quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Uma pulga na camisola

Max Nunes


Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, era só sentar-se nele. 

A prova de que o balé dá sono na plateia é que os artistas entram sempre na ponta dos pés. 

Não é que as moças de hoje sejam mais bonitas. É que as de ontem já deixaram de ser. 

O caqui não passa de um tomate diabético. 

Quem pede a palavra nem sempre a devolve em condições. 

No Nordeste, a seca é tão braba que são as árvores que correm atrás dos cachorros.

O jipe é o maior esforço feito pelo homem para chegar à mula mecanizada.

O casamento é como a pessoa que quer tomar um copo de leite e compra uma vaca. 

O casamento é o único jogo que acaba mal sem que ninguém ponha a culpa no juiz. 

Os homens casados se dividem em três categorias: os polígamos, os bígamos e os chateados. 

Com as ruas esburacadas desse jeito, é preciso ser muito virtuoso para não dar um mau passo. 

O difícil de confundir alhos com bugalhos é que ninguém sabe o que são bugalhos. 

O motivo pelo qual o povo não consegue mais comer de garfo e faca é que há muita gente comendo de colher... 

Já tinha oito anos e não bebia uísque, não dançava rock e não fumava maconha. Era um retardado mental.

Democracia é aquele regime pelo qual qualquer cidadão pode ser presidente da República, menos eu e você, naturalmente. 

Duplicata é uma coisa que sempre vence. Nunca empata. 

Houve um tempo no Brasil em que ninguém tinha dinheiro. É hoje. 

Há casais que se detestam tanto que não se separam só pra um não dar esse prazer ao outro. 

O eleitor, obrigatoriamente, tem que ser qualificado. O candidato, não. 

Personalidade é aquilo que uma pessoa tem quando não está precisando do emprego. 

Algumas mulheres são tão feias que deviam processar a natureza por perdas e danos. 

Quando a mãe informou aos filhos que ia conferir um prêmio ao mais obediente da casa, todos gritaram ao mesmo tempo: “É o papai!”. 

Ah, o que seria do governo se o povo pudesse falar pela boca do estômago! 

Já foi o tempo em que a união fazia a força. Hoje a União cobra os impostos e quem faz a força é você. 

A prova de que tudo subiu de preço é que até uma coroa já é cara.

Uma camisa nova tem sempre um alfinete além daqueles que você já tirou.

Opinião é uma coisa que a gente dá e, às vezes, apanha.

Na praia é que a gente nota que esse negócio de vacina pega mesmo.


Max Nunes nasceu no Rio de Janeiro, em 1922 e faleceu na mesma cidade em 2014. Médico, acabou se tornando um dos maiores humoristas brasileiros. Criador do famoso programa “Balança, mas não cai”, da década de 50, na Rádio Nacional, passou pelo Diário da Noite e Tribuna da Imprensa, foi um dos produtores do programa do Jô Soares.

As pérolas acima foram extraídas de “Uma pulga na camisola ‒ O máximo de Max Nunes”, Companhia das Letras ‒ São Paulo, 1996, págs. diversas, seleção e organização de Ruy Castro.

Os três leões

 

Era uma vez uma floresta... 

Um dia, o macaco, representante eleito dos animais, fez uma reunião com toda a bicharada da floresta e disse: 

- Nós sabemos que o leão é o Rei dos Animais, mas há um problema. Existem três leões. Ora, a qual deles nós devemos prestar homenagem? Qual, dentre eles, deverá ser nosso rei? 

Os três leões comentaram entre si: 

- É verdade, uma floresta não pode ter três reis. Precisamos decidir qual de nós será o rei. 

Mas como fazer? 

Essa era a grande questão: lutar entre si eles não queriam, pois eram muito amigos. 

O impasse estava formado. 

- Bem, senhores leões, a solução está na Montanha Difícil. Decidimos que vocês três deverão escalar a montanha, e aquele que atingir o pico primeiro, será consagrado rei. 

A Montanha Difícil era a mais alta entre todas naquela imensa floresta. 

O desafio foi aceito. No dia combinado, milhares de animais cercaram a montanha para assistir à grande escalada. 

O primeiro tentou. Não conseguiu. 

O segundo tentou. Não conseguiu. 

O terceiro tentou. Não conseguiu. 

Os animais estavam curiosos e impacientes. Afinal, qual dos leões seria o rei uma vez que os três foram derrotados? 

Foi nesse momento que uma águia, idosa e de grande sabedoria, pediu a palavra. 

