porto Alegre. Agora sim! Como Getúlio Vargas, em 1930, ele assumirá o comando da Revolução, e o povo o colocará no poder. Machado Lopes será Ministro da Guerra. Brizola, o nosso candidato a Presidente na próxima eleição. 

Bueno, então chegou a hora do encontro do povo com o João Goulart. E era gente como formiga na Praça da Matriz. Não sei calcular multidões, mas só vi tanta gente assim, anos depois, numa greve geral, em Paris. 

Os alto-falantes anunciaram que o Presidente iria aparecer numa sacada do palácio. E se fez um silêncio enorme. Milhares de olhos fixos naquele homem vestido com um terno azul amarrotado. Jango abanou para o povo e foi uma ovação. Um delírio de aplausos. E ficamos à espera do discurso. 

− Mas ele não falou. 

− Virou às costas ao povo e sumiu-se dentro do palácio. 

São coisas que a gente não gosta de lembrar, até porque ele pagou caro por isso. O homem tão esperado não voltou mais à sacada. E o povo foi-se dispersando. Muitos falando no conchavo tramado em Montevidéu. O Tancredo Neves estava lá, esperando com sua carta na manga. Levava a proposta dos militares golpistas: Odílio Denys engoliria o Jango em troca do parlamentarismo. E o Tancredo é que governaria como Primeiro-Ministro. Nenhuma tropa poderia mover-se aqui no Sul. 

− E o Brizola? 

− Ficou fora disso tudo. E preveniu o Jango do golpe que vai vir. 

− Por isso não foi com ele na sacada. 

− É isso aí. 

Nesta hora, chega o garçom e nos faz a pergunta temida: 

− Vocês dois vão jantar? 

− Não vamos. 

− Então, paguem e desocupem a mesa. 

Pagamos de cara feia e saímos balançando à procura de lugar. Por sorte, o trem parou e saímos caminhando pelo lado de fora, sem ver nenhum banco livre, pelas janelas. Acabamos subindo ao final do último vagão. Um carro dormitório. Ninguém por perto. Decerto, todos dormindo. 

− Sabes de uma coisa, vou urinar daqui mesmo. 

− Eu também. 

Começada essa operação, não se pode parar de repente. Ms uma lanterna nos iluminou em cheio, e uma voz autoritária exigiu: 

− Parem com isso, você dois aí! 

Paulo puxou do revólver e eu o imitei de imediato. 

− Apaga essa merda! 

A luz se apagou e ouviu-se uma voz sumida: 

− Mijem no mais, companheiros. 

O trem apitou e foi saindo devagar. E nós dois rindo como loucos. Rindo como sabem rir os jovens de vinte anos. Rindo de nós mesmos, da voz assustada do guarda, da nossa Revolução da Legalidade que acabara numa palhaçada. 

Afinal, para alguma coisa serviram as nossas armas. 

********** 

(Do jornal Correio do Povo, 26 de agosto de 2023)

Foto Correio do Povo 

*Alcy José de Vargas Cheuiche é um veterinário, professor e escritor brasileiro, autor de romances históricos, poesias, crônicas e teatro. É autor de obras como “Ana sem Terra” e “Lord Baccarat”. 

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Saúde mental na terceira idade

 Larissa Rosso 

Não existe idade limite para fazer planos e realizar sonhos. Criar novos projetos para a vida ajuda a evitar sensações de ociosidade ou pouca utilidade, muito comuns na faixa etária. 

(...)

Idoso, planeje-se

● É fundamental se sentir útil. 

● Continue aprendendo. 

● Traçar metas e ter objetivos oferece senso de realização e propósito, satisfação pessoal, interações sociais positivas e perspectiva otimista. 

● Estipule pequenos objetivos para o dia, a semana, o mês. 

● Mantenha também planos de médio e longo prazo. 

● Combine atividades físicas e mentais: a vida é muito melhor quando se consegue associar as duas. 

● Tenha uma rede de apoio que lhe permita se sentir engajado, pertencente, motivado, feliz. Esses contatos podem estar em grupos religiosos, academias, clubes de leitura, times de bocha ou carteado.  

(...) 

(Parte da matéria do jornal Zero Hora, gosto de 2023)

domingo, 27 de agosto de 2023

Pequenas histórias de Malba Tahan

 Lenda da Embriaguez

Reza uma lenda antiga que Noé, ao plantar a vinha, regou a terra com o sangue de quatro animais que foram, para este fim, tirados da Arca: o macaco, o leão, o porco e o cordeiro. 

