segunda-feira, 31 de julho de 2017

O quadro O Grito

Nota de Edvard Munch

→ “Certa noite”, conta o autor, “eu caminhava por uma via, a cidade de um lado e o fiorde embaixo. Sentia-me cansado, doente... O sol se punha e as nuvens tornavam-se vermelho-sangue. Senti um grito passar pela natureza; pareceu-me ter ouvido o grito. Pintei este quadro, pintei as nuvens como sangue real. A cor uivava.”


→ A pintura representa uma figura andrógina em um momento de profunda angústia e desespero existencial. A imagem que aparece como plano de fundo é a doca de Oslofjord, em Oslo, ao pôr-do-Sol. A fonte de inspiração da obra pode ser a vida pessoal do próprio pintor, educado por um pai controlador que teve de lidar, ainda enquanto criança, com a morte da mãe e de uma irmã.

→ Além de todo o drama que viveu enquanto jovem, Munch também passou por maus bocados quando adulto, após cortar relações com o pai para integrar a cena artística de Oslo. Ao contrário do que o jovem esperava, se envolveu com uma mulher casada e, por isso, teve de enfrentar ainda mais mágoa e desespero. Já no início da década de 1890 outra irmã, a sua preferida, foi diagnosticada com transtorno bipolar e internada em um hospital psiquiátrico.

→ Todos esses sentimentos de desespero ficam evidentes no quadro, que é considerado uma das obras mais importantes do movimento expressionista. A dor está presente não apenas na personagem como também no fundo, destacando que a vida não é a mesma para as pessoas que sofrem. A composição insere o observador no quadro e faz com que ele passe a ver o mundo disforme, o que afeta diretamente a participação do mesmo na obra.

Cinco curiosidades sobre a obra 'O Grito'

Por Andréia Martins

→ O pintor norueguês Edvard Munch é autor de uma das obras de arte mais importantes conhecidas do mundo: a obra O Grito, de 1893. Ícone do expressionismo, a pintura completou 120 anos em 2013. O Grito foi feito pelo artista aos 30 anos e retrata a angústia e o desespero.

→ A obra é comparada à Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, por sua importância, e já foi usada em revistas, desenhos (Os Simpsons) e filmes (Pânico), além de ser homenageada por nomes como Andy Wahrol.

→ Para relembrar a data, o Saraiva Conteúdo separou cinco curiosidades sobre a obra:

1. UMA OBRA, QUATRO VERSÕES

→ Munch fez quatro versões da pintura, para ir substituindo as originais conforme elas eram vendidas. Elas foram feitas entre 1893 e 1910. Muitas outras cópias foram feitas ao longo dos anos. Três das originais podem ser vistas na Galeria Nacional de Oslo (onde está a tela original, feita com a técnica de óleo e pastel sobre cartão) e no Museu Munch (com duas telas), ambos na Noruega. A outra pertence a uma coleção particular.

2. A NATUREZA, A DONA DO GRITO

→ O artista se inspirou a pintar o quadro depois de caminhar com amigos em uma tarde quente em Oslo, capital norueguesa, onde observou as cores quentes no céu e, no mesmo momento, teve uma sensação de cansaço, de estar doente. Foi nessa hora que Much diz ter percebido “o grito da natureza”. Esse foi, na verdade, o título original dado para a obra.

3. UMA MÚMIA PERUANA COMO INSPIRAÇÃO?

→ Na ideia inicial, o quadro trazia apenas um homem de cartola, de costas para o observador, olhando para o céu. Só depois Munch decidiu inserir uma figura meio andrógina na cena, com uma expressão de desespero. Especialistas supõem que ela foi inspirada em uma múmia peruana que o pintor teria visto na exposição Universelle, em Paris, no final dos anos 1880. Ela foi enterrada em posição fetal, com as mãos ao lado do rosto. A mesma múmia também teria inspirado Paul Gauguin, artista e amigo de Munch, em duas de suas obras.

4. ROUBO CARA DE PAU

→ A obra original exposta na Galeria Nacional de Oslo foi roubada em 1994, em plena luz do dia. Os ladrões ainda deixaram um bilhete dizendo “obrigada pela falta de segurança”. Ela foi recuperada no mesmo ano.

5. PRIMEIRA EXPOSIÇÃO

→ O Grito foi exposto pela primeira vez em 1903 integrando uma série de seis peças chamada Estudo para uma Série: Amor, em Berlim, cidade alemã. A imagem da angústia e do desespero estampada no quadro encerrava a série. De acordo com Munch, o desespero seria “o resultado final do amor”.

*****

“Passeava com dois amigos ao pôr-do-sol – o céu ficou de súbito vermelho-sangue – eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a mureta– havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade – os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade – e senti o grito infinito da Natureza.”


Edvard Munch - 1921

Nascimento: 12 de dezembro de 1863, Ådalsbruk, Noruega;
Falecimento: 23 de janeiro de 1944, Oslo, Noruega.


domingo, 30 de julho de 2017

Você vale pelo que é, e não pelo que aparenta ser.



