Conta-nos
François Andrieux, em seu poema chamado “Le meunier de Sans-Souci” (O moleiro
de Sans-Souci), que Frederico II, rei da Prússia, resolveu construir para si um
belo palácio, numa paisagem tranquila e calma. Construiu, então, o castelo em
uma região chamada de Sans-Souci, que significa ‘sem preocupação’. Ocorre que
nestas redondezas havia um moinho antiquíssimo que atrapalhava a visão do
monarca e impedia a sua ampliação; decidiu então o rei que removeria o moinho a
qualquer custo: ofereceu riquezas, tentou negociar e o moleiro, dono do moinho,
se opôs aguerridamente à expropriação do seu moinho.
Frederico
II, após saber da oposição do moleiro, fez chamá-lo a sua presença e
questionou-lhe os motivos que lhe faziam manter a ideia de continuar com o
moinho erguido. O moleiro, em sua humildade, conta que o pai do seu pai, o seu
pai e ele haviam trabalhado durante toda a vida naquele moinho e que seu filho
também trabalharia quando mais velho. Irritado, Frederico II diz ao moleiro:
“Sabes que, se eu assim o ordenasse, ainda que contra sua vontade, poderia
expropriar-te da terra sem lhe dar um único centavo, não sabes?” e o moleiro
redarguiu: “O senhor? Tomar-me o moinho? Ainda existem juízes em Berlim!”.
Pasmo
com a ousada e certamente ingênua resposta, que indicaria a disposição do moleiro
em litigar com o próprio rei na Justiça, Frederico II decidiu alterar seus
planos, deixando o sujeito (e seu moinho) em paz”.
François
Andriex concluiu o conto com uma certa dose de melancolia, ao mencionar que o
respeito real acabou prejudicando a própria província. Ao que parece, o
escritor lamentou o recuo do rei diante de um insignificante moleiro.
Entretanto,
o episódio imortalizado em versos passou para a história como um símbolo da
independência possível e desejável da Justiça. Para o moleiro, a Justiça certamente
seria cega para as diferenças sociais e não o distinguiria do rei, mesmo em uma
monarquia. Sua corajosa resposta e o recuo respeitoso do rei passaram a ser
lembrados para demonstrar situações em que o Judiciário deve limitar o poder
absoluto dos governantes. Até hoje o moinho existe e sempre que um juiz
corajoso se posiciona com independência e justiça, ouvimos a expressão:
“Ainda existem juízes em Berlim!”
A
história passou a símbolo da independência da Justiça. Para o moleiro, a
certeza do seu direito, ainda que litigasse com o poderoso rei. Sua firme
resposta e o reconhecimento do rei imortalizaram circunstâncias que o
Judiciário aí está para limitar o poder. O moinho continua lá, em face da
coragem do moleiro. É muito bom que haja juízes corajosos e independentes.
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