Por Itamar Melo
→ O corpo humano não é de
trabalhar em silêncio. De
alto a baixo, produz uma ampla variedade de sons. Muito deles são a
consequência natural de uma engrenagem complexa, que envolve sólidos, líquidos
e gases em movimento constante. É o caso dos arrotos e da flatulência, mal
afamados e poucos nobres, mas totalmente normais e esperados. Problemático
seria não expelir os gases em questão.
Outros barulhos são resultado de
mecanismos de defesa do organismo. Quando detecta algum tipo de intruso
ameaçador, o corpo reage, tentando expulsá-lo. É o caso do espirro, da tosse e
do soluço. Em grande parte das ocasiões, esses três não passam de manifestação
sem maiores consequências − mas também podem ser o sinal de alguma enfermidade
que merece atenção.
Há ainda os sons que denunciam,
pela sua simples existência, que existe algo de errado em curso. Roncar , por
exemplo, não deveria acontecer: significa um distúrbio do sono. Chiados no
peito, por sua vez, são como a ponta de um iceberg: indicam que algo saiu de
controle no sistema respiratório. Na base, pode estar uma crise de asma ou de
bronquite, por exemplo.
(...)
Espirro
→ O espirro é um mecanismo de
defesa do ser humano. Quando o organismo detecta a presença de algum corpo
estranho ou a existência de secreção nas vias aéreas (o que acontece no
resfriado, por exemplo), desencadeia uma violenta reação involuntária para
expulsar a ameaça ou desimpedir os caminhos.
− Encaramos o espirro como uma
defesa natural, que não chega a determinar patologia nenhuma. É uma força de
pressão positiva que sai das vias aéreas superiores e inferiores com o intuito
de melhorar, de tirar um corpo estranho, uma secreção que fica presa − explica
o otorrinolaringologista Sérgio Kalil Moussalle, do Hospital São Lucas da
PUCRS.
O espirro só terá interesse
médico quando acontecer de forma continuada, um atrás do outro, em quantidade.
Nessa circunstância, a causa para
o fenômeno pode ser uma doença. Deve-se procurar um médico para identificá-la e
tratá-la. Os diagnósticos mais comuns são de rinite alérgica e sinusite
alérgica. Em alguns casos, envolve uma crise asmática. Os agentes causadores
podem ser ácaros ou pólen, por exemplo, e vir de cortinados, forrações,
carpetes e aparelhos de ar-condicionado. O médico vai realizar testes alérgicos
e provavelmente solicitará exames de imagem, como tomografias dos seios da face
e do tórax, em busca de sinais de processos inflamatórios ou infecciosos.
− O tratamento pode ser
medicamentoso ou mesmo cirúrgico. Por exemplo, se houver uma polipose nasal,
que são corpos estranhos na mucosa nasal, pode haver indicação de cirurgia −
diz Kalil Moussalle.
Flatulência
→ Peidar é um ato tão importante
que a evolução dotou os seres humanos de uma estrutura, na saída do ânus, que
discrimina se o que vem lá é sólido, líquido ou gasoso. Graças a isso, podemos
expelir os gases com certeza de que o que vai sair são mesmo gases (exceto em
situação de diarreia, naturalmente). Espera-se que uma pessoa, em condições
normais, solte de 18 a
20 traques por dia.
A flatulência é uma consequência
do processo de fermentação dos resíduos alimentares no intestino, realizado por
bactérias. Geram-se gases, e esses gases precisam sair. Caso contrário,
distenderiam o intestino e causariam dor.
− Na hora em que são eliminados,
encontram uma certa resistência, há um turbilhonamento do ar, e por isso gera
ruído. É como um instrumento de sopro. Causa embaraço socialmente, mas é
absolutamente natural − explica o gastroenterologista Carlos Francesconi.
A quantidade de gás expelida
varia conforme a dieta (fibras são o grande vilão). Outro fator que pode
significar mais ou menos flatos é a capacidade de acumular gás. Algumas pessoas
têm o intestino sensível, e pequenos volumes já estimulam a eliminação. Outras
toleram quantidades maiores e se aliviam de uma vez só, quando vão ao banheiro.
Apesar de ser fenômeno natural,
sem conexão com patologias, muitas pessoas costumam ir ao consultório médico por
causa dos peidos, achando que se trata de sintoma de alguma doença.
− Nesse caso, o papel do médico é tranquilizar o paciente sobre a normalidade da eliminação − diz Francesconi.
Arroto
→ Assim como os flatos, o arroto
também é a expulsão de um gás que está dentro do organismo e precisa ser
eliminado. Mas há algumas diferenças significativas − e não estamos aludindo
apenas ao orifício de saída. A primeira delas diz respeito à origem do gás.
Enquanto, no caso da flatulência, os gases são formados dentro do intestino, no
caso do arroto eles vieram de fora − de bebidas carbonatadas, como os
refrigerantes, ou do ar que engolimos pela boca. Outra diferença é que o gás
que sai no pum vem do intestino, enquanto o que sai no arroto está no estômago
ou no esôfago.