Um famoso conferencista começou um dia sua palestra segurando uma nota de 100 reais. Numa sala com duzentas pessoas, ele perguntou à plateia:

– Quem quer esta nota de 100 reais?

Mãos começaram a se erguer.

– Eu darei esta nota a um de vocês, mas primeiro deixem-me fazer isto!

Então, ele amassou a nota. E perguntou outra vez:

– Quem ainda quer esta nota?

As mãos continuaram erguidas.

– Bom, e seu eu fizer isto? – perguntou, deixando a nota cair no chão e começando depois a pisá-la e a esfregá-la. Em seguida, pegou a nota imunda e amassada, e perguntou:

– E agora? Quem ainda quer esta nota?

Todas as mãos permaneceram erguidas.

– Meus amigos, aprendam esta lição. Não importa o que eu faça com o dinheiro, vocês ainda vão querer esta cédula, porque ela não perde o valor, ela sempre valerá 100 reais.

Isto também se dá conosco. Muitas vezes, na vida, somos amassados, pisoteados e ficamos sujos, por decisões que tomamos ou por circunstâncias com que deparamos em nosso caminho. E assim nos sentimos desvalorizados, sem importância. Porém, creiam: não importa o que aconteceu ou acontecerá, jamais perderemos nosso valor.

Quer estejamos sujos, quer estejamos limpos, quer amassados ou inteiros, nada disso altera a importância que temos: o nosso valor, o nosso caráter.


 (Do livro “O que podemos aprender com os gansos”, 
de Alexandre Rangel)



sábado, 29 de julho de 2017

Dunquerque

O último mistério da Segunda Guerra Mundial


Soldados britânicos evacuados de Dunquerque chegam a Dover
Puttnam and Malindine iwm via Getty Images

→ A batalha de Dunquerque, na França, ainda é um dos grandes mistérios da Segunda Guerra Mundial. Por que Hitler ordenou a interrupção do ataque contra um exército em retirada, em muitos casos em barcos que não tinham nenhuma proteção? Os historiadores mantêm uma disputa aberta sobre um episódio crucial do conflito que arrasou a Europa entre 1939 e 1945. Os nazistas começaram a guerra no dia 1° de setembro de 1939, com a invasão da Polônia. Os Aliados, França e Reino Unido, declararam abertas as hostilidades e começou então o que se conhece como a “drôle de guerre”, a guerra de mentira.

→ Com uma falsa sensação de segurança, os Aliados se acreditavam protegidos pela Linha Maginot. Durante quase um ano, as potências europeias estavam em conflito, mas nada acontecia. Em maio, entretanto, os carros de combate nazistas lançaram uma ofensiva imparável rumo ao sul e atravessaram as defesas aliadas como faca na manteiga. Em 11 de junho, de 1940, Paris era uma cidade aberta.

→ Prevendo o desastre que se aproximava, as tropas britânicas começaram a organizar no final de maio sua evacuação do continente, uma façanha retratada por Christopher Nolan em seu último filme, Dunkirk. “O Governo de Londres começou a preparar uma frota feita de quase tudo, botes e barcos, que pudessem encontrar em suas costas”, escreve Richard J. Evans em seu clássico reeditado O Terceiro Reich em Guerra. Apesar dos ataques da aviação alemã, 700 barcos chegaram às praias de Dunquerque para levar às ilhas tudo o que pudessem salvar de um Exército em retirada. 340.000 soldados conseguiram retornar à Inglaterra graças à ordem pessoal de Hitler para que se parasse a ofensiva mesmo com a opinião contrária de muitos de seus oficiais. “Se não continuarmos, os ingleses poderão transportar o que desejarem, diante de nossos narizes”, exclamou o Marechal de Campo, Fedor von Bock. Quando os nazistas retomaram a ofensiva, já era muito tarde e a evacuação havia sido um sucesso.

→ Hitler queria reservar suas tropas para chegar a Paris o quanto antes? Confiava muito em sua força após o sucesso das guerras relâmpago de 1939 e 1940? Planejava chegar a um acordo com os britânicos antes de começar a fase seguinte do conflito, com a invasão da URSS? Demonstrou mais uma vez sua incompetência como estrategista? Nunca o saberemos. A realidade é que em 6 de junho de 1944 alguns desses soldados desembarcaram na Normandia para expulsar os nazistas da Europa e conseguir sua revanche.

(El País – Cultura)

*O nazismo foi vencido em Stalingrado e no Dia-D, com o desembarque dos aliados, mas foi em Dunquerque que Hitler perdeu a guerra.