Em consequência desse capricho do patriarca, aquele que se entrega ao vício vergonhoso da embriaguez recorda, forçosamente, um daqueles quatro animais: ou põe-se a fazer esgares e trejeitos de símios; ou fica exaltado e brutal como um leão; ou sonolento como um cordeiro; ou estúpido como um porco. 

Covardia

 

Passeavam dois amigos numa floresta, quando apareceu um urso feroz e se lançou sobre eles. 

Um deles trepou em uma árvore e escondeu-se, enquanto o outro ficava no caminho. Deixando-se cair ao solo fingiu-se morto. 

O urso aproximou-se e cheirou o homem, mas como este retinha a respiração, julgou-o morto e afastou-se. 

Quando a fera estava longe, o outro desceu da árvore e perguntou, a gracejar, ao companheiro:

 - Que te disse o urso ao ouvido? 

- Disse-me que aquele que abandona o seu amigo no perigo é um covarde. 

(Lendas do Céu e da Terra – Malba Tahan)

Pode apostar na musculação

 Portal Edicase

A musculação é uma das físicas polêmicas entre aqueles que apostam em exercícios: alguns amam; outros odeiam. Mas quando praticada regularmente, seus benefícios vão desde a estética até a saúde geral do corpo. 

− Alguns médicos falam, inclusive, do crescimento ósseo, da manutenção e do ganho de massa magra. E citam a importância da atividade física também no controle da ansiedade e da obesidade, na melhora do sono e de aspectos hormonais, entre outros − diz o personal trainer Andrétt Costa. 

Dez motivos para treinar

A seguir confira os principais benefícios da modalidade, de acordo com profissionais de educação física.  

01. ► Previne lesões 

A prática regular de musculação ajuda a prevenir lesões, uma vez que, ao fortalecer os músculos, aumenta a estabilidade, o suporte das articulações, a flexibilidade e a coordenação motora, reduzindo o risco de acidentes. 

− A construção de uma musculatura sólida permite que você desfrute de uma rotina ativa com mais segurança − afirma Lucas Meireles, personal trainer. 

02. Favorece a produção de massa muscular 

Aliada a uma alimentação equilibrada e um descanso adequado, a modalidade torna o crescimento dos músculos propício, permitindo que eles se desenvolvam com mais volume e força. No entanto, é importante adotar uma rotina de treinos bem-estruturada. 

03. Melhora o humor 

A musculação contribui para o bem-estar físico e mental. Por isso, é frequentemente recomendada para reduzir o estresse. 

− Ao se exercitar, você libera endorfina, hormônio relacionado ao prazer e à felicidade. Essa liberação hormonal pode ajudar a melhorar o humor e aumentar a sensação geral de bem-estar − explica Meireles. 

04. ► Fortalece a imunidade 

É comum ouvir pessoas que praticam esse exercício relatarem que ficam menos doentes após o início da atividade. Isso ocorre porque a musculação favorece a circulação sanguínea, o que facilita o transporte de células do sistema imunológico pelo corpo, prevenindo possíveis enfermidades. 

− Os exercícios melhoram a oxigenação dos tecidos e estimulam a liberação de substâncias que fortalecem a resposta imunológica do organismo, tornando-o mais resistente a doenças e infecções − diz o profissional. 

05. ► Aprimora o desempenho sexual 

Entre os benefícios da prática, especialmente quando se fala no público masculino, está o impacto positivo que ela tende a provocar na vida sexual. Estudos indicam que as respostas do organismo também influenciam esse aspecto. 

− A atividade física vai promover melhorias no sistema cardiovascular, ou seja, no coração. Ele é um músculo e, quando você faz exercício de alta intensidade, que o faz bater mais forte, aumenta a circulação sanguínea, que é fundamental para que o homem tenha um apetite sexual aumentado e uma boa ereção − expões o personal trainer Caio Signoretti. 

06. ► Melhora a postura do corpo 

Ao treinar a modalidade, o indivíduo fortalece a musculatura do core (localizada nas regiões abdominal e lombar). 

Dessa forma, oferece mais estabilidade e suporte para a coluna. Isso, consequentemente, favorece a postura corporal, diminuindo as dores nas costas e corrigindo os possíveis desequilíbrios musculares. 

