Quando chegou em casa, o gato estava
em cima do teclado. Tratou de espanar o bichano de lá com um sacudir de mãos,
deixou cair o corpo sobre a cadeira velha e sem braços, alongou os dedos e
começou a digitar.
Uma palavra, duas, uma frase. Maneou
de lado com a cabeça, resmungou e apagou tudo. Na segunda tentativa, escreveu um
parágrafo. Apagou-o com cinquenta e quatro toques no backspace. A terceira
investida não sobreviveu por mais de três linhas.
Levantou-se, preparou um café.
Chafurdou no fundo da bolsa até encontrar um surrado Moleskine, onde poderia
estar escondida, despercebida, ou mesmo esquecida, a ideia triunfante.
E ideias ela
encontrou de fato.
A história de um pingo de chuva que queria
voltar para o céu. A jornada de um garoto em busca do responsável pelo formato
das nuvens. O drama de um casal de suicidas que se encontra no pós-vida. As
aventuras de um jardineiro que, sem querer, replantou o Éden com a semente do
fruto do conhecimento. O surgimento do primeiro robô-zumbi. O samurai que
forjou sua espada das cinzas da própria filha. O assassino que arrancava a mão
esquerda de suas vítimas. Um conto onde todas as palavras começam com a mesma
letra. Uma crônica em que o título é maior que o texto. A doença que extinguia
toda a maldade de um ser humano. A briga das cores que deixou o mundo em preto
e branco.
Sentou-se novamente, não sem antes
dar um chute no gato com o lado do pé. De posse do caderninho, digitou por três
horas.
Passou-se o
dia e a noite, e viu ela que era muito ruim.
Atingida com um lampejo repentino de
lucidez ou delírios insones, começou do zero. Dizem que o melhor para vencer um
bloqueio, se você não for um jogador de vôlei, é começar com uma frase.
Estralou os dedos, deu um gole no café gelado, espantou mais uma vez o gato
carente e digitou:
“Quando
chegou em casa, o gato estava em cima do teclado.”
(Texto do blog:
K-BLOG)*
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