sábado, 17 de dezembro de 2022

O enigma das palavras

 Joel Silveira

O fato aconteceu no outono de 1993* na Universidade de Spietsbergen, na Noruega Ártica. Em meio à aula que estava ministrando, o professor Karl Krasgman, catedrático de Fisiologia Aculturada, interrompeu inesperadamente a brilhante dissertação que vinha fazendo e, após um pequeno intervalo e encarando com olhar raivoso seus alunos, bradou: 

Alaä tule opettamaan minulle, miká on taikauskoa já mika ei! 

A tal destempero aparentemente sem nexo de Krasgman seguiu-se um silêncio pesado, sufocante, com os alunos, rapazes e moças, se entreolhando entre aturdidos e boquiabertos. Até que lá do fundo da sala escutou-se a voz de um estudante, de nome Christoffen Lars Venajan, que gritou, em tom interrogativo, dirigindo-se ao professor: 

Aiotko sinä kutsua riistäjäksi? 

Como Krasgman não tivesse respondido nada, Chistoffen acrescentou, em voz ainda mais alta e já tomado de grande ira: 

Ei, ei missn tapauksessa! 

Em seguida, Chistoffen virou-se para seus colegas e lhes disse, peremptório: 

‒ Depois da ignóbil agressão que escutamos do professor Krasgman, só os que não têm vergonha na cara permanecerão nesta sala! 

E retirou-se, no que foi acompanhado por todos os colegas. 

A frase do professor e a resposta do estudante jamais foram traduzidas em língua de gente, o que não impediu de Krasgman ser demitido por atentado ao pudor e de a cátedra de Fisiologia Aculturada ser substituída pela de Metabolismo Aleatório. O fato do professor jamais ter revelado o que realmente queria dizer com a imprecação e de Christoffen negar-se sempre a revelar o que havia respondido a Krasman com tanta ênfase e indignação fez do ocorrido naquela tarde de outono de 1993, na Universidade de Spistsbergen, um enigma que perdura até hoje. 

(Da revista BUNDAS, outubro de 1999) 

*Data alterada do texto original.

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