Do folk poético
recolhido por Carlos Von Kozeritz e publicado em 1880,
encontramos esta
interessante estrofe:
Olha, ilustre Mingote,
Sei que vais para a fronteira;
Cuidado com a brincadeira
Com gente de certo lote;
Ali há muita aruá
Que café nunca trocou
O antigo chiripá;
Se vires algum clinudo,
Barbacena, cor tostada
Que troteia pela estrada
Com feições de botocudo
E franjas no chiripá,
Deixa andar o cabeçudo.
Sei que vais para a fronteira;
Cuidado com a brincadeira
Com gente de certo lote;
Ali há muita aruá
Que café nunca trocou
O antigo chiripá;
Se vires algum clinudo,
Barbacena, cor tostada
Que troteia pela estrada
Com feições de botocudo
E franjas no chiripá,
Deixa andar o cabeçudo.
Os “Gaúchos”
A quem estaria se referindo − ao
falar em “ferocidade e falta de civilização de muitos habitantes desse vasto e
ainda despovoado território” − a Carta Régia criadora da Comarca de São Pedro?
Provavelmente aos gaúchos, no seu andar errante pelas
planícies e coxilhas, em evidente desdém para com a civilização direitinha.
Gente capaz de jogar a vida ou a morte nas duas únicas alternativas do jogo do
osso ou tava: “culo” e “suerte”.
Dessa gente deixou-nos um eloquente relato o
viajante Nicolau Dreys:*
“Os gaúchos, nômades, estão em todas
as partes onde há estâncias ou charqueadas, em que servem de peões. Parecem
pertencer a uma sociedade agine, isto é, sem mulheres, tais como os antigos
tártaros. Pelo menos, aparecem geralmente sem mulheres e manifestam mesmo pouca
atração para elas (felizmente para seus vizinhos). Formaram-se originariamente
do contato da raça branca com os indígenas. Sem chefes, sem leis, sem polícia,
não têm da moral social senão as ideias vulgares, e, sobretudo, uma espécie de
probidade condicional que os leva a respeitar a propriedade de quem lhes faz
benefício ou de quem os emprega ou neles deposita confiança.”
“Convencido de que não lhe faltará
mantimentos enquanto o laço não lhes faltar, o gaúcho veste-se com o
estritamente necessário. Com o chiripá − pedaço de baeta amarrado em redor do
corpo, da cintura para baixo. Por cima do chiripá, o cingidor − espécie de
avental de couro cru destinado a receber a fricção do laço quando o animal faz
força sobre ele. Uma camisa, se a tem. Uma jaqueta sem mangas. Um par de
ceroulas com franjas compridas nas extremidades inferiores, e às vezes uma par
de calças por cima. Um lenço, quase sempre amarrado à cabeça. Um chapéu roto.
Raras vezes um poncho completo; em lugar desse, um pedaço de baeta vermelha.”
“O gaúcho parece apreciar o dinheiro,
menos para suprir suas precisões, que são poucas, do que para satisfazer suas
paixões ou alguns gostos instantâneos. Ele quer dinheiro principalmente para
jogar ou para adquirir a posse de qualquer brinquedo que, como nas crianças,
excitou sua cobiça passageira. Por isso, enquanto tem dinheiro ele pouco
trabalha. O tempo passa-se em jogar, tocar ou escutar uma guitarra nalguma
pulperia, e, às vezes, porém com raridade, dançar uma espécie de chula grave,
que vimos praticar por alguns deles. Quanto ao mais, pouca propensão parecem
ter para os licores espirituosos, e a embriaguez é coisa quase nunca aparecida
entre esses homens cujas disposições taciturnas e apáticas pouco se conciliam
com a loquacidade e movimentos desordenados da bebedice.”
(Do livro “Rio Grande
do Sul, prazer em conhecê-lo”, de Barbosa Lessa)
Jogo do osso, de Glênio Biancheti
*Nicolau Dreys (França, 1781 -
Rio de Janeiro, Brasil, 1843) foi um militar, comerciante e viajante francês
que percorreu o Rio Grande do Sul no início do século XIX. Chegou no Brasil em
1817, estabelecendo-se no comércio no Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano
viajou para Porto Alegre onde estabeleceu comércio até 1828.
Em 1839, o comerciante francês
Nicolau Dreys publicou no Rio de Janeiro o livro Notícia descritiva da
Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, considerado, pelo próprio autor,
como parte de uma obra bem maior, que descrevia observações de sua longa estada
no Brasil meridional e que ficara inédita devido aos altos custos tipográficos.
Esse escrito é de considerável importância, pois traça um quadro descritivo,
rico em informações, do Rio Grande do Sul à época da formação do Estado
nacional brasileiro e da fomentação revolucionária que resultou na Guerra Civil
de 1835. Dreys permaneceu dez anos na Província, aproximadamente entre 1818 e
1828, boa parte desse tempo na Vila do Rio Grande. Emigrado político, serviu no
seu país natal como militar e funcionário público; “em 1815 a denominada Santa
Aliança provocou o exílio dos bonapartistas, que procuraram abrigo em outros
países” (FLORES, 1990: 9), como Dreys, que veio para o Brasil com a família em 1817.
Ficou pouco tempo no Rio de Janeiro, de onde se deslocou para o Rio Grande do
Sul. “O fato de haver sido militar em seu país teria facilitado o ingresso nas
forças rio-grandenses que (...) combatiam as tropas de Artigas, na fronteira do
Uruguai” (BARRETO, 1973: 453), porém Dreys dedicou-se basicamente ao comércio.
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