quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Era uma vez uma choupana

 Machado de Assis

A história do casamento de Maria Benedita é curta; e, posto Sofia a ache vulgar, vale a pena dizê-la. Fique desde já admitido que, se não fosse a epidemia das Alagoas, talvez não chegasse a haver casamento; donde se conclui que as catástrofes são úteis, e até necessárias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em criança, e que aqui lhes dou em duas linhas. 

Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona − um triste molambo de mulher − chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão. Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela. 

− É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo. 

− Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto. 

O padre que me contou isto certamente emendou o texto original, não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias. Bom Padre Chagas! − Chamava-se Chagas − Padre mais que bom, que assim me incutiste por muitos anos essa idéia consoladora, de que ninguém, em seu juízo, faz render o mal dos outros; não contando o respeito que aquele bêbado tinha ao princípio da propriedade,  − a ponto de não acender o charuto sem pedir licença a dona das ruínas. Tudo ideias consoladoras. Bom Padre Chagas! 

Trecho do livro “Quincas Borba” (1891)

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