José Nascimento da Silva
Pernambuco 1842 – 1936
O Lendário Nascimento Grande de capa e bengala
Nascimento Grande nasceu em 1842
e dançou, em 1936. Reputado como o maior capoeirista de Pernambuco de todos os
tempos, O Capoeira, como era conhecido, foi manchete nos principais jornais do
Recife. Negro, dois metros de altura, longo bigode, gentil, educadíssimo, olhar
de Bruce Lee, maneiro, veloz, incompatível com a sua estatura física e peso –
120 quilos. A imprensa da época depois de reunir todos os prós e contra do
Capoeira, concedeu-lhe o título de Herói Popular, baseado no fato dele só ter
lutado durante toda a sua vida única e exclusivamente para se defender.
Nascimento enfrentava um pelotão
de polícia, brigava, usava as pernas, saltava de banda, quebrava telhados,
escalava muros, quando era depois, procurava o soldado mais fraco da corporação
e se entregava. Exemplo de honestidade, integridade, valentia e nobreza de sentimento.
Nascimento Grande ganhou a
simpatia de todas as classes sociais, além do meio cultural e literário, não só
do Recife, mas de outros Estados: Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Ah, bom!
Câmara Cascudo, José Mariano, pai do poeta Olegário, Gilberto Amado.
Eles não só tinham estima pelo
Capoeira, como conheceram-no pessoalmente. Gilberto Freyre chegou a reclamar do
governo uma homenagem ao saber do falecimento de Nascimento Grande, aos 94 anos
de idade, em Jacarepaguá, Estado do Rio de Janeiro, em 1936.
Esse operário do Porto do Recife,
na função de estivador, era também conhecido como portador de uma força
descomunal. Poderia ser o João Valentão da música de Dorival Caymmi. Claro, ele
tinha seus momentos. Costumava parar em uma Igreja para uma oração. Consultava Pai de
Santo, e costumava dizer para os amigos:
− Siga ligeiro pra casa/ Vá
procurar “Pai João” / Vá fazer o que lhe digo / Mas também não tema não /
Compre maconha e jurema / Faça uma defumação.
A fama de Nascimento Grande despertou curiosidade entre os
valentões mais famosos do Brasil. Sua coroa era cobiçada por ninguém menos que:
– Pirajé (Pará); Manuezinho Camisa Preta (R.J); Pajeú (Sertão pernambucano); e
João Sabe Tudo. Esse era nó cego, e vivia a desafiar o Capoeira, convocando-o para
briga com local e hora marcada. O pior é que eram amigos, promoviam festas
juntos no Hotel Sobrado Grande, localizado na Rua Camboa do Carmo, bairro de
Santo Antônio, Recife.
A maior e mais violenta briga dos
dois, foi marcada com antecedência em frente à Igreja do Carmo. Cacete comeu
até certas horas. Já parecendo dois galos de brigas, ao terminar a luta,
Nascimento Grande colocou o seu parceiro nas costas e o levou para o hospital
banhado de sangue.
Conta José Mariano (Jornal do
Commercio – Recife, 20/02/36), que aos 93 o Capoeira foi até a feira livre de
Paraguaçu, e lá comprou um abacaxi a um Português dono de barraca. Verificando
a idade muito avançada do Capoeira, o Portuga colocou um abacaxi com um pedaço
podre, enrolou e entregou-lhe na mão. Em casa, quando Nascimento verificou a
sacanagem, voltou com a “inflorescência” na mão e foi reclamar do Portuga, que
não lhe deu a devida atenção. Desafiou o velho. A mancada foi do Portuga, né
véi? Nascimento foi na goela dele, do jeito que os capoeiristas do Recife da
época faziam com os “marinheiros”. O Portuga só não morreu porque ficou
respirando pelo bigode.
O poeta popular também se pronunciou em verso Sete Linhas
sobre o Capoeira, como foi o caso de João Martins de Ataíde, segundo Câmara
Cascudo:
Nascimento ficou velho
Seu cabelo embranqueceu,
Mas no seu rosto enrugado,
Um homem nunca bateu.
