(ou o dia em que a cidade se fez maravilhosa)
Publicado por Jota Pinto Fernandes*, 8 de setembro de 2012.
Ipanema anos 70
Acordo com o sol macio de uma
tarde de verão. O café da manhã do hotel Bossa Nova, na avenida Atlântica,
barato para o que oferece, é de comer de joelhos. Copacabana tem pouca gente,
nenhum flanelinha, as prostitutas desistiram de prostituir-se depois que a
cidade saiu da rota do turismo sexual. Disse-me o concièrge que o último
assalto registrado no Rio de Janeiro foi em 1988, quando roubaram César Maia e
o casal Garotinho. Ando tranquilo pela orla, levando o celular, a carteira
fazendo volume no bolso da bermuda, o tênis importado berrando sua marca. Sem
olhar para os lados para ver se alguém está de olho. Resolvo andar até Ipanema.
Como é bom nadar nessa água límpida. O Caribe é um lixo perto disso. Tomo banho
em um dos chuveiros do Posto 9.
Chico Buarque me convida para
bater uma bola. Deixo para amanhã. Juliana Paes me oferece uma água de coco
geladíssima. Todos os quiosques estão tocando o disco Amoroso, de João
Gilberto, no volume certo. Eis que o próprio João aparece, violão debaixo do
braço, e me convida para um chope. Vamos ao Bracarense. Lígia, a musa da canção
de Tom Jobim, que anda pela praia até o Leblon, está ali. O Bracarense está
lotado – mas o garçom, prontamente, nos coloca à mesa perfeita. João pede um
bolinho de camarão com catupiry, que chega quentinho.
Arpoador anos 60
“Vamos a Santa Teresa?”, pergunta
o homem (João tem desses repentes). Tomamos um táxi, cujo motorista não desvia
do caminho, não reclama, não fala sem parar, nunca levou nenhuma atriz da Globo
– e em um carro que tem ar-condicionado funcionando. Ninguém sabe o que é bala
perdida em Santa
Teresa. O bondinho passa a cada cinco minutos, pontualmente,
e sempre tem lugar. As favelas estão em festa porque os traficantes foram
presos e, agora, os aviõezinhos são só os de papel, feitos por meninos felizes.
Aliás, os meninos de rua sumiram. Assim como a catedral e o Obelisco de
Ipanema.
João acende um baseado na Lagoa
Rodrigo de Freitas, onde as crianças nadam contentes. Ele sugere uma volta de
pedalinho, mas eu prefiro dar um pulo até a Rocinha, que foi reurbanizada e
ganhou um restaurante panorâmico com motivos mediterrâneos. João pega o violão
e expulsa os artistas que fazem proselitismo com a extinta – extinta! – miséria
do Rio de Janeiro. Da janela, vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo. “Agora
tem um trem-bala até a Barra. Vamos nessa?”, indaga. João tem dessas. Claro que
vamos. E não é que demoliram aquela Estátua da Liberdade?
CORTA!
Ipanema, 10 da manhã. Alguém, por
favor, poderia tirar essa gigoga** fedorenta que se enroscou no meu pé?
*****
* Jota Pinto Fernandes é autor do
livro Confissões de Um Turista Profissional (Novo Contexto). Jota vai falar de
suas viagens pelo mundo. Mineiro, fumante, heterossexual com uma escorregada em
Paris nos anos de 1970. Ex-militante da organização terrorista Var-Palmares.
Fundador, com Carlinhos de Jesus, da Academia de Dança Acadêmicos da
Profilaxia. Reúne 253 destinos e alguns desatinos carimbados em seu passaporte.
Casado em quintas núpcias com uma prima bem mais nova.
** Gigoga: Aguapé, Iguapé,
Mururé, Camalote, Rainha-dos-lagos, Jacinto-d’água, Baronesa, Murumuru, Pavoa,
Pareci. Em cada canto que ela aparece recebe um nome diferente, mas todos eles
denominam a mesma planta: a Eichhornia crassipes. Planta aquática que se
multiplica aceleradamente na presença de altas taxas de matéria orgânica.
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