- Eu sei quem deve ser o rei! Voava sobre eles e escutei o que disseram para a montanha, ao se verem derrotados por ela. 

O primeiro leão disse: 

- Montanha, você me venceu! 

O segundo leão disse: 

- Montanha, você me venceu! 

O terceiro leão também disse: 

- Montanha, você me venceu... por enquanto! 

E a águia completou: 

- A diferença é que o terceiro leão teve uma atitude de vencedor diante da derrota. E quem pensa assim é maior que seu problema. É rei de si mesmo. Está preparado para ser Rei dos Animais. 

Os animais aplaudiram entusiasticamente o terceiro leão, que foi coroado rei da floresta. 

As “Montanhas Difíceis” sempre estarão em seu caminho, e sempre lhe parecerão intransponíveis. Uma atitude positiva diante das dificuldades é a diferença que faz a diferença. 

Uma montanha não tem mente, alma, espírito. Você tem! Ela só o vencerá se você deixar. 

Lembre-se: uma montanha tem altitude. Você tem atitude. Você é maior que todos os seus problemas!

Histórias brejeiras

 O mundo é dos espertos

O camarada chegou a uma joalheria e foi logo comprando uma joia de 50 mil reais para uma mulher gostosa e lindíssima que estava ao seu lado, pagando a conta com um cheque. O vendedor ficou meio preocupado, pois era a primeira vez que via aquele cliente e a conta dele fora aberta recentemente. O cliente foi logo dizendo:

- Vejo que você está pensando que o cheque pode não ter fundos, não é? Tudo bem. Vamos fazer o seguinte, hoje é sexta-feira e o banco já fechou. Você fica com o cheque e com a joia. Na segunda-feira, você vai ao banco, pega o dinheiro e manda entregar a joia lá na minha casa, ok? 

O vendedor ficou mais aliviado. 

Na segunda-feira, não deu outra: o cheque não tinha fundos e o vendedor ligou para o cliente, o qual respondeu: 

- Cancela a compra e pode rasgar o cheque. Já transei com a mulher... 

§ § §

 O falso louco

No corredor de um asilo, um homem chama o visitante até a porta da cela: 

- Meu bom homem, olhe para mim. Eu pareço louco? 

- Não, de jeito nenhum. 

- E não sou. Juro que não sou. Estou aqui por engano. Por favor, quando o senhor sair daqui, fale com o diretor. Diga a ele sobre a injustiça que estão cometendo comigo. Eu sinto que eles ouvirão suas palavras. 

- Farei tudo pelo senhor – disse o homem impressionado com a lucidez do pobre encarcerado. 

- O senhor fala com o diretor? 

- Falo. Pode estar certo de que falo. Vou dar uma volta pelo hospício, quando sair, falo com ele. 

- Muito obrigado, senhor! Muito obrigado!

O visitante vai se afastando, quando, de repente, um enorme tijolo arremessado com a maior força acerta o alto do seu coco. Ele se volta para trás assustadíssimo e vê o homem lá na grade balançando o dedinho pra ele e falando: 

- Não vai esquecer, hein!... 

§ § §

O sujeito está num bar bebendo com os amigos, quando uma moça, vestida de noiva, vai ao seu encontro. Ele diz a ela: 

‒ Era hoje?

§ § §

Outros dois amigos também conversam em outra mesa. Diz um deles: 

‒ Acho que a minha namorada está grávida... 

O outro consola o amigo: 

‒ Pensa pelo lado positivo, pode ser que o filho nem seja teu... 

§ § § 

O sujeito, num bar lotado, puxa conversa com uma moça desacompanhada: 

‒ Oi, gata, posso te pagar uma bebida? 

Responde a garota: 

‒ Esquece a bebida, gato, vamos ganhar tempo... você não prefere ir pra sua casa? 

Responde o cara: 

‒ Sim, claro, ótima ideia! 

Devolve a moça: 

‒ Então vai, tchau!

§ § §

Um sujeito vai ao seu psiquiatra e conta o seguinte sonho: 

‒ Doutor, todas as noites eu tenho o mesmo sonho, que é assistir a formigas jogando futebol. Já faz um mês que sempre acontece a mesma coisa. Eu já não aguento mais! 

O médico, então, diz ao paciente: 

‒ Vou lhe recitar um remédio, para tomar hoje à noite, que irá acabar de uma vez com esse sonho maluco. 

Responde o paciente: 

‒ Puxa, doutor, logo hoje na final do campeonato? 

