de Martinho da Vila
Em meados dos anos 1960, o então
Sargento Martinho (José Ferreira)* viu um colega de farda se formar em Direito. Sargentos
advogados, naquele tempo, não era coisa comum, e os colegas de patente,
orgulhosos do feito do companheiro, combinaram ir à formatura fardados para
prestar homenagem ao sargento e advogado Xavier.
Ocorre que o formando resolveu
tirar férias e não convidou nenhum dos amigos de trabalho para a formatura.
Indignados com a desfeita, todos os sargentos, inclusive Martinho, resolveram
dar um “gelo” no colega a quem tacharam de novo burguês. Ninguém falava com o
coitado que, inocentemente, não entendia o que estava acontecendo. Certo dia, o
rejeitado Sargento Xavier encontrou-se com Martinho da Vila em um bar e
resolveu passar o assunto a limpo. Depois de muita insistência, Martinho
resolveu contar o motivo do desprezo.
Aliviado, o novo advogado
esclareceu a situação. Na verdade, nem mesmo ele havia ido ao baile de
formatura. Salário de sargento era baixo e não dava para comprar paletó, beca,
anel e outras exigências formais para participar do evento. Informou, ainda,
que recebera o “canudo”, posteriormente, diretamente do diretor da faculdade.
Embora ganhasse a vida como sargento,
Martinho da Vila já era um bom compositor na época e a história foi um grande
argumento para compor “O pequeno burguês”, um dos maiores sucessos do grande
sambista de Vila Isabel e, até hoje, considerada um verdadeiro hino dos
vestibulandos vitoriosos.
A história foi contada pelo
próprio Martinho, no Programa Sarau, apresentado pelo jornalista Chico
Pinheiro.*
* Sarau foi um programa de televisão brasileiro
exibido pela Globo News. Foi apresentado por Chico
Pinheiro e mostrava os nomes da música popular brasileira.
Era exibido às sextas-feiras às 23h30min. Estreou em 2007, como uma versão nova
do Espaço Aberto. Foi extinto em 2016 devido a investida do
canal em jornalismo factual.
Felicidade!
Passei no vestibular,
Mas a faculdade
É particular.
Particular!
Ela é particular.
Particular!
Ela é particular...
Livros tão caros,
Tanta taxa pra pagar,
Meu dinheiro muito raro,
Alguém teve que emprestar.
O meu dinheiro,
Alguém teve que emprestar,
O meu dinheiro,
Alguém teve que emprestar...
Morei no subúrbio,
Andei de trem atrasado,
Do trabalho ia pra aula
Sem jantar e bem cansado,
Mas lá em casa,
À meia-noite,
Tinha sempre a me esperar
Um punhado de problemas
E criança pra criar...
Para criar!
Só criança pra criar.
Para criar!
Só criança pra criar...
Mas, felizmente,
Eu consegui me formar,
Mas da minha formatura
Nem cheguei participar.
Faltou dinheiro pra beca
E também pro meu anel,
Nem o diretor careca
Entregou o meu papel...
O meu papel!
Meu canudo de papel.
O meu papel!
Meu canudo de papel...
E depois de tantos anos,
Só decepções, desenganos...
Dizem que sou um burguês
Muito privilegiado,
Mas burgueses são vocês,
Eu não passo
De um pobre coitado,
E quem quiser ser como eu
Vai ter é que penar um bocado.
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado.
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado.
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado...
(Do blog Dr. Zem)
* Martinho José Ferreira nasceu em Duas Barras , no Norte
Fluminense, em 12 de fevereiro de 1938 é um cantor, compositor, escritor e músico
brasileiro.
Martinho serviu o Exército Brasileiro como sargento burocrata.
Nesta instituição, ele começou na Escola de Instrução Especializada,
tornando-se escrevente e contador, profissões que abandonou em 1970*, quando deu baixa
para se tornar cantor
profissional.
*Na verdade foi em 1969.
*****
P.S. Esta música está na internet na voz do próprio autor: Martinho da Vila.
Notícia da sua baixa do Exército
Sandro Macedo
Sargento do Exército,
Martinho da Vila escolhe os palcos e conquista a fama.
Martinho da Vila escolhe os palcos e conquista a fama.
“O terceiro-sargento Martiniano*,
atualmente servindo como escrevente na Diretoria-Geral de Engenharia do
Exército, vai pedir uma licença de dois anos para poder se dedicar
integralmente à sua nova profissão: fazer samba. Autor de sucessos como “Casa
de bamba” e “Pequeno burguês”, ele é o famoso Martinho da Vila...”
Assim a reportagem do GLOBO de 16
de agosto de 1969 relatou a dúvida que passava pela cabeça do consagrado
sambista, entre a carreira militar e a vida nos palcos. Depois de servir às
Forças Armadas por 13 anos**, chegando ao posto de terceiro-sargento, os deuses
do samba indicaram o melhor destino. Com isso, a música brasileira ganhou
Martinho da Vila, autor ainda de “Mulheres” e “Devagar, devagarinho”, entre
outras composições.
(Notícia O Globo de
1969)
* Na verdade seu
primeiro nome é Martinho.
** Martinho serviu no Exército de
1956, aos 18 anos, até 1969, já com 31 anos, quando deu baixa da vida militar
para seguir sua carreira artística.
“Eu era visto como comunista pela direita.
Para a esquerda, que não me conhecia,
eu era um agente da ditadura militar.”
Para a esquerda, que não me conhecia,
eu era um agente da ditadura militar.”
ISTOÉ:
– Como era ser
militar e cantor no final dos anos 1960 no Brasil?
Martinho da Vila
– Eu sofria pressão de ambos os
lados. Era difícil. Minhas primeiras participações artísticas fora da favela e
da quadra da escola de samba foram no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro. O
grupo era liderado por intelectuais de esquerda. Ferreira Gullar, Teresa Aragão
e muitos outros produziam aquelas peças de teatro. O lugar era até considerado
um aparelho comunista. Às segundas, acontecia ali o projeto “A Fina Flor do
Samba”, que mostrava para o pessoal da zona sul os compositores formados nas
favelas e escolas de samba. Fiz boa parte dos meus amigos ali. Por isso, eu era
visto como comunista pela direita. Para a esquerda, que não me conhecia, eu era
um agente da ditadura militar. Afinal, eu era sargento e havia militares
infiltrados nas mais diversas organizações.
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