Imagens históricas da retirada de Dunquerque








sexta-feira, 28 de julho de 2017

Traduzindo Guimarães Rosa



Nonada

Guimarães Rosa foi um grande criador de palavras novas. A primeira palavra de seu livro Grande Sertão: Veredas, nonada (não e nada) é um neologismo, ou seja, uma palavra inventada pelo autor para demonstrar algo que é insignificante, uma ninharia. Outros exemplos:

Aboborar → estar deitado
Adormorrer → morrer dormindo
Arreleque → asas abertas em forma de leque

Bedelengar → badalar (o sino)
Bembaratar → gastar; empregar de forma conveniente
Boólatra → amante de bois
Brisbrisar → soprar a brisa

Carantonha → cara feia e grande
Coraçãomente → cordialmente

Destamanho → muito grande
Discardume → dispersão do cardume

Escafuar → fazer sair, escafeder
Estramontar → ficar desorientado, perder a tramontana
Extraordem → fora do comum

Fazejo → acostumado, à vontade, a gosto
Fluifim → pequenino, gracioso
Friúme → frio

Gateza → agilidade, ligeireza semelhante à de gato

Izinvernar → passar o inverno, época das chuvas

Lagalhé → João-ninguém, indivíduo insignificante
Luzluzir → fazer reluzir

Manantra → chefe, maioral
Mangonha → astúcia, manha
Muquirana → espécie de piolho

Nédio → gordo, de pelo lustrosa

Ousoso → ousado, rápido

Parapatas → confusão, dificuldade
Peitavento → peitar o vento
Potoca → mentira, lorota
Proposituído → propósito estabelecido

Quiriri → sonolência

Repimpar → acomodar-se
Ressupino → deitado de costas

Safirento → agitado, excitado, assanhado
Sanhudo → furioso, insaciável
Sofismundo → desconfiado, calado
Sofralda → sopé da montanha
Suspirância → suspiros repetidos

Tantamente → muito, tanto
Taramelagem → tagaralice, falatório

(Do Original Almanaque – Dúvida Cruel, de Priscila Arida)

Continua...

Traduzindo Guimarães Rosa


Guimarães Rosa por Fraga

→ Mestre em neologismos, Guimarães Rosa faleceu aos 59 anos, em 1967, três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras

→ Talvez você se lembre de quando aprendeu o que é um neologismo. Por via das dúvidas, vamos dar uma mãozinha: trata-se de uma palavra nova, recentemente criada, fora dos dicionários e da linguagem formal.

→ Na literatura brasileira, o maior especialista em neologismos foi, provavelmente, o escritor mineiro João Guimarães Rosa. A sua obra-prima, Grande Sertão: Veredas, por exemplo, tem início com uma dessas palavras inventadas. Trata-se de nonada, um termo que mistura “non” e “nada” para designar algo sem importância.

→ Essa é a explicação contida no livro O Léxico de Guimarães Rosa, lançado em 2001, pela professora aposentada de estilística Nilce Sant’anna Martins. A obra reúne a definição de cerca de 8 mil palavras formuladas ou resgatadas pelo autor mineiro. Tanta criatividade deve-se ao hábito que ele nutria de estudar e ler em outros idiomas (conhecia 20, aproximadamente, incluindo o português arcaico) e de anotar as expressões populares utilizadas no Sertão brasileiro.

→ Confira a seguir a tradução de cinco termos cunhados por Guimarães Rosa. Talvez algum seja útil para você, qualquer dia desses…

Enxadachim → Designa um trabalhador do campo, que luta pela sobrevivência. A palavra reúne “enxada” e “espadachim”.

Taurophtongo → Significa mugido, sendo a palavra uma junção de dois termos gregos, relativos a touro (táuros) e ao som da sala (phtoggos).

Embriagatinhar → A mistura de “embriagado” e “(en)gatinhar” serve para designar uma pessoa que, de tão bêbada, chega a engatinhar.

Velvo → Adaptação do inglês velvet, que significa “veludo”. Na linguagem de Guimarães Rosa, é o nome dado para uma planta de folhas aveludadas.

Circuntristeza → Como a própria palavra sugere, refere-se à “tristeza circundante”. Ficou para o final por ser o meu neologismo favorito.

(Texto de Zero Hora)


quinta-feira, 27 de julho de 2017

De onde vem a expressão ‘pé-rapado’?



→ Luís da Câmara Cascudo, que em seu livro “Locuções tradicionais no Brasil” registra pé-rapado como sinônimo de “descalço, de pés nus, pé no chão” – e, portanto, por metonímia, uma designação dada à “mais humilde categoria social”. Pé-rapado era o pobretão, sobretudo da zona rural, que andava descalço e por isso era obrigado a raspar (ou rapar) os pés para lhes tirar a lama.

→ Não se sabe exatamente quando surgiu a expressão, mas lembra Câmara Cascudo que ela já aparece na segunda metade do século XVII nos versos que Gregório de Matos dedicou a uma mulata baiana que lhe havia pedido um cruzado para consertar os sapatos:

Se tens o cruzado, Anica,
Manda tirar os sapatos,
E senão lembra-te o tempo
Que andaste de pé rapado.