07. ► Ajuda a prevenir diabetes 

De acordo com os profissionais de educação física, pesquisas apontam que o exercício é um método eficaz para melhorar a sensibilidade à insulina, uma vez que ajuda o músculo a não criar resistência à substância, permitindo que o corpo  utilize, de forma eficiente, a glicose. 

Eles reforçam, contudo, que é essencial que se tenha um plano de treinamento adequado à condição específica da pessoa, além de uma alimentação saudável, com acompanhamento médico. 

08. ► Melhora a qualidade do sono 

A prática regular da musculação ajuda a promover um sono mais profundo e reparador, uma vez que a liberação de endorfina durante a atividade promove a sensação de relaxamento do corpo, além de reduzir os níveis de estresse e ansiedade. 

Também melhora o ritmo circadiano (aquele no qual o organismo realiza as suas funções durante o dia). 

− Os exercícios físicos promovem um efeito relaxante no corpo e na mente, reduzindo a tensão e proporcionando uma sensação de tranquilidade, que contribui para uma qualidade de sono aprimorada − lista Lucas Meireles. 

09. ► Alivia os sintomas da depressão 

Essa modalidade, assim como outras formas de exercícios físicos, pode ajudar a reduzir os sintomas da depressão e aumentar o bem-estar mental. Isso porque, além da liberação de endorfina, que favorece a sensação de contentamento, a atividade também melhora a autoestima. 

10. ► Desenvolve o condicionamento 

O condicionamento físico trata-se da capacidade do corpo de realizar atividades com eficiência e, nesse sentido, a musculação apresenta-se como uma ótima aliada, na opinião dos profissionais. 

Eles argumentam que o exercício desenvolve a força, a resistência e a flexibilidade dos músculos e das articulações, permitindo que as pessoas consigam realizar práticas rotineiras com mais facilidade.  

(Do caderno Donna, do jornal Zero Hora, agosto de 2023) 

sábado, 26 de agosto de 2023

Bamburrou*

 Texto de Marcelo Rech

A febre do ouro não é uma doença, mas é como se fosse. O sujeito fica vidrado pela ideia de achar uma pepita e enriquecer de uma hora para outra. Vítimas da febre largam família e emprego para correrem atrás de sua obsessão. Na busca da fortuna, se submetem a tudo: ambientes inóspitos, doenças tropicais e a vizinhança da morte ao mergulharem em rios sem visibilidade ou à tóxica convivência com o mercúrio, usado para separar o ouro. 

A corrida do ouro mais famosa foi a do Klondike, no Alasca, no fim do século 19. Depois que notícias da descoberta chegaram a San Francisco, em 1896, mais de 100 mil garimpeiros se aventuraram no Yukon, onde enfrentavam lama, frio glacial e pistoleiros. Estima-se que apenas 3 mil encontraram alguma pepita, e poucas centenas enriqueceram. O restante viveu uma saga de misérias, porque a febre do ouro é assim − uma grande ilusão que muitas vezes só aprofunda a própria desgraça. 

Aos 28 anos, o jovem tenente Jair Bolsonaro não podia imaginar que um dia chegaria à Presidência da República, mas sonhava com a fortuna do garimpo. 

No início dos anos 1980, após se embrenhar no interior de Saúde, na Bahia, sua ficha na Diretoria de Cadastro e Avaliação do Exército anotava que o oficial dera “mostras de imaturidade ao ser atraído para empreendimento de garimpo de ouro”. Registrava ainda que o tenente demonstrava “excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Bolsonaro foi levado ao Conselho de Justificação do Exército, onde seu superior, o coronel Carlos Alfredo Pellegrino, relatou que tentara fazê-lo desistir, sem sucesso, do garimpo e que havia identificado “sua grande aspiração em poder desfrutar das comodidades que uma fortuna pudesse proporcionar”. 

Em entrevista, o já deputado contou que carregava bateia e peneiras no porta-malas do carro e às vezes estacionava ao lado de um rio para tentar faiscar − achar uma pepita. Dizia ainda que o garimpo estava no sangue. De fato, seu pai, Percy, foi um dos 100 mil garimpeiros de Serra Pelada no auge da mina, pelos idos de 1983. Dez anos mais tarde, como repórter de Zero Hora, conheci Serra Pelada ao lado do fotógrafo Ricardo “Kadão” Chaves. Embora a jazida já estivesse inundada e não detivessem mais direito de lavra, milhares de garimpeiros seguiam por ali, obcecados pela fantasia de bamburrar − topar com uma grande pepita ou um veio de ouro. 