Sendo, assim, tão iracundo,
Com honras viveu no mundo,
Honrado também morreu.
“Hércules é um mito, Nascimento
Grande existiu de verdade. Suas façanhas estão narradas nos jornais do Recife”.
Ofereço esta matéria ao autor da
frase supra – Bernardo Alves, pesquisador autodidata, sério, honrado,
competente zeloso e incisivo, de saudosa memória.
(Do blog Projeto Educando Com Ginga)
Recife Sangrento
Ary Lobo
Eu vou falar é do Recife
sangrento,
a verdade é sagrada e não se esconde.
Valente entre os mais valentes,
Foi o Nascimento Grande. (bis)
Cada rua em Recife tinha um brabo,
Cada bairro existia um valentão,
A coragem era a Lei da Razão,
Testemunho de tal civilidade.
A peixeira era a identidade,
Documento de todo cidadão,
A verdade é sagrada e não se esconde.
a verdade é sagrada e não se esconde.
Valente entre os mais valentes,
Foi o Nascimento Grande. (bis)
Cada rua em Recife tinha um brabo,
Cada bairro existia um valentão,
A coragem era a Lei da Razão,
Testemunho de tal civilidade.
A peixeira era a identidade,
Documento de todo cidadão,
A verdade é sagrada e não se esconde.
Valente entre os mais valentes,
Foi o Nascimento Grande. (bis)
Zé Lero-Lero, que dopou pião dolero
Compadre do jongondrongo.
Lembra a Zefa do Biombo,
Que brigava de punhal,
Corre hoje de preá e nunca aceitou conselho.
Também Juvino dos coelhos,
Que morreu no seu ramal,
A verdade é sagrada e não se esconde.
Foi o Nascimento Grande. (bis)
Zé Lero-Lero, que dopou pião dolero
Compadre do jongondrongo.
Lembra a Zefa do Biombo,
Que brigava de punhal,
Corre hoje de preá e nunca aceitou conselho.
Também Juvino dos coelhos,
Que morreu no seu ramal,
A verdade é sagrada e não se esconde.
A descrição que Luís da Câmara
Cascudo, o mestre Cascudo faz de Nascimento Grande é fenomenal:
“De alta estatura, corpulento, chegando aos 130 quilos, morenão,
bigodes longos, muito cortês e maneiroso, usava invariável chapelão desabado,
capa de borracha dobrada no braço e a célebre bengala de quinze quilos,
manejada como se pesasse quinze gramas e que ele chamava a volta. Uma bengalada
derribava um homem, duas desacordavam e três matavam.”
Mas quem foi essa figura
extraordinária? Chamava-se José Antônio do Nascimento e era o mais afamado
valente do Recife na entrada do século XX. Trabalhava na estiva e, segundo
relatos, carregava cargas absolutamente insanas, daquelas de enrubescer os
maiores fortões. Era um Hércules, o Nascimento Grande.
Nunca provocou uma porrada. De
conduta ilibada e honestidade comovente, só saía no cacete em legítima defesa.
Como era uma fortaleza, costumava ser desafiado por malandros de todos os tipos
e Mestres de capoeira, que sabiam da fama reservada a alguém que conseguisse
meter-lhe a porrada. Nunca aconteceu. Alguns diziam que ele tinha o corpo
fechado, pois foi atacado por diversas vezes por disparos de arma de fogo a
queima roupa e nunca foi ferido. Tudo graças a um amuleto com um “Santo Lenço”
que ele carregava.
