Monteiro Lobato
Houve uma jovem cigarra que tinha de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o tempo passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se foi para o formigueiro. Bateu − tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta embrulhada num xalinho de paina.
− Que quer? − perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
− Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu vivo ao relento.
A formiga olhou-a de alto a baixo.
− E que fez durante o bom tempo, que não construiu uma casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse:
− Eu cantava, bem sabe...
− Ah! ... exclamou a formiga, recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
− Isso mesmo, era eu...
− Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraia e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade termos como vizinha tão bela cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da
tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
****
(Do livro “Fábulas”, de Monteiro Lobato)
Vamos aprender?
Faina: atividade intensa
Tulha: celeiro, silo.
Labutar: esforçar-se,
trabalhar.
Paina: fibra natural
semelhante ao algodão.
Manquitolar: mancar, coxear
Monteiro Lobato fez, nesta fábula, uma releitura da versão de
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