Corta para a atualidade. Bolsonaro vira presidente do Brasil e nesta condição, e só por ela, recebe de presente de outros governos joias, relógios e objetos dourados impensáveis para um militar. Para quem tentou a vida inteira enriquecer no garimpo, despojar-se de seu veio de ouro não é fácil. A febre, recorde-se, é como uma doença. Bolsonaro presidente finalmente bamburrou, mas, como quase sempre ocorre nestas ocasiões, isso também pode ser sua ruína. 

(Do jornal Zero Hora, 27 de agosto de 2023) 

* Bamburrou, quer dizer que encontrou por bambúrrio (por acaso) ouro, diamantes ou outras pedras preciosas, e enriqueceu.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Uma bela crônica do Carpinejar

 Por que amamos tanto a nossa cidade? 

Carpinejar

Se você tem mais de 40 anos, não é possível educar o seu filho como na sua infância. O mundo é outro. 

Não há nem como explicar para ele que você passava o tempo inteiro fora de casa. Voltava unicamente quando escurecia, quando os pais o chamavam para jantar. Os pais gritavam o seu nome da varanda ou da sacada. Você ouvia de onde estivesse. 

Tudo acontecia na rua. No seu quarto, só cabia o beliche. Não tinha espaço para mais nada. Repartia o dormitório com os irmãos. Assim como revezava a bicicleta com eles, era uma para todos. 

Nunca chegávamos aos pais para lamentar que não tínhamos com o que brincar. Não existia tédio. Recebíamos brinquedos exclusivamente no aniversário e no Natal. 

Inventávamos os nossos passatempos com o que havia pela frente. 

Lutávamos de guerra com cabo de vassoura de lança e tampa de lixo de escudo. 

Jogávamos futebol na calçada, com goleiras improvisadas nas portas das garagens. 

Disputávamos taco usando gravetos ou lata de azeite como casinha. 

Montávamos um campeonato de bolinhas de gude no areal mais próximo, saindo dali deserdados ou ricos, sem nenhuma bolita ou com uma nova coleção, conquistada nos arremessos da forquilha entre as pontas do polegar e do indicador. 

Riscávamos as lajes para amarelinha. 

Pulávamos corda coletivamente, esperando a volta completar para nos alinharmos na fila do salto. 

Desafiávamos a altura dos fios de luz com pandorgas. 

Reuníamos em curioso bolinho ao redor de colega que trazia uma novidade na época, que podia ser ioiô, pião, bilboquê, bambolê, elástico. 

Os pais não compravam pacotes de figurinhas. Completávamos os álbuns com bafo no recreio. 

Não havia condomínios fechados, limites de acesso a um local. 

Galgávamos os muros dos vizinhos. Vivíamos em telhados, impulsionados pela escadinha das mãos dos amigos. 

Subíamos em árvores para buscar nossas frutas. Jamais pegávamos compradas na cozinha. 

Andávamos de pés descalços no verão. Tomávamos banhos de mangueira. Bebíamos água da torneira. Ficávamos horas debaixo da chuva escorregando na lama. A gripe fugia de nós. 

Atravessávamos a Capital a pé em bando, desprovidos de troco para o ônibus. Tínhamos que nos virar no contraturno da escola. Os pais já estavam muito ocupados com o trabalho para perder a paciência conosco. 

Sem celular, eles jamais sabiam onde estávamos e não morriam de preocupação. Confiavam em nosso instinto. 

Não perguntávamos aos pais o que deveríamos fazer. Não existia ansiedade. 

Por isso, diferentemente dos jovens de hoje, que são capazes de morar em qualquer lugar, com um poder de maleabilidade e adaptação, sofremos uma dificuldade intraduzível de sair de nossa cidade. 

Somos apegados ao nosso primeiro bairro, presos à cartografia dos passos fundadores e das descobertas da formação. 

Por que amamos tanto a nossa cidade? Foi ela que nos criou. 

********* 

(Do jornal Zero Hora, 25 de agosto de 2023)

Eu tenho um sonho

 Martin Luther King Jr. (1928 – 1968) 

Ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1964

Em 28 de agosto de 1963, mais de 200 mil pessoas se reuniram entre o Monumento de Washington e o Memorial Lincoln na capital dos Estados Unidos para uma demonstração pacífica em prol da luta pelos direitos humanos. O ponto alto foi o discurso proferido pelo Reverendo Martin Luther King Jr., no qual conclamava o povo a trabalhar com fé, pois assim sobreviria uma mudança e algum dia todos seriam julgados não pela cor da pele, mas por seu caráter. 