Existem inúmeras histórias desse
gigante, como esse ataque que sofreu, em Vitória de Santo Antão, de um cabra
chamado Corre-Hoje. Antonio Padroeiro (seu nome verdadeiro) atacou Nascimento
Grande auxiliado por sete comparsas. Nascimento Grande bateu nos sete e matou o
Corre-Hoje. Diante do pânico dos que assistiam à cena, que incluiu os
inevitáveis desmaios das mulheres, Nascimento Grande colocou o corpo do
meliante em um banco, acendeu velas votivas e velou, rezando contrito, a alma
do morto até a chegada da polícia. Exigiu que Corre-Hoje tivesse um velório cristão.
Era o defensor das putas do
Recife Velho. Mandava dizer que quem maltratasse as moças se veria com ele e
com sua inclemente bengala. Não havia cafetão ou cliente que se metesse a
engraçado com as quengas quando o Grande estava na zona. Constantemente se
apaixonava pelas meninas e afirmava que o amor de uma puta era o mais sincero
dos sentimentos. Repetia sempre uma máxima: “sortudo é o homem pelo qual uma
puta se apaixona. Maldito é o que tem os amores de uma virtuosa.”
Em certa feita foi provocado por um valente do bairro de São José chamado Pajéu, metido a capoeirista e dado a bater em mulher – coisa que causava asco no nosso personagem. Pois o tal do Pajéu apanhou mais que boi ladrão. Um dia, Pajéu atacou Nascimento Grande com uma “peixeira” e foi desarmado por Nascimento Grande que obrigou o cabra a colocar uma saia de mulher e desfilar pelas ruas do Recife Velho. As putas, que amavam nosso personagem e execravam o tal de Pajéu, aplaudiram em delírio a desmoralização do bocó.
Foi ele quem matou, em viagem ao
Rio de Janeiro, o legendário capoeirista Camisa Preta*, que o desafiara para um
combate de morte. Essa batalha transformou o Largo da Carioca na península do
Peloponeso.
*Cremos que esse confronto nunca existiu. Leia, Neste Almanaque, “Uma luta entre
facínoras”, sobre a morte de “Camisa Preta”.
Mas a maior luta de Nascimento
Grande foi contra João Sabe Tudo, que era seu mais feroz adversário e um dos
valentões mais temidos de Recife. Os dois evitam se encontrar, só que em um Domingo de manhã se
esbarraram perto da ponte do Largo da Paz, não houve tempo pra discussões e a
briga começou. João Sabe Tudo de “peixeira” na mão e Nascimento Grande com a
bengala. Golpes zuniam no ar. Foi se formando a multidão, com grupos de
curiosos que aplaudiam ora um ora outro combatente. A Cada rasteira, negaça os
aplausos choviam. E os dois valentões avançavam um contra o outro, ou recuavam
estrategicamente, ambos ligeiros e valentes. Mas as horas do dia foram passando
e a batalha continuava, cada vez mais violenta, sem vencido sem vencedor. E os
dois lutadores, em fugas, avanços e negaças, foram descendo a Rua Imperial. A
multidão acompanhando. Atingiram a Praça Sérgio Loreto. Avançaram mais e de
repente chegaram a Matriz de São José. E entraram na Igreja, e a multidão
barulhenta atrás deles. É quando aparece o Vigário da Matriz, indignado. Grita
para os dois valentões. Ambos feridos e extenuados e os obrigam a parar. Faz
mais ainda, intima que respeitem a casa de Deus e exige que apertem as mãos. Os
dois inimigos, embora desconcertados, obedecem. Foi essa a última luta de
Nascimento Grande e João Sabe Tudo, os maiores valentões do Recife Antigo.
Com o coração do tamanho do
Capibaribe, Nascimento Grande fez grandes amigos por onde andou. Honestíssimo −
mesmo os inimigos reconheciam isso −, chorava feito manteiga derretida com as
coisas mais corriqueiras da vida. Morreu, com mais de cem anos, no Rio de
Janeiro, onde passou parte da velhice...
Ele deixou família?
ResponderExcluirSinceramente, não sei.
ExcluirHoje sou um capoeirista amo Recife nascido e criado aqui muito bom da continuidade a essa luta brasileira e originalmente pernanbucana
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