No caso do esôfago, trata-se do
ar que foi engolido e que ali ficou preso. Já o gás das bebidas carbonatadas
vai mais longe, até o estômago, para depois ser expelido pela eructação. O
gastroenterologista Carlos Francesconi explica que uma parte do gás dos
refrigerantes e assemelhados pode ser absorvida pelo estômago, entrar na
circulação sanguínea e ser eliminado pelo pulmão, via respiração.
− Por que uma pessoa fica com
hálito de cebola ou alho: É porque foi para a circulação. Não é na boca que
está o gosto da cebola e do alho.
Como no caso da flatulência, a
eructação é um fenômeno natural. Em situações mais raras, pode ocorrer um
distúrbio que faz a pessoa arrotar sem parar, o que exige tratamento.
Francesconi afirma que essa situação pode aparecer em quem engole muito ar, o
que em geral está relacionado com ansiedade, mas não se trata de uma doença,
apesar de gerar desconfortos.
Ronco
→ Dormir com alguém que ronca é
um tormento que está na origem de muitos divórcios e até mesmo de casos
documentados de surdez. Em geral, quem sofre é a mulher: o ronco é muito mais
frequente em pessoas do sexo masculino, o que se deve em parte a causas anatômicas,
como o padrão de distribuição de gordura.
Mas o que vem a ser o ronco?
Trata-se de um ruído que decorre
da vibração das estruturas da orofaringe − palato, úvula e língua. Essa
vibração acontece quando o ar da respiração se movimenta com muita velocidade,
por causa de um estreitamento da passagem. Os motivos são bem variados. Um dos
mais usuais é o sobrepeso. Mais gordura no pescoço, por exemplo, pode levar a
uma compressão da orofaringe. O álcool também leva ao ronco, por provocar um
relaxamento na musculatura, fazendo-a vibrar mais. Há também causas anatômicas:
queixo muito recuado, amígdalas ou língua grandes demais e o formato do rosto.
− Roncar não é normal. É um
distúrbio respiratório do sono. Quem ronca deveria buscar um recurso para não
roncar, principalmente se causa perturbação a outra pessoa − diz o neurologista
Geraldo Rizzo, especialista em medicina do sono e diretor do Sonolab, laboratório
de sono do Hospital Moinhos de Vento.
Rizzo afirma haver alternativas
para todos os casos. Se o problema é excesso de peso, as opções incluem
atividade física, dieta ou até cirurgia bariátrica. Se o álcool está na raiz,
mudanças no hábito de ingestão de bebidas podem resolver. Se a língua é grande,
só o ato de dormir de lado já pode desobstruir a orofaringe.
Tosse
→ Se colocar um cotonete no
ouvido e cutucar com alguma insistência, é provável que você vá tossir. Isso
acontece porque existe ali um terminal de tosse. O terminal de tosse é uma
terminação nervosa que, quando estimulada, faz o organismo interpretar que há
alguma ameaça tentando entrar no sistema respiratório. Nessa circunstância, o
corpo reagirá de forma a colocar para fora a partícula irritante, gerando uma
mudança brusca da pressão intratorácica que aumenta poderosa e ruidosamente a
velocidade de expulsão do ar. É isso a tosse.
Como se pode ver, trata-se de um
mecanismo primordial de defesa similar ao espirro. O espirro, porém, está mais
ligado às vias aéreas superiores, enquanto a tosse tem mais relação com as vias
aéreas inferiores: traqueia, brônquios, pulmões. José Miguel Chatkin,
presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e professor de pneumologia da
Faculdade de Medicina da PUCRS, orienta que se procure um médico em caso de
tosse continuada, por período superior a uma semana, porque nesse caso ela pode
ser sintoma de algo mais grave:
− A tosse pode estar associada a
uma grande variedade de enfermidades, de uma simples infecção viral a um tumor.
Uma recomendação enfática de
Chatkin é não utilizar xaropes contra a tosse, exceto em condições médicas
muito específicas, já que eles anestesiam os terminais de tosse, suprimindo o
mecanismo de defesa:
− A tosse é sempre um sinal de
alerta. Não se deve nunca anestesiar a tosse.
Soluço
→ O soluço é uma contração
espasmódica do diafragma. Ocorre quando alguma terminação nervosa do nervo frênico
− que se estende do pescoço até o já mencionado diafragma − sofre algum tipo de
irritação.
− Esse nervo está passando por um
desfiladeiro, que tem de estar livre para ele ficar tranquilo. Se por acaso
alguma coisa ali não está bem, é motivo de surgir o soluço. A função é mostrar
que tem alguma coisa errada, como um funcionamento inadequado do tubo digestivo
− explica o pneumologista José Miguel Chatkin.
Quase sempre, o soluço aparece
devido à inalação de um ar mais frio ou à ingestão de água gelada, tem duração
de poucos minutos e se extingue por si só. Para acelerar seu fim, pode-se
segurar a respiração por algum tempo, o que modifica pressões e temperatura
internas, com algum grau de eficácia.
