segunda-feira, 17 de junho de 2019

Onde nasceu Jesus?



Qualquer criança tem a resposta errada na ponta da língua: Belém. A questão não é simples. Era de conhecimento amplo, no circulo de Jesus, durante sua vida, que ele era de Nazaré, na Galileia, assim como seus pais. Para fazê-lo nascer na mais prestigiosa Belém, na Judeia, célebre entre os judeus por ser o berço de Davi, e para conciliar este fato com a arquissabida origem nazarena de Jesus, os dois únicos evangelistas que tratam de sua infância − Mateus e Lucas − recorrem a expedientes complicados e, lastimavelmente, contraditórios entre si. Mateus dá a entender que a família morava em Belém, e que de lá fugiu para escapar do massacre dos recém-nascidos ordenados por Herodes. Num longo desvio, vão parar no Egito e, na volta à Palestina, por julgar Belém ainda um lugar perigoso, José decide estabelecer-se em Nazaré. Lucas, por seu lado, parte do princípio oposto de que José e Maria moravam em Nazaré. Mas em função do censo ordenado por Augusto, em que todas as pessoas deveriam se registrar não no local onde residiam, mas no de origem de seus antepassados, deslocaram-se a Belém, terra dos antepassados de José. Não só não houve esse censo como a totalidade dos historiadores da Antiguidade jamais captou sinal de que um censo romano, cuja finalidade era a mais direta possível − taxar as pessoas −, pudesse ser orientado no sentido de forçá-las a procurar a cidade dos antepassados, o que, além de não oferecer resultado prático perceptível, configuraria um transtorno logístico de consideráveis proporções, com vastas multidões se deslocando de um lado para outro. O padre John Meier, professor de Novo Testamento da Universidade Católica da América, em Washington, e autor de um livro ao qual muito se recorrerá neste capítulo − A Marginal Jew − Rethinking the Historical Jesus −, considera mais provável que Jesus tenha nascido em Nazaré. O nascimento em Belém convinha aos evangelistas para fazer cumprir antigas profecias de que o Messias viria da cidade de Davi.

(Reportagem especial da revista Veja, dezembro de 1992)


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