Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio
Porto)
No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixaram de acontecer.
Antes só do que muito acompanhado.
Ser imbecil é mais fácil.
Está dando mais do que cará no brejo.
Nos trens suburbanos não livram a cara nem de padre, que dirá mulher de minissaia.
O mais perigoso é que já estão confundindo justa causa com calça justa.
O Reino Unido não é tão unido assim como eles dizem, não.
Desligou o telefone com uma violência de PM em serviço.
Mais monótono do que itinerário de elevador.
Macrobiótica é um regime alimentar para quem tem 77 anos e quer chegar aos 78.
Consciência é como vesícula, a gente só se preocupa com ela quando dói.
Difícil dizer o que incomoda mais, se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante.
Sempre ouviu dizer que o homem totalmente realizado é aquele que tem um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Tinha um filho, plantou uma árvore, o filho trepou na árvore, caiu e morreu. Só lhe restou escrever um livro sobre isso.
Quem não tem quiabo não oferece caruru.
Mania de grandeza é a desses suplementos literários que têm um aviso dizendo que é proibido vender separadamente.
Pode-se dizer a maior besteira, mas se for dita em latim muitos concordarão.
Homem que desmunheca e mulher que pisa duro não enganam nem no escuro.
Todo homem previdente sorri sem falha no dente.
Mulher expondo teoria sobre educação infantil é solteira na certa.
Menino mijado, bode embarcado e chefe de Estado, nunca fica despreocupado.
Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!
Esperanto é a língua universal que não se fala em lugar nenhum.
Pra quem gosta de jiló, coruja é colibri.
Era desses caras que cruzam cabra com periscópio pra ver se conseguem um bode expiatório.
O terceiro sexo já está quase em segundo.
As coisas que mais contribuem para avacalhar a dignidade de um homem são, pela ordem, bofetão de mulher e tombo de bunda no chão.
Hoje em dia ninguém é bonzinho de graça.
A polícia prendendo bicheiros? Assim não é possível. Respeitemos ao menos as instituições!
O primeiro nome de Freud era Segismundo. Aliás, não só seu primeiro nome como também seu primeiro complexo.
Às vezes é melhor deixar em fogo lento do que mexer na panela.
Mais inútil do que um vice-presidente.
Mais mole que bochecha de velha.
A polícia anda dizendo que prende um bandido de meia em meia hora, então a gente fica desconfiado que eles assaltam de 15 em 15 minutos.
Ninguém se conforma de já ter sido.
Quem desdenha quer comprar, quem disfarça está escondendo, mas quem desdenha e disfarça, não sabe o que está querendo.
Mulher enigmática, às vezes é pouca gramática.
Quando um amigo morre, leva um pouco da gente.
Nem todo rico tem carro, nem todo ronco é pigarro, nem toda tosse é catarro, nem toda mulher eu agarro.
Quem diz que futebol não tem lógica ou não entende de futebol ou não sabe o que é lógica.
A diferença entre o religioso e o carola é que o primeiro ama a Deus, o segundo, teme.
Pediatra sempre capricha na pronúncia quando anuncia sua especialidade, pra evitar mal-entendidos.
Nem todo gordo é bom, muitos se fingem de bonzinhos porque sabem que correm menos.
Tinha tal pavor de avião que se sentia mal só de ver uma aeromoça.
Mulher e livro, emprestou, volta estragado.
O sol nasce para todos, a sombra pra quem é mais esperto.
E para terminar:
Da minha janela vejo o pátio de um colégio e quando a campainha toca para o intervalo das aulas eu paro de trabalhar e fico olhando, como se estivesse no recreio também.
O importante é não deixar nunca que o menino morra completamente dentro da gente. Caso contrário, ficamos velhos mais depressa. Dizem que é por isso que os chineses, de incontestável sabedoria, conservam o hábito de soltar papagaio (ou pipa, se preferirem) mesmo depois de adultos. Não sei se é verdade, nunca fui chinês.
Sérgio Porto, por ele mesmo, “Autorretrato do artista quando não tão jovem”.
ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade diz que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.
OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.
PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.
QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.
PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.
ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
PANACEIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.SUPERTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.
TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.
MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).
ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.
Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963.
O jornalista Sérgio Porto foi um homem de hábitos perigosos. Boêmio incorrigível, abusava das bebidas e comidas carregadas. Além disso, costumava se enfiar em imensas jornadas de trabalho que ultrapassavam 15 horas diárias. Escreveu para cinema, trabalhou na televisão, no rádio, elaborou scripts de shows e fez música. Dedicava-se tanto que certa vez chegou a dizer: “Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio”.
Levando a vida desse jeito, não poderia durar muito. Aos 36 anos, Sérgio sofreu seu primeiro infarto, seguido de mais outros quatro. Ainda muito jovem, quando tinha 45, teve o último. Acabou morrendo cedo, mas deixou uma vasta produção. Além dos três volumes de Febeapá – sua obra mais lembrada – existem outros trabalhos de Sérgio Porto que merecem destaque, como Tia Zulmira e Eu (1961), Primo Altamirando e Elas (1962), Rosamundo e os Outros (1963) e Garoto Linha Dura (1964).
Vale a pena, também, registrar aqui um dos traços marcantes de sua personalidade: a generosidade. Porto foi responsável por retirar Cartola de um lava-rápido e ajudou Nelson Cavaquinho a pagar alguns móveis.
A morte de Stanislaw Ponte Preta em 1968, poucos meses antes do famigerado AI-5, deixou uma lacuna na visão crítica e bem humorada do Brasil. A ausência de sua irreverência e sarcasmo, diante da atual imbecilidade do humor nacional, nos permite dizer, nas palavras do próprio autor, que vivemos “numa melancolia de pinguim no Piauí”. Em tempos como os nossos, é fundamental ler e reler Sérgio Porto. Vida longa ao grande esculhambador da realidade brasileira.
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