(Aqui está a parte final do discurso) 

“Digo hoje para vocês, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente arraigado no sonho norte-americano. 

Sonho que este país um dia se levante e passe a viver o significado real de seu credo: “Tais verdades são, para nós, evidentes: que todos os homens são criados em igualdade.” 

Sonho que um dia, sobre as colinas avermelhadas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos donos de escravos possam se sentar juntos à mesa da fraternidade. 

Sonho que um dia, até mesmo o estado do Mississipi, um deserto sufocante do calor da injustiça e opressão, venha a ser transformado num oásis de liberdade e justiça. 

Sonho que meus quatro filhos um dia vivam num país onde não serão julgados pela cor da pele, mas por seu caráter. 

Eu tenho um sonho hoje. 

Sonho que um dia o estado do Alabama, cujo governador tem nos lábios as palavras da intervenção e da anulação se transformar numa situação onde criancinhas negras possam andar juntas e de mãos dadas com as brancas, como crianças irmãs. 

Eu tenho um sonho hoje. 

Sonho que um dia todos os vales sejam exaltados, todas as colinas e montanhas sejam igualadas em um só nível, todos os terrenos ruins sejam cuidados, todas as áreas deformadas sejam endireitadas, a glória do Senhor seja revelada e todos os seres vivos a encontrarem juntos. 

É essa a nossa esperança. É essa a fé com que volto para o Sul. Com ela poderemos escavar da montanha do desespero a pedra da esperança. Com ela poderemos transformar a discórdia dissonante de nosso país numa bela sinfonia de fraternidade. 

Com essa fé conseguiremos trabalhar juntos, orar juntos, lutar juntos, ir presos juntos, unirmo-nos em prol da liberdade juntos, sabendo que um dia seremos livres. 

Será esse dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado: “Meu país é de vocês, doce terra de liberdade, por vocês eu canto. Terra onde meu pai morreu, terra do orgulho dos Peregrinos, em todas as encostas, que soe a liberdade.” 

E se os Estados Unidos hão de ser um grande país, é preciso que isso se torne realidade. Pois que soe a liberdade nas pródigas colinas de New Hampshire. Que soe a liberdade nas grandiosas montanhas de Nova York. Que soe a liberdade nos altivos montes da Pensilvânia! Que soe a liberdade nos picos nevados das Montanhas Rochosas do Colorado! Que soe a liberdade nos montes curvilíneos da Califórnia. Mas que não seja só isso: que soe a liberdade na Montanha da Pedra na Geórgia! Que soe a liberdade nas montanhas do Tennessee! Que soe a liberdade em todas as colinas e recantos do Mississipi. Em todas as encostas, que soe a liberdade. 

Se deixarmos que soe a liberdade, se a deixarmos soar em todos os vilarejos e povoados, em todos os estados e em todas as cidades, conseguiremos antecipar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, semitas e não semitas, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras do antigo spiritual dos negros: “Livres, finalmente! Livres, finalmente! Graças a Deus Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!” 

 

O texto completo está em:

O Livro das Virtudes”, 

uma antologia de William J. Bennett.

Editora Nova Fronteira

Interrogatório

 

A sala quente e já quatro horas naquele batido. Era a sexta testemunha: 

- Seu nome? 

- Quem? Eu? 

- Sim, o seu nome? 

- Joaquim. 

- Joaquim de quê? 

- Teixeira. Teixeira da Conceição. Joaquim Teixeira da Conceição. 

- Brasileiro? 

- Quem? Eu? 

- Sim, naturalmente: o senhor. 

- Sou, sim senhor. 

- Nasceu em que Estado? 

- Quem? Eu? 

O Juiz ia esquentando por dentro que nem caldeira. Forçou a calma. 

- Idade. Quantos anos têm? 

- Quem? Eu? 

Explodiu, lá da cadeira, o Juiz: 

- Não! Não é o senhor não. Eu! 

O homenzinho olhou imperturbável. Reparou bem. Deu de ombros, depois falou: 

- Como é que eu posso saber a idade do senhor, doutor?