→ O pesquisador lembra ainda que o pé-rapado ganhou destaque na chamada Guerra dos Mascates, no início do século XVIII, em Pernambuco:

→ Na guerra dos Mascates do Recife contra o Partido da Nobreza de Olinda, 1710, davam os primeiros, portugueses, o apelido depreciativo de ‘Pés-rapados’ às tropas adversárias da aristocracia rural, por combaterem sem sapatos, ao contrário da cavalaria, arma nobre de gente de botas.

→ Antenor Nascentes registra também a forma “pé-rachado”, de idêntico significado.

Sérgio Rodrigues, em Veja.Com

*****

– Fulano não têm carro, moto e nem uma roupa legal. É um pé-rapado mesmo!


Um objeto, na entrada de uma igreja, para raspar (ou rapar) os pés.

A morte de Bento Gonçalves



Bento Gonçalves, entretanto, estava doente. Não esteve presente aos solenes atos, onde seus inimigos figuravam continuando a caluniá-lo. Pobre, sem dinheiro algum, apenas com as terras que conservara em Camaquã, para lá voltou, contemplando a casa abandonada e os campos despovoados. Com empréstimos de amigos recomeçou a vida. Mas pouco duraria. Gravemente enfermo foi a Pedras Brancas (hoje município de Guaíba) em busca de seu velho amigo e companheiro José Gomes de Vasconcellos Jardim, que ali, além de médico-prático de grande fama e renome, possuía um hospital. Mas, nem sequer chegou a ser tratado devidamente, pois a pleurisia que se manifestara violenta, levou-o em seguida. Era o dia 18 de julho de 1847.

Seu corpo foi trasladado para Camaquã, em cujo cemitério ficou até o ano de 1909, quando o então Intendente do Rio Grande, Dr. Juvenal Miller, mandando erguer um monumento de granito e bronze, solicitou aos herdeiros autorização para transladar para o alicerce daquele monumento notável os restos mortais do glorioso gaúcho General Bento Gonçalves da Silva. E ali repousam, desde então, as cinzas do imortal farroupilha.


Joaquim Gonçalves da Silva, filho de Bento Gonçalves, segurando os despojos do seu pai. Joaquim Gonçalves faleceu em Rio Grande, no dia 25 de outubro de 1909, na estância em que residia aos 95 aos de idade, no mesmo ano do traslado dos restos mortais do seu glorioso pai.


 → O monumento a Bento Gonçalves, na Praça Almirante Tamandaré, em Rio Grande, não é apenas uma estátua fundida em bronze em homenagem ao maior líder da guerra dos Farrapos, esculpida pelo português Teixeira Lopes. Em sua base de pedra, guarnecido por dois leões de bronze, está o túmulo de Bento.

→ Inaugurado em 20 de setembro de 1909, o monumento foi construído por iniciativa dos positivistas gaúchos, que após a proclamação da República, em 1889, precisavam de heróis para exaltar os valores republicanos. Maçom, Bento Gonçalves da Silva encarnava como nenhum outro gaúcho os ideais do novo regime. Seu túmulo não poderia continuar anônimo, num lugar ermo, distante de qualquer cidade importante do Estado.

→ Enterrado em Pedras Brancas, distrito de Guaíba, onde faleceu em 1847, seu corpo foi exumado em 1850 e levado para a estância Cristal, de propriedade da família, no interior de Camaquã, atualmente município de Cristal.

→ Em 1891, o governo da Província publicou um decreto propondo a doação dos restos mortais do general ao município que erguesse um monumento-túmulo à altura de sua importância histórica. Os jornais da época publicavam editoriais louvando os feitos do intitulado “Napoleão dos Pampas”. Por todo o Estado as comunidades foram convocadas a participar do concurso.

→ O projeto dos riograndinos, liderados por Alfredo Ferreira Rodrigues, foi o vencedor. A intendência de Rio Grande doou três contos de réis para construir a obra. Outros dois contos de réis foram recolhidos em Porto Alegre, Garibaldi, Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Santa Maria, Cruz Alta, Vacaria, Santo Amaro, São Francisco de Assis, Dom Pedrito, Quaraí, Júlio de Castilhos, Vacaria, Taquara, Santa Cruz, São Borja, Torres, São Sebastião do Caí, Soledade, Bagé e Rosário do Sul.

→ Por ironia, Rio Grande, a mais antiga cidade gaúcha, que abriga o túmulo do herói farroupilha, não aderiu à causa dos rebeldes durante os dez anos (1835 a 1845) que durou o movimento separatista contra o Império.


Retrato de Bento Gonçalves da Silva exposto no Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre.


Monumento de Bento Gonçalves, em Porto legre,
pichado e vandalizado...

terça-feira, 25 de julho de 2017

Lei Afonso Arinos


Lei que começou a punir o racismo no Brasil.

