terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

A última valsa

 Cláudia Laitano

Meninas de um lado, meninos do outro. No meio do salão, a expectativa, a excitação, a taquicardia – e o medo de ser rejeitado. Cabia aos meninos tomar a iniciativa, e as meninas a tarefa de enviar sinais de que eles seriam bem-sucedidos, ou não, em seu custoso esforço de aproximação. Na prática, as coisas nem sempre, ou quase nunca, davam muito certo para a maioria. Dançava-se por educação, por falta de opção ou para não destoar muito do grupo – mesmo que dançar sem vontade pudesse mostrar-se tão incômodo naquela hora quanto um sapato apertado. 

Às vezes, o momento “música lenta” parecia durar uma eternidade vazia de sentido ou diversão ‒ o que pode ser excruciante quando você não tem idade para beber, e o celular ainda não foi inventado. Para alguns, a ansiedade gerada por aquele tipo de situação era brutal, mas os sofrimentos eram solitários e silenciosos, raramente compartilhados ou levados em consideração. 

De vez em quando, o improvável acontecia. A música, o par, o ambiente, a emoção, tudo no lugar certo ‒ mais ou menos como você imaginava quando ouvia Love Songs no rádio-relógio até pegar no sono. Muito antes de um primeiro beijo, de um passeio de mãos dadas, de um pedido de namoro, dois corpos muito próximos, medindo a distância que deixava ambos confortáveis, ajustando o ritmo, sentindo o perfume e o calor um do outro, compartilhando um instante de intimidade e vulnerabilidade em público, sem compromisso. Você provavelmente ainda não sabe, mas aquele breve instante de plenitude romântica ficaria guardado na sua memória para sempre. Como se fosse um rito de passagem ‒ e era. 

O momento “música lenta” ainda sobrevive, descarnado de qualquer ousadia ou risco de fortes emoções, em casamentos e outras festas promovidas por (e para) adultos. Para os adolescentes, tornou-se tão anacrônico quanto o walkman e o videocassete. Mais que isso: dançar junto é potencialmente embaraçoso, esquisito, “cringe”. Não foram apenas os ritmos que mudaram, como sempre mudam, mas tudo aquilo que envolvia a ideia de duas pessoas, conhecidas ou não, ficarem frente a frente durante alguns minutos, lidando com suas inseguranças, fantasias e desejos, em caráter  presencial. 

Músicas que evocam o ato sexual, de forma mais ou menos explícita, em letras e coreografias, podem chocar os adultos, mas são o feijão com arroz da geração que nasceu e cresceu no século 21. É o romance ritualizado da música lenta que para eles parece íntimo demais, arriscado demais, ao vivo demais. Talvez até mesmo indecente. 

(Do jornal Zero Hora, fevereiro de 2024)


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