sábado, 24 de fevereiro de 2024

Ladrão que rouba ladrão

 

O doutor Huná era muito rico, tinha-se em conta de muito piedoso, porém, em pouco tempo, sofreu muitas perdas e graves desgostos. 

Um dia, conversando com os colegas, tomou por tema da palestra as suas próprias desgraças. Arrebatados pelo ardor dos comentários, procuraram os circunstantes esclarecer a dúvida seguinte: 

‒ Se as desventuras terrenas são sempre consequência de algum pecado cometido por quem as sofre. Declararam alguns que como não existe homem isento de culpa, as dores terrenas são sempre consequência dessa culpa. 

O doutor Huná, um pouco ressentido por esta conclusão que parecia uma ofensa ao seu caráter, e um tanto despeitado, objetou: 

‒ Acreditais, então, que eu seja réu de alguma falta grave? 

E os colegas responderam: 

‒ E tu ousas imaginar que o Senhor castiga um mortal sem causa? 

‒ Mas ‒ tornou o doutor ‒ se me credes culpado em qualquer coisa dizei-o sinceramente, e eu procurarei corrigir-me. 

‒ A julgar pelo que sabemos de ti, ‒ replicou um dos presentes ‒ és justo em todos os teus atos. De uma só falta tua, de uma só, temos ouvido falar, é que na vindima não dás ao teu criado a parte da vinha que a caridade impõe.* 

‒ Que não lhe dou sua parte? ‒ retorquiu risonho o doutor ‒ Mas não credes vós outros que o tal criado me furta muito mais do que deveria eu dar-lhe? 

‒ É pela suspeita de que teu criado te furta, furtas ao criado? 

Diz o provérbio: “Quem rouba ao ladrão faz-se também ladrão”.  

(Talmud Berachol) 

(Do livro “Lendas do Povo de Deus”, de Malba Tahan) 

* A Lei talmúdica estabelece que se deve dar aos criados alguma parte dos diversos produtos do campo. 

PS: O Talmud(e) é uma coletânea de livros sagrados dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei judia e ética judaica, e costumes e história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico.

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