LEI Nº 1.390, DE 3 DE JULHO DE 1951

Inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de côr.*

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Constitui contravenção penal, punida nos têrmos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de côr.

Parágrafo único. Será considerado agente da contravenção o diretor, gerente ou responsável pelo estabelecimento.

Art. 2º Recusar alguém hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade, por preconceito de raça ou de côr.

Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros).

Art. 3º Recusar a venda de mercadorias e em lojas de qualquer gênero, ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas, por preconceito de raça ou de côr.

Pena: prisão simples de quinze dias e três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).

Art. 4º Recusar entrada em estabelecimento público, de diversões ou esporte, bem como em salões de barbearias ou cabeleireiros por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de quinze dias três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).

Art. 5º Recusar inscrição de aluno em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça ou de côr.

Pena: prisão simples de três meses a um ano ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).

Parágrafo único. Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino, a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular.

Art. 6º Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao serviço em qualquer ramo das fôrças armadas, por preconceito de raça ou de côr.

Pena: perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito regular, para o funcionário dirigente de repartição de que dependa a inscrição no concurso de habilitação dos candidatos.

Art. 7º Negar emprêgo ou trabalho a alguém em autarquia, sociedade de economia mista, emprêsa concessionária de serviço público ou emprêsa privada, por preconceito de raça ou de côr.

Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), no caso de emprêsa privada; perda do cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia, sociedade de economia mista e emprêsa concessionária de serviço público.

Art. 8º Nos casos de reincidência, havidos em estabelecimentos particulares, poderá o juiz determinar a pena adicional de suspensão do funcionamento por prazo não superior a três meses.

Art. 9º Esta Lei entrará em vigor quinze dias após a sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 3 de julho de 1951; 130º da Independência e 63º da República.

GETÚLIO VARGAS

Francisco Negrão de Lima

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 10/07/1951

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Publicação:

Diário Oficial da União - Seção 1 - 10/7/1951, Página 10217 (Publicação Original)
Coleção de Leis do Brasil - 1951, Página 11 Vol. 5 (Publicação Original)

*Foi mantida a ortografia da época, em: têrmos, côr, fôrças, emprêgo, emprêsa, palavras que, hoje, não possuem mais acento gráfico.


segunda-feira, 24 de julho de 2017

O despertar do burocrata



O burocrata acorda e abre a boca, segundo ordena a RIPDRegras Imediatas Para o Despertar. Confere os botões do pijama, vê que está faltando um, anota a quantia deles numa folha ao lado, data, assina e carimba.

Tranca-se no banheiro, até que lá fora se forma uma fila imensa (mulher, empregada e cinco filhos) que começa a agitar. O burocrata dá um sorriso (ele só consegue sorrir diante de filas insatisfeitas). A mulher grita: “escova os dentes”. E ele escova. “Toma banho”. E ele toma. O burocrata adora cumprir ordens. Confere o número de furos do chuveiro, anota, data, assina e carimba.

Senta-se à mesa da copa, também chamada de RDPDRepartição Doméstica do Pão Diário, lê seu jornal favorito – o Diário Oficial da União. Encaminha um ofício à empregada solicitando um pedaço de pão com manteiga. A manteiga vem estragada e imediatamente é instaurado um inquérito administrativo. Em seguida ele palita os dentes e com o palito confere o número de molares, pré-molares e caninos. Anota, data, assina e carimba.

Deixa com a esposa o dinheiro, também chamado de previsão orçamentária – do dia: dez reais. O burocrata é notoriamente um pão-duro.

A mulher quer beijá-lo, mas ele olha o relógio – oito horas – sente muito, o expediente está encerrado, agora só amanhã, pois agora tem que ir para a repartição e aguentar aquela monotonia o dia inteiro.

(Do Almanaque do Humordaz. Procópio)

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A história do Humordaz começou no jornal Estado de Minas, mais precisamente em uma pequena coluna assinada pelo Procópio, que aos poucos foi crescendo, quando então a convite vieram os cartunistas Lor e Nilson, além do Dirceu, que se intitulava como frasista.

Tomando cada vez mais espaço na página graças à crescente aceitação dos leitores, o time de colaboradores aumentou com a presença de Afo, Benjamin e Mário Vale, e o resultado foi uma página inteira com o melhor do humor produzido em Minas Gerais, publicada todos os sábados no segundo caderno, batizada como Humordaz.

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Burocratas


→ A mulher do burocrata está grávida há nove anos.

→ Os burocratas usam vírgulas demais.

→ Os burocratas, quando crianças, brincavam com tartarugas.

→ As mães dos burocratas jogam paciência durante a gestação.

→ O pensamento dos burocratas é cheio de esquinas.

→ Os burocratas xingam pelos canais competentes.

→ O noivado do burocrata dura em média uma aposentadoria.

→ Os burocratas morrem de labirintose.