§ § §

Uma tartaruga foi assaltada por uma quadrilha de lesmas. Chegando à delegacia, o delegado quis saber com foi: 

- Conte-me, senhora tartaruga, como aconteceu o assalto? 

- Não sei chefe. Não sei mesmo. Foi tudo tão rápido!

§ § §

Rapaz do interior se dirige a uma cartório para registrar um filho. 

O atendente pergunta o nome da criança: 

‒ Édson ‒ responde o pai. 

‒ Nasceu quando? ‒ Indaga o empregado. 

‒ Não nasceu ainda, só daqui a seis meses. 

Aí o atendente diz que não pode registrar o seu filho, e que volte só quando nascer o bebê. 

Passa o tempo, o rapaz volta ao cartório para fazer o devido registro de nascimento. 

Pergunta novamente o atendente: 

‒ Qual é mesmo o nome da criança? 

‒ Pelé – responde o pai. 

‒ Como assim? Não era Édson? 

‒ Édson era antes do nascimento!

§ § §

Uma mulher entra em uma farmácia com cara de preocupação e pergunta para o atendente: 

‒ Tem pílula do dia seguinte? 

‒ Senhora, pílula do dia seguinte só terei amanhã!

§ § §

Os asteriscos ( *** ) resolveram fazer uma festa particular. Alguém bate na porta. O asterisco vê que é um ponto ( . ) e diz: 

‒ Cara, a festa é só para asteriscos! 

O ponto, então, responde: 

‒ Pô! Não tá me reconhecendo, meu? É que eu passei gel. 

§ § §

Eu fui apresentar a minha garota para a minha mãe. Quando cheguei lá, ela disse: 

‒ Você não podia escolher coisa melhor? 

‒ Mãe, ela é a minha namorada! 

‒ Não estou falando com você, estou falando com a moça!

§ § §

Dois antigos amigos se encontram por acaso: 

‒ Grande Zeca! Que bom te encontrar hoje, pois eu preciso um pequeno favor teu. Eu preciso urgentemente de duzentos reais. 

‒ Sinto muito, Juca, mas nunca ando com muito dinheiro na carteira. 

‒ E em casa? 

‒ Em casa estão todos muito bem, graças a Deus!

§ § §

Seu Edibar, consultando com seu médico, que faz a ele a seguinte pergunta: 

‒ Numa escala de 1 a 10 como você avalia a sua memória? 

‒ Numa escala de 1 a quê? 

‒ A 10! 

‒ Qual era mesmo a pergunta?

 § § §

Fui ao meu banco, pois tinha que tratar de um assunto com um funcionário. Na mesa dele havia uma pilha de dinheiro. 

Perguntei a ele: 

‒ Esse dinheiro é do banco? 

Respondeu-me: 

‒ Isso não é da sua conta!

******* 

Dois amigos conversam na mesa de um boteco. Desabafa um deles: 

‒ Minha mulher me abandonou, agora a casa está completamente vazia. 

‒ Pela ausência dela? 

‒ Não, é que ela levou todos os móveis...

*******

Duas amigas conversam num bar. Diz uma delas:

‒ Abandonei meu marido quando o flagrei num jogo de pôquer!

‒ Ele tinha um “Ás” na manga? 

‒ Não! Tinha uma “Dama” no colo...

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Secretária eletrônica escolar

 

Esta é a mensagem que os professores e direção de uma escola da Califórnia decidiram gravar na secretária eletrônica da escola. 

A escola exige dos alunos e dos pais responsabilidade pelas faltas dos estudantes e pelo trabalho de casa. A escola e os professores estão sendo processados por pais que querem que seus filhos sejam aprovados mesmo com muitas faltas e sem fazer os trabalhos escolares. 

Aqui vai a mensagem gravada: 

- Olá! Para podermos ajudá-lo, por favor, ouça todas as opções:

- Para mentir sobre o motivo das faltas do seu filho: tecla 1

- Para inventar uma desculpa para seu filho não ter feito o trabalho de casa: tecla 2

- Para se queixar sobre o que nós fazemos: tecla 3

- Para insultar os professores: tecla 4

- Para reclamar que não foi informado sobre os problemas do seu filho, quando na verdade lhe enviamos documentos diversas vezes: tecla 5

- Se quiser que criemos o seu filho: tecla 6

- Se quiser agarrar, esbofetear ou agredir alguém: tecla 7

- Para pedir um professor novo, pela terceira vez este ano: tecla 8

- Para se queixar do transporte escolar: tecla 9

- Para se queixar da alimentação fornecida pela escola: tecla 0 

- Se você já compreendeu que este é o mundo real e que seu filho deve ser responsabilizado e responsável pelo próprio comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelas tarefas de casa, e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, desligue e tenha um bom dia!

