Ledo Ivo*
*Lêdo Ivo (Maceió, Alagoas, 18 de
fevereiro de 1924 − Sevilha, 23 de dezembro de 2012) foi um poeta, romancista, contista,
cronista, ensaísta e jornalista brasileiro. Foi, também, Membro da Academia
Brasileira de Letras.
Em
sua marmita
não leva o operário
qualquer metafísica.
Leva peixe frito,
arroz e feijão.
Dentro dela tudo
tem lugar marcado.
Tudo é limitado
e nada é infinito.
A caneca d'água
tem espaço apenas
para a sua sede.
E a marmita é igual
à boca do estômago,
feita sob medida
para a sua fome.
E quando termina
sua refeição,
ele ainda cata
todas as migalhas,
todo esse farelo
de um pão que suasse
durante o trabalho.
Tudo quanto ganha
o operário aplica
como um capital
em sua marmita.
E o que ele não ganha
embora trabalhe
é outro capital
que também investe:
palavra que diz
em seu sindicato,
frase que se escreve
no muro da fábrica,
visão do futuro
que nasce em seus olhos
que só com fumaça
se enchem de lágrimas.
Em sua marmita
não leva o operário
o caviar de
qualquer metafísica.
E sendo ele o mais
exato dos homens
tudo nele é físico
e material,
tem seu nome e forma,
seu peso e volume,
pode-se pegar.
Seu amor tem saia
pelos e mucosas
e, fecundo, faz
novos operários.
As
coisas se medem
pelo
seu tamanho:
sono,
mesa, trave.
No
trem ou no bonde
nenhum
operário
pode
se espalhar
sem
fazer esforço.
É
como no mundo:
−
tem que empurrar.
Vasilhame
cheio
de
matéria justa,
sua
vida é exata
como
uma marmita.
Nela
cabe apenas
toda
a sua vida.
E
não cabe a morte
que
esta não existe,
não
sendo manual,
não
sendo uma peça
de
recauchutar.
(Artigo
infinito,
sem
ferro e sem aço,
qualquer
um a embrulha
sem
usar barbante
ou
papel almaço.)
Fabril
e imanente
o
operário vive
do
que sabe e faz
e,
sendo vivente,
respira
o que vê.
O
tempo que o suja
de
óleo e fuligem
é
o mesmo que o lava,
tempo
feito de água
aberta
na tarde
e
não de relógio.
E
a própria marmita
também
é lavada.
E
quando ele a leva
de
volta pra casa
ela,
metal, cheira
menos
a comida
do
que a operário.
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