(Torquato Ssó, no livro “QI 14”)


Imagem da internet


Beijinho, beijinho

Luis Fernando Veríssimo


Na festa dos 34 anos da Clarinha, o seu marido, Amaro, fez um discurso muito aplaudido. Declarou que não trocava a sua Clarinha por duas de 17, sabiam por quê? Porque a Clarinha era duas de 17. Tinha a vivacidade, o frescor e, deduzia-se, o fervor sexual somado de duas adolescentes.

No carro, depois da festa, o Marinho comentou:

‒ Bonito, o discurso do Amaro.

‒ Não dou dois meses para eles se separarem ‒ disse a Nair.

‒ O quê?

‒ Marido, quando começa a elogiar muito a mulher…

Nair deixou no ar todas as implicações da duplicidade masculina.

‒ Mas eles parecem cada vez mais apaixonados ‒ protestou Marinho.

‒ Exatamente. Apaixonados demais. Lembra o que eu disse quando a Janice e o Pedrão começaram a andar de mãos dadas?

‒ É mesmo…

‒ Vinte anos de casados e de repente começam a andar de mãos dadas? Como namorados? Ali tinha coisa.

‒ É mesmo…

‒ E não deu outra. Divórcio e litigioso.

‒ Você tem razão.

‒ E o Mário com a coitada da Marli? De uma hora para outra? Beijinho, beijinho, “mulher formidável” e descobriram que ele estava de caso com a gerente da loja dela.

‒ Você acha, então, que o Amaro tem outra?

‒ Ou outras.

Nem duas de 17 estavam fora de cogitação.

‒ Acho que você tem razão, Nair. Nenhum homem faz uma declaração daquelas assim, sem outros motivos.

‒ Eu sei que tenho razão.

‒ Você tem sempre razão, Nair.

‒ Sempre, não sei.

‒ Sempre. Você é inteligente, sensata, perspicaz e invariavelmente acerta na mosca. Você é uma mulher formidável, Nair. Durante algum tempo, só se ouviu, dentro do carro, o chiado dos pneus no asfalto. Aí Nair perguntou:

‒ Quem é ela, Marinho?

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sábado, 22 de julho de 2017

Duas Histórias da Vida Real

Lógica impecável


Wendel Phillips

Wendel Phillips, famosos líder abolicionista americano, viajou certa vez de trem por Ohio e encontrou-se no carro com um grupo de ministros da Igreja Protestante em regresso de uma convenção. Um ministro do Sul, obviamente hostil a Phillips por causa das ideias abolicionistas deste, começou a conversa:

- O senhor é Wendel Phillips, não é?

- Sou, sim, senhor.

- O senhor é o homem que pretende libertar os negros?

- Sim senhor.

- Então, por que prega por aqui em vez de ir para Kentucky, onde estão os negros?

Phillips silenciou por um momento. Depois disse:

- O senhor é ministro, não é?

- Sim, sim, senhor.

- E o senhor pretende salvar as almas do fogo do inferno, não é?

- Pretendo, sim, senhor.

- Então – prosseguiu Phillips com sua lógica impecável – Por que o senhor não vai para o inferno?

Viver de Letras
  

  Alexandre Dumas

Alexandre Dumas, nome ignorado até então, chegou a Paris e apresentou-se ao general Fay a quem fora recomendado. O velho militar indagou:

- Que sabe o meu amigo? Estudou Matemática?

- Não, general.

- Mas tem, talvez, algumas noções de Geometria, de Física?

- Desconheço inteiramente tais matérias.

- E alguns rudimentos de Direito?

- Também não, general.

- E Latim ou Grego?

- Muito menos.

- Tem, acaso, prática de escritório comercial?

- Nenhuma.

  Disse-lhe, então o general, compadecido já de tanta ignorância:

- Dê-me o seu endereço. Pensarei, oportunamente, num meio de ajudá-lo. Por enquanto não vejo nenhuma possibilidade a seu favor, tamanho é o desconhecimento que revela sobre todos os assuntos essenciais ao desempenho de uma profissão qualificada.

 Num recorte de papel estendido pelo general, Alexandre Dumas escreveu o seu endereço:

- Estamos salvos! – exclamou o general. Tem, pelo menos, uma linda letra. Vamos aproveitá-lo como copista de textos na Biblioteca Nacional.

Após iniciar o trabalho, Dumas foi agradecer ao general o emprego que lhe destinara. E disse-lhe:

- Vou viver da minha “letra”, general; mas asseguro-lhe que, um dia, hei de viver das letras...




Histórias Zen Budista para meditar



Um samurai Nobushige encontrou o mestre Hakuin numa estrada.

- Mestre, existem realmente um paraíso e um inferno?

- Quem és tu? – perguntou Hakuin.

- Um samurai, respondeu o outro.

- Tu, um guerreiro? – exclamou Hakuin. – Não me faças rir, tu pareces um mendigo.

Isso foi como uma ofensa para o samurai, que desembainhou a espada.