Oração do Lavrador

 Gilberto de Castro Rodrigues

Abençoa, ó Terra querida,

as mãos que lhe deposita os grãos. 

Louva, ó Terra bendita,

a alma que lhe fecunda o ventre. 

Suporta, ó Terra querida!

o corte que lhe faz o broto. 

Acolhe, ó Terra bendita,

o rasgo que lhe faz a raiz. 

Ampara, ó Terra querida,

o tronco que lhe pede sustento. 

Regozija, ó Terra bendita,

com as flores que lhe enfeitam o chão. 

Amadurece, ó Terra querida,

o fruto da gesta do pão. 

Exalta, ó Terra bendita,

os pés que lhe colhe os frutos. 

Repousa, ó Terra querida,

da gestação e da nossa vida. 

Abençoa, ó Terra bendita,

a alma que sacia a tua lida. 

Louva, ó Terra querida,

o lavrador na oração de cada manhã. 

Abençoada e louvada seja,

sagrada terra do sertão. 

Peço licença entoando essa canção

pra humildemente lhe depositar essa semente. 

O pão nosso de cada dia

é o bendito fruto do vosso ventre. 

Perdoa, ó Terra, nós pecadores,

por nos deixarmos cair em tentação. 

Perdoa-nos, ó Mãe Terra,

por lhe trairmos nas depredações. 

Acolhe em teu ventre a insensatez humana,

perdoa-nos e faça florir nossos áridos corações. 

Abençoada e louvada seja

a sagrada terra do sertão. 

Abençoada e louvada seja

abençoada e louvada seja, amém.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Num bar de Porto Alegre

De uma época pré-cartão e pré-pix

Já amanhecendo, quatro amigos, já pra lá de Bagdá... 

Fala um deles para o garçom: 

‒ Chefia, traz a saideira! 

Outro, já aproveitando o embalo: 

‒ Aproveita e traz também a “dolorosa”! 

O garçom traz quatro chopes e a conta. 

Um deles pega a conta e diz: 

‒ Barbaridade, tchê, deu 160 pilas! 

Um deles adverte, preocupado: 

‒ Guris, notaram que no caixa há um cartaz dizendo: “Não aceitamos cheques”. 

Outro, já meio caneado e mais prático, sussurra: 

‒ Vai dar 40 pilas pra cada um... Vamô lá, indiada! 

Fala um meio sonolento: 

‒ Eu dou 50 pilas e quero troco. 

Fala outro: 

‒ Eu só tenho 30 pilas. 

Vendo que os outros dois continuam beber tranquilamente, um deles fala grosso: 

‒ Vocês não se façam de salame. Vão logo, comecem a se coçar, que eu não sou pai de cascudo! 

O mais calmo também não se contém: 

‒ Vocês estão pensando que rabo de porco é saca-rolha? Que focinho de porco é tomada? E por acaso vocês têm escorpiões nos bolsos? Vamos logo, piazada, mostrem as carteiras!

Um deles mexe na carteira e põe na mesa 20 pilas: 

O mais velho, já puto da cara: 

‒ Não me vem com perna de anão! Tem que ser 40 pilas! 

Depois de alguns minutos, conseguem, entre três amigos, a quantia de 110 pilas. 

Fala um deles: 

‒ Zeca, acerta a minha que depois eu acerto contigo...

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

História da bossa nova

 Sóstenes Pernambuco Pires Barros 

O que é “Bossa”? Por que “Bossa Nova”? 

Onde, quando e como tudo começou? 

A palavra ‛bossa’ era um termo da gíria carioca que, no fim dos anos cinquenta, significava ‛jeito’, ‛maneira’, ‛modo’. Quando alguém fazia algo de modo diferente, original, de maneira fácil e simples, dizia-se que esse alguém tinha ‛bossa’. Se o Ricardo desenhava bem, dizia-se que tinha ‛bossa de arquiteto’. Se o Paulo escrevia, redigia bem, tinha ‛bossa de jornalista’. E a expressão ‛Bossa Nova’ surgiu em oposição a tudo o que um grupo de jovens achava superado, velho, arcaico, antigo. Sim, mas o quê era julgado superado e velho, na música popular brasileira? ‛Tudo’, dizia a mocidade bronzeada de Copacabana. 