 **********  

(Newton Braga em Poesia e Prosa, Editora do Autor, Rio de Janeiro)

Gêneros literários

 

1. Quanto à modalidade: 

Um texto pode apresentar-se em dois modos diferentes: 

a) em prosa (linguagem corrente, com ritmo linguístico); 

b) em verso (linguagem compassada, com ritmo musical); 

A divisão antiga de “prosa e poesia” não se aceita mais, tanto pode haver poesia na prosa como no verso. Aliás, há muita prosa com poesia e muito verso sem qualquer poesia. 

Confrontem os dois textos: 

“Toda criança traz, ao nascer, a mensagem de que Deus ainda não perdeu a confiança nos homens.”  → (Pensamento persa)

(Pequeno texto em prosa com poesia.) 

“Veja ilustre passageiro,

O belo tipo faceiro

Que o senhor tem a seu lado

E no entanto acredite,

Quase morreu de bronquite,

Salvou-o o "Rum Creosotado”. → (Anúncio de bondes)

(Pequeno texto em versos sem poesia.) 

2. Quanto ao tipo: 

Os gêneros literários, quanto ao tipo, podem ser: 

a) Expositivo: 

I.    descritivo (sequência de aspectos) 

II.   narrativo (sequência de fatos) 

III.  dissertativo (sequência de opiniões) 

b) Representativo (anteriormente chamado de dramático, nomenclatura muito perigosa, devido ao sentido moderno de dramático − Teatro e congêneres). 

c) Divagativo: (crônicas, poemas, indagações filosóficas, etc.) 

3. Quanto ao conteúdo: 

a) Lírico (sentimento, subjetivismo, individualismo); 

b) Épico (episódios grandiosos, forma narrativa, impessoal); 

c) Dramático (representativo, dialogado). 

04. Quanto à espécie: 

I.   Épico     (Epopeia, Poema heroico, Tragédia); 

II.  Lírico    (poemas de sentimento: Ode, elegia, balada, rondó, etc.; 

III. Satírico (Sátiras, Farsas, crônica satírica); 

IV. Misto    (Romance, Novela, conto, crônicas, cartas, Biografia).

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Introdução ao estudo da gramática

 

Linguagem é a faculdade que o homem tem de se exprimir e comunicar por meio da fala. 

Cada povo exerce essa capacidade através de um determinado código linguístico, ou seja, utilizando um sistema de signos vocais distintos e significativos, a que se dá o nome de língua ou idioma. 

Criação social da mais alta importância, a língua é por excelência o veículo do conhecimento humano e a base do patrimônio cultural de um povo. 

A utilização da língua pelo indivíduo denomina-se fala. A fala nasce da inelutável necessidade humana de comunicação. 

A língua não é um sistema inatingível, imutável; como toda criação humana, está sujeita à ação do tempo e do espaço geográfico, sofre constantes alterações e reflete forçosamente as diferenças individuais dos falantes. Dai a existência de vários níveis de fala: culta, popular, coloquial, etc. 

A história, o registro e a sistematização dos fatos de uma língua constituem matéria da Gramática: 

A Gramática Histórica estuda a origem e a evolução de uma língua, acompanhando-lhe os passos desde o seu alvorecer até a época atual. 

► A Gramática Normativa enfoca a língua como é falada em determinada fase de sua evolução: faz o registro sistemático dos fatos lingüísticos e dos meios de expressão, aponta normas para a correta utilização oral e escrita do idioma, em suma, ensina a falar e escrever a língua-padrão corretamente. 

De acordo com os diferentes aspectos sob os quais se podem encarar os fatos linguísticos, divide-se a Gramática em cinco partes distintas: 

1. Fonética 

2. Morfologia 

3. Sintaxe 

4. Semântica 

5. Estilística 

1. ► Fonética é o estudo dos sons da fala. Considera a palavra sob o aspecto sonoro e trata: 

a) dos fonemas: como se produzem, classificam e agrupam (Fonologia); 

b) da pronúncia correta das palavras, ou seja, da correta emissão e articulação dos fonemas (Ortoépia); 

c) da exata acentuação tônica das palavras (Prosódia); 

d) da figuração gráfica dos fonemas ou a escrita correta das palavras (Ortografia). 

2. ► Morfologia ocupa-se das diversas classes de palavras, isoladamente, analisando-lhes a estrutura, a formação, as flexões e propriedades. 