 E Hakuin continuou a provocação:

- Ah, e ainda tens uma espada! Será que ela é suficiente para cortar a minha cabeça? – perguntou.

Cego de fúria, o samurai levantou a espada, pronto para decepar Hakuin.

O mestre, muito calmo, levantou um dedo.

- Aqui se abrem as portas do Inferno. – disse Hakuin.

Diante dessas palavras, o samurai se deteve e, compreendendo o ensinamento do mestre, guardou sua espada e fez uma reverência.

- Aqui se abrem as portas do paraíso. – concluiu o mestre.

 Sabedoria chinesa
  
Se teus planos são pra um ano, semeia o grão.
Se forem pra dez anos, planta uma árvore.
Se forem para cem anos, instrui o povo.

Semeando uma vez o grão, colherás uma vez.
Plantando uma árvore, colherás dez vezes.
Instruindo o povo, colherás cem vezes.
  
(Atribuído ao poeta chinês, Kuan-Tzu, 7° século antes de Cristo)

 A velha China nos ensina que...

“Se você tem uma maçã e eu tenho outra, e se as trocarmos entre nós, ficaremos cada um com... uma maçã”.

“Se você tem uma ideia e eu tenho outra, e se as trocarmos entre nós, ficaremos cada um com... duas ideias”.

Troquemos, pois, de ideias com nossos amigos, vizinhos e aumentaremos nossos conhecimentos.


Impulso para viver



Lutamos contra o silêncio do corpo. Ainda que haja dor, demora, descaso. Somos feitos de células, céus, terras, tecidos, versos, veias. A vida é maior que tudo e, diante do susto de perdê-la, ninguém volta a ser o mesmo. Respiração profunda. Batimentos, sentidos, temperatura. Pulso, impulso, oxigênio. Esterilidade das paredes brancas e do avental azul suave contrasta com o cítrico desejo de resistir. Rodeados por aparelhos, bolsas de soro, distantes de casa, os olhos encharcam, denunciam que nem tudo é palpável, matéria, rigidez.

Há palavras soltas, pensamentos sem nome. Lá fora, as filas crescem. Guardar alguns sonhos. Aguardar. Guerra travada contra os invasores dos órgãos e outros desequilíbrios. Para os médicos, somos pacientes. Para o sistema, temos que ter paciência. E, de nós, o que queremos é paz. Não a paz calada. A paz que canta e dança, que insiste em proferir a entonação de dentro do peito.


Alina Souza, no Correio do Povo



sexta-feira, 21 de julho de 2017

Meus secretos amigos

17 de março de 2011

Eis uma de minhas melhores colunas já publicadas:

   
Quando eu morrer, quero à beira da sepultura todos os meus amigos e alguns dos meus inimigos arrependidos. Depois dos risos e lágrimas, voltem para casa e nunca mais se esqueçam de mim”.

 Paulo Sant´Ana

(15.06.1939 ‒ 19.07.2017)

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos! Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles… Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências…

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

Essa mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles!

Eles não iriam acreditar! Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação dos meus amigos, mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não o declare e não os procure.

Às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles e me envergonho porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem-estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamento sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer… Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos e, principalmente, os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus verdadeiros amigos!!!

A gente não faz amigos, reconhece-os!

*****

Paulo Sant´Ana – um polêmico jornalista gaúcho


Formado em direito, foi inspetor e delegado da Polícia Civil, entre 1973 e 1988, o que lhe proporcionou o seu primeiro contato com a imprensa. Sendo um torcedor gremista fanático, ganhou fama como personagem da torcida presente no Estádio Olímpico. Assim nasceu a sua primeira atividade como comunicador desportivo, pois foi convidado a participar do programa Conversa de Arquibancada, da TV Piratini, retransmissora da TV Tupi no Rio Grande do Sul. A seguir, entrou no programa Sala de Redação, da Rádio Gaúcha, no começo da década de 1970. Em 1971, começou a escrever uma coluna esportiva no jornal Zero Hora, na qual permaneceu até 2014. Em 1972, passou a integrar os quadros da Rádio Gaúcha e depois iniciou a sua carreira como colunista do programa da RBS Jornal do Almoço, do qual era um dos membros mais antigos e o único dos pioneiros ainda em atividade. Escreveu apenas sobre futebol até 1989, quando ocupou a vaga deixada por Carlos Nobre como colunista de assuntos gerais na Zero Hora. Sant'Ana foi colunista diário do jornal entre 1971 e 2014. A partir de dezembro de 2014, passou a escrever uma coluna semanal, aos domingos.