Na grande maioria dos casos, não
passa, portanto, de uma situação incômoda e um pouco ridícula, que costuma
despertar alguns risos ao redor. Mas há alguns casos mais raros em que o soluço
exige atenção médica. Se ele for persistente, isso significa que há alguma
causa permanente provocando-o − há muitas possibilidades, como uma infecção ou
até mesmo algum tumor que invadiu a área por onde está passando o nervo
frênico.
− Existem situações complicadas,
em que o soluço dura muito tempo e é preciso internar o paciente para fazer
anestesia – relata Chaktin.
O pneumologista recomenda que se
procure um médico quando o soluço se prolongar por mais de um dia.
Chiado no peito
→ O pneumologista José Miguel
Chatkin compara o chiado no peito ao vento que passa por uma fresta em uma
janela e assobia:
− O ar está vindo em uma
velocidade e encontra um espaço pequeno para passar. É exatamente o que
acontece com o chiado, ou sibilância: o ar está querendo sair, mas existe uma
diminuição do calibre do brônquio ou da traqueia por onde ele deve passar. Daí
ele chia.
Esse ruído, que às vezes pode ser
ouvido à distância, sempre preocupa e exige atenção médica. Ele indica que o ar
que entra está encontrando dificuldade para sair, o que pode dever-se a um
fechamento da traqueia, mas em geral tem origem em uma inflamação dos brônquios.
As causas mais frequentes são asma e bronquite crônica. Em fumantes, pode ser
um caso de doença pulmonar obstrutiva crônica. O tratamento envolve uso de
broncodilatadores e anti-inflamatórios.
− Geralmente, o chiado vem junto
com falta de ar. Na pessoa que tem asma, mesmo que esteja sem sintomas, há
sempre uma inflamação presente. Quando chega a ponto de aparecer o sintoma, é
porque a inflamação está saindo do controle. É difícil fazer o paciente
entender isso, mas o asmático tem de se tratar sempre, mesmo sem sintomas. Por
quê? Porque está evitando a próxima crise − alerta Chatkin
Ruídos abdominais
→ Quando a barriga ronca, logo
associamos à fome. Essa associação está correta. O ruído abdominal resulta de
movimentos que ocorrem no aparelho digestivo, principalmente depois de um
período de jejum.
− Tem de entender que o aparelho
digestivo não é um cano reto. É um sistema hidráulico, um tubo oco recoberto
por músculos. Ele produz ondas porque empurra para frente o conteúdo que há
dentro dos intestinos. Isso cria um certo turbilhonamento, um ruído. Após as
refeições, esses movimentos são mais rítmicos, acontecem com certa frequência,
então não acumula muito líquido, tudo vai sendo empurrado devargazinho. Mas
quando estamos em jejum existem as ondas de limpeza do organismo, que começam
no estômago e vão até o intestino grosso. Aí se ouve o ronco com mais
facilidade, porque acumulou mais água e mais ar. Não há sinal de doença nisso −
explica o gastroenterologista Carlos Franscesconi, professor do departamento de
medicina interna da UFRGS.
O ronco da barriga pode estar
relacionado a uma questão médica no caso de uma infecção intestinal, mas nesse
caso os sintomas mais relevantes serão as dores. Francesconi afirma que a
situação em que um som abdominal alarma é quando se detecta o chamado ruído
metálico − mas, nesse caso, o som só perceptível com uso de um estetoscópio.
Estalo nas articulações
→ Você movimenta alguma
articulação − do tornozelo, do joelho, do cotovelo, do pescoço, qualquer uma −
e produz-se um estalo ruidoso. O que é isso? Preocupa?
O fisiatra e neurofisiologista
Anthero Sarmento Ferreira explica que esse fenômeno, tecnicamente conhecido por
crepitação, tem duas vertentes: uma normal e outra indicativa de um problema
que requer tratamento.
− O primeiro caso é uma coisa
natural, que tem a ver com os gases intra-articulares que nós temos. Com a
mobilidade da cápsula articular, esses gases se deslocam e dá-se uma situação
de vácuo, que provoca o som. É a mesma coisa que acontece quando estalamos os
dedos de propósito. Não tem importância nenhuma do ponto de vista médico −
afirma Sarmento Ferreira.
A crepitação, porém, acontece em
algumas pessoas como consequência de desgaste da cartilagem articular − nesse
contexto, o ruído pode vir do roçar de osso contra osso. Na base do desgaste
cartilaginoso, estão patologias como a artrose e a osteoartrose.
A indicação pode ser de
medicamentos que regenerem a cartilagem e fisioterapia. Como identificar o
estalo normal e benigno do outro, associado a patologias? O fisiatra diz que é
simples. Se houver dor acompanhando o barulho, estamos falando do segundo tipo.
Limitação de movimento também é sinal de alerta:
− Se o ruído está associado com
dor, há um processo inflamatório ativo, tem doença naquela articulação. Se for
só ruído, não tem motivo para se preocupar.
(No Caderno Vida, de
Zero Hora, janeiro de 2019)
Bem interessante!
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