3. ► Sintaxe objetiva o estudo das palavras associadas na frase. Examina: 

a) a função das palavras e das orações no período (Análise Sintática); 

b) as relações de dependência das palavras na oração, sob o aspecto da subordinação (Sintaxe de Regência); 

c) as relações de dependência das palavras sob o ângulo da flexão (Sintaxe de Concordância); 

d) a disposição ou ordem das palavras e das orações no período (Sintaxe de Colocação). 

4. ► Semântica tem como objetivo o estudo da significação das palavras. Pode ser descritiva ou histórica. 

5. ► Estilística trata, essencialmente, do estilo, ou seja, dos diversos processos expressivos próprios para sugestionar, despertar o sentimento estético e a emoção, resume-se no que chamamos de Figuras de Linguagem.



Regras do emprego da vírgula

 

SP C = Sujeito − Predicado − Complemento → (Tudo que vier depois do verbo.)

A) Dentro da oração (uma só oração − um só verbo = período simples) 

1. Isolando o ► aposto 

Ex. Nós, professores, queremos o progresso dos alunos. S,  ,P C. 

2. Isolando o ► vocativo 

Ex. Vós, moços, sois o futuro do país. S,  ,P C. 

Ex. Moços, vós sois o futuro do país.   , S P C. 

Ex. Vós sois o futuro do país, moços. S P C,   .  

3. Isolando o ► adjunto adverbial deslocado 

Ex. Joana, temporariamente, recusou a proposta. S,  ,P  C. 

Ex. Amanhã, eu viajarei à Bahia a negócios.  , S P C. 

4. Isolando as ► conjunções deslocadas 

Ex. Ele teve, contudo, certos interesses. S P,   ,C. 

Ex. Isso, entretanto, não foi útil. S,   , P C. 

5. Isolando os termos ou as expressões ► explicativas ou corretivas

Ex. Sairemos amanhã, aliás, depois de amanhã. S P,   , C. 

Ex. Marina, digo, Maria adormeceu em seguida. S,   ,S P C. 

Ex. O carro parou, isto é, enguiçou. S P,   , C. 

6. Isolando o ► nome do lugar nas data

Ex. Porto Alegre, 10 de setembro de 2010. 

7. Separando os ter­mos coordenados e ► dispostos em enumeração

Ex. Convidamos o mestre, a esposa, alunos, alunas, amigos e filhos. 

Ex. A pera, a maçã, a goiaba são frutas gostosas. 

B) Dentro do período (mais de uma oração / mais de um verbo = período composto) 

1. Isolando as orações ► subordinadas adjetivas explicativas

Ex. Os velhos, que são seres humanos, merecem respeito. S, (SPC), P C. 

Ex. O leão, que é feroz, é um animal da África. S, (SPC), P C. 

2. Isolando as orações ► intercaladas

Ex. Eu, disse o mestre, não concordo. S, (SPC), P C. 

Ex. Isto, gritei bem alto, é mentira! S, (SPC), P C. 

Ex. Marina, creiam, é torcedora do Internacional! S, (SPC), P C. 

3. Separando as orações ► subordinadas adverbiais

Ex. Desde que não aceitem o pedido, sairemos daqui. SPC, S P C. 

4. Separando as orações ► coordenadas sindéticas (*) 

Ex. Eu quero tua companhia, mas eu não preciso dela. S P C, (c) S P C 

(*) (com síndeto = com conetivo = com conjunção) 

5. Separando as orações ► coordenadas sindéticas (ligadas por e) (menos com sujeitos iguais). 

Ex. O menino caiu, e os amigos vieram ajudá-lo. (sujeitos diferentes) S P C, (e) S P C. 

Obs.: (O menino caiu e gritou.) → (sujeitos iguais − sem vírgula) 

6. Separando as orações ► coordenadas assindéticas (*) 

Ex. Eu cheguei, entrei, olhei, sentei. S P C, S P C, S P C, S P C. 

(*) (sem síndeto = sem conetivo = sem conjunção) 

7. Indicando a ► elipse* do verbo (verbo subentendido) 

Ex. Tu preferes cinema; e eu, (prefiro) teatro. S P C; S, C. 

Ex. Mário joga dominó; e Marina, (joga) xadrez.  S P C; S, P C. 

P.S. O ponto e vírgula se justifica, pois as duas orações têm sujeitos diferentes: na primeira oração: Mário. Na segunda, Marina. A vírgula indica a elipse do verbo. 

*Elipse, num enunciado, é a supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto linguístico ou pela situação. 

NSM