Ele também foi vereador do município de Porto Alegre por três legislaturas: as duas primeiras (1973/1977 e 1978/1983) pela ARENA, partido de sustentação da Ditadura Militar; e a última (1984/1988) pelo PMDB. Em 2002, recebeu o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, proposto pelo seu ex-colega de partido, João Antônio Dib. Sant'Ana foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos da Orgia, em 1993, com o enredo: O Menestrel da Cultura Popular, Francisco Paulo Sant'Ana. Costumava comentar ao vivo em transmissões de jogos importantes do Grêmio, como nas finais da Copa Libertadores da América de 1995 e 2007, na Rádio Gaúcha. O cronista considerava-se viciado em cigarro e foi diagnosticado com um câncer de rinofaringe. No dia 10 de novembro de 2014, foi afastado do programa de rádio Sala de Redação, após discutir no ar com outro integrante do programa, Kenny Braga. 

Paulo Sant'Ana morreu em 19 de julho de 2017, aos 78 anos de idade. Ele estava internado no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. A causa da morte anunciada foi parada cardíaca. Jayme Sirotsky, presidente emérito do Grupo RBS, relatou assim a morte do jornalista: “Nos 60 anos da RBS, muitos companheiros passaram por aqui, cada um deles oferecendo sua contribuição para a empresa e, especialmente, para o público. Entre todos, Paulo Sant´Ana se destaca fortemente. Quem não teve, nos últimos 45 anos, momentos de admiração, antagonismo e de discordância com essa figura incomum que ele foi? Sant´Ana escreveu sua história profissional dentro da RBS, conquistando um público que lhe foi cativo durante toda a sua jornada. Deixa inúmeras lições de competência e muita saudade”. 


Paulo Sant´Ana por Edu

O lamento do coração

Paulo Sant´Ana

Não pode mais o coração viver assim desesperado.
Não pode mais o coração restar assim dilacerado.
Não deve mais o coração pulsar assim descompassado.
Nem deve mais o coração gritar depois abandonado.
Não pode mais a ilusão cair de novo ludibriada.
Nem pode mais a ilusão se ver mais uma vez desanimada.
Não suporta mais a tentação, de ser feliz, ser outra vez desperdiçada.
Nem deve mais a tentação, essa aprendiz, tocar na dor despedaçada.

Deixem-se estar quieta e calmo a alma e o coração, que de sofrer já estão sobrados.
E nem se agitem mais a alma e o coração com o aceno de míseros trocados.
Respeitem enfim a alma e o coração, que de ir morrendo aos poucos já estão quase inanimados.
Que ninguém se atreva a acenar com a alegria,
que esta melancolia perpétua não permite mais que ela viceje.
E não me venham mais com a lorota da ventura, que se algum fiapo de saúde ainda me resta é absolutamente certo que me vem desta tristeza.

É completamente indispensável que passem todos ao largo desta minha desolação, se possível só com alguma reverência, brotada na compaixão, respeitando este período longo e arrastado do meu fim.
Que pelo menos permitam que uma paz aliviada ronde de longe este crepúsculo estremunhado.
Não pode mais o coração, não deve mais o coração deixar-se atrair pelas vãs promessas de que vão emergi-lo desta brutal, mas até que assim, finalmente, bem-vindas solidão.

Não pode mais a solidão ser outra vez transfigurada.
A solidão é a única parceira fiel e autenticada.
Não pode mais o coração ceder a outra empreitada.
Não soe mais o cantochão das ofertas malogradas.
Nada mais há que anime a alma e o coração.
Cumpre apenas que repousem na exígua paz final que quem sabe pode ainda sobrevir a todas as ânsias malbaratadas.

Deixem agora a alma e o coração velarem-se na luz quebradiça do desânimo, último direito dos intentos fracassados.
Não pode mais o coração correr atrás do séqüito de esperanças infundadas.
O que só agora pode o coração é lamentar os inúteis sonhos desvairados.

(Publicada em 25 de abril de 2010)


Paulo Sant´Ana por Gabriel Renner

E depois que meu corpo fosse coberto de terra, não seria demais pedir que algum amigo recitasse Augustos do Anjos:

"E saí para ver a Natureza,
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma árvores no estrelado véu,
Mas apareceu-me entre as estrela flóreas,
Como Elias num carro azul de glórias,
Ver a alma de Pablo* subindo aos céus".

*Pablo como Paulo Sant´Ana se autodenominava.

O ciúme

Guilherme de Almeida
  

(Um dos poemas prediletos de Paulo Sant´Ana)

Minha melhor lembrança é esse instante no qual
pela primeira vez me entrou pela retina
tua silhueta provocante e fina
como um punhal.
Depois passaste a ser unicamente aquela
que a gente se habitua a achar apenas bela
e que é quase banal.

E agora, que te tenho em minhas mãos, e sei
que os teus nervos se enfeixam todos em meus dedos,
e os teus sentidos são cinco brinquedos,
com que brinquei;
agora que não mais me és inédita; agora
Que compreendo que, tal como te vira outrora,
nunca mais te verei;

agora que, de ti, por muito que me dês,
já não me podes dar a impressão que me deste,
a primeira impressão que me fizeste
– louco talvez,
tenho ciúme de quem não te conhece ainda
e, cedo ou tarde, te verá, pálida e linda,
pela primeira vez!