A tristeza e melancolia das letras, a repetição dos ritmos abolerados e dos sambas-canção; era tudo a mesma coisa, não obstante os grandes cantores da época: Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carlos Galhardo. Lindas valsas e serestas? Sim, e daí? Daí é que algo tinha de ser feito. 

Diferentes harmonias, poesias mais simples, novos ritmos. ‒ Ritmo é batida, como do relógio, do pulso, do coração. E Bossa Nova é batida diferente do violão, poesia diferente das letras, cantores diferentes dos mestres. A Bossa Nova não seria melhor nem pior. Seria completamente diferente de tudo, mais intimista, mais refinada, mais alegre, otimista. Diferente. Não começou especificamente num lugar, numa rua, num evento, num Festival. A rigor, ela não é nem um gênero musical. É o tratamento que se dá a uma música, em termos de ‛batida’ e de ritmo. 

O primeiro grande marco inicial da Bossa Nova aconteceu em primeiro de março de 1958,quando João Gilberto cantou, com a batida de violão diferente, ‛Chega de Saudade’, posteriormente gravada por Eliseth Cardoso, no disco “Canção do amor demais”. Em 1956, ninguém falava em Bossa Nova, mas o apartamento onde morava Nara Leão, no Edifício Palácio Champs Elysée, em frente ao Posto 4, já era ponto de reunião dos rapazes bronzeados de Copacabana: Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e outros. Não se compunham músicas ali. Ouviam-se. E trocavam ideias. 

Só no ano seguinte, em 1957, João Gilberto chegou ao Rio e, certa noite, foi à casa de Roberto Menescal, na Galeria do mesmo nome, em Copacabana. E aconteceu o grande encontro: O ritmo encontrou a música e a poesia.


 (Foto de Nellie Solitrenick – Veja)

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Oração por um homem que perdeu seu rumo

 Deus esteja presente.

Senhor,

Vês a folha morta de outono,

levada daqui pelo vento,

e que a ninguém serve,

pois nem a si mesma pertence?

Poderia ainda ser bela,

mas, misturada à poeira

e sob os pés dos passantes,

perdeu toda a poesia. 

Assim é meu amigo, Senhor.

Entregue ao desamor de si mesmo,

é menos que a folha de outono,

pois esta cumpriu seu destino

e cede agora lugar a viçosos brotos,

enquanto meu amigo não chegou ao fim do seu.

Barco sem bússola e sem leme,

seu coração está disperso. 

Tenha ele, Senhor,

noites claras de estrelas e constelações,

para, afinal, encontrar o próprio norte.

Soprem-lhe ventos favoráveis e vozes amigas.

Apazigúem-se as águas de seu destino,

e seja seguro o porto que ancorará seus sonhos. 

Permite, Senhor,

que os anjos embalem-lhe o sono

com canções de doçura,

para o necessário e inadiável repouso.

E sejam suas canções como carícias.

Sofre o homem que perdeu a saúde do corpo.

Mas maior é o sofrimento daquele cuja mente adoece.

O primeiro pode ainda servir ao outro e a si,

e não se dissociou do mundo.

Mas o que perde a lucidez é marginalizado,

e sua vida se esvazia de sentido. 

Intercede, Senhor, por meu amigo que sofre.

Que se abram portas e janelas da casa de seu espírito

para que nela entre o sol,

e a luz prevaleça sobre suas sombras.

Que assim seja. 

(Do livro “Orações para pessoas de todos os credos”,

de Neila Tavares)

O Popular

 Texto de Luis Fernando Veríssimo

Um número recente da “Veja” trazia fotografias sensacionais das (como diria um inglês) “incomodações na Irlanda do Norte. Todas eram de ganhar prêmio, mas uma me impressionou especialmente. Nela aparecia a versão irlandesa do Popular. 

É uma figura que sempre me intrigou. A foto da “Veja” mostra um soldado inglês espichado na calçada, protegido pela quina de um prédio, o rosto tapado por uma máscara de gás, fazendo pontaria contra um franco-atirador local. Atrás dele, agachados no vão de uma porta, dois ou três dos seus companheiros, também em plena parafernália de guerra, esperam tensamente para entrar no tiroteio. Há fumaça por todos os lados, um clima de medo e drama. Mas ao lado do soldado que atira, em primeiro plano, está o Popular. De pé, olhando com algum interesse ao que se passa, com as mãos nos bolsos e um embrulho embaixo do braço. O Popular foi no armazém e na volta parou para ver a guerra. 

Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas incomodações políticas, no tempo em que ainda havia política no Brasil, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Chequei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular apareceria assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República... Sempre com seu embrulho embaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças (o Popular irlandês veste terno e sobretudo contra o frio. O Popular tropical e muito mais Popular). 

Não se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é o que fica assistindo à sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos no bolso e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores do que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar momentaneamente com uma frase de comício ou um drama na rua, e aí o Popular é o que fica olhando para o Transeunte. 

O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando o rádio ou a televisão resolvem ouvir “a opinião de um popular” na rua, sempre se enganam. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmara. 

O Popular não merece nem os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é “socorrido por populares”, outro, menos feliz, que é linchado por populares... Engano. Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante da História e das coisas. Não é que o Popular desmereça o Poder e os grandes lances da Humanidade, é que ele tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascínio irresistível pelo insignificante. Nas revoluções, o que atrai o Popular é a estranha postura de um soldado deitado no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmara. 

O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E – este é o seu maior mistério, a chave da sua existência – ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. O dia que pegarem um Popular para desvendarem o mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo tudo.

O Enigma do Garçom Picareta

Uma falácia da internet

Eu, tu e ele fomos comer num restaurante do nosso bairro, e no final a conta totalizou R$ 300,00. 

Fizemos o seguinte: cada um deu cem mangos... 

Eu: R$  100,00 

Tu: R$  100,00 

Ele: R$ 100,00 

O garçom levou o dinheiro até o caixa e o dono do restaurante disse o seguinte: 

- Esses três são clientes antigos do restaurante, então vou devolver R$ 50,00 para eles!

E entregou ao garçom cinco notas de R$ 10,00 

O garçom, muito esperto, fez o seguinte: pegou R$ 20,00 para ele e deu R$ 10,00 para cada um de nós. 

No final ficou assim: 

Eu:  R$ 100,00 (‒ R$ 10,00 que foi devolvido) 

= Eu gastei     R$ 90,00 

Tu:  R$ 100,00 (‒ R$ 10 ,00 que foi devolvido) 

= Tu gastaste  R$ 90,00 

Ele: R$ 100,00 (‒ R$ 10,00 que foi devolvido)  

= Ele gastou   R$ 90,00. 

Logo, se cada um de nós gastou R$ 90,00, o que nós três gastamos juntos, foi R$ 270,00.

E se o garçom pegou R$ 20,00 para ele, temos: 

Nós:       R$ 270,00 

Garçom: R$   20,00 

TOTAL: R$  290,00 

Pergunta-se: 

Onde foi parar a porra do outro R$ 10,00? 

Esclarecendo o mistério:

O dono do restaurante ficou com R$ 250,00 (300,00 – 50,00 = 250,00); 

o garçom ficou R$ 20,00 mais 250 do dono = R$ 270,00; 

e 10 reais que foram devolvidos a cada um dos fregueses fecham os 300 reais.

Portando não há sobra de nenhum real.
 

Na verdade, quando o garçom ficou com 20 reais, ele apenas facilitou a quantia a ser dada a cada um, pois se fossem divididos os 50 reais por 3 daria, 16.666 a cada um dos fregueses. 

Portando isso é mais uma falácia* da internet. 

*Falácia: qualquer enunciado ou raciocínio falso que, entretanto, simula a veracidade; sofisma.  

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O manda-chuva da cidade

 

O coronel Tibúrcio, manda-chuva da região, candidatou-se a prefeito e por isso mandou afixar algumas tabuletas com os dizeres: 

“VOTE NO CORONEL TIBÚRCIO PARA PREFEITO” 

Na calada da noite, os  seus adversários políticos acrescentaram nos cartazes uma palavra que mudou completamente o sentido da frase. 

No dia seguinte, pela manhã cedinho, o pessoal já estava na casa do coronel para contar a safadeza. Depois de ouvir o que haviam feito, o coronel ficou pensativo enquanto os mais exaltados insistiam: 

- Como é, coronel? Não vai mandar prender esses caras que botaram o “Não” nas placas? 

O coronel acendeu um charuto e falou: 

- Não é perciso! Qué dizê que eles ponharo um “Não” e daí ficou: 

“NÃO VOTE NO CORONEL TIBÚRCIO PARA PREFEITO.” 

- Não foi isso que se assucedeu? 

- Foi, sim senhor! 

- Pois entonce é simples. Vanceis vão lá e escreve em baixo: 

“PRA VÊ O QUE ACONTECE...”