quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A estreia de Veríssimo em VEJA

 

O primeiro texto saiu em 15 de dezembro de 1982, no espaço ocupado até então por Millôr Fernandes. Meses depois, surgia um dos personagens mais icônicos da vasta galeria criada por Veríssimo, a Velhinha de Taubaté que acreditava em todos os governos (desde Getúlio) – e que o cronista ‘matou’ na esteira do mensalão. 

Autoentrevista 

Luis Fernando Veríssimo 

És ciumento? 

Nasci aqui na Bolívia mesmo. Nascer foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Eu não seria o que sou hoje se não tivesse nascido. Acho que foi um parto normal. Perguntei para minha mãe, mas ela insiste que não estava lá na ocasião. Desconfiei que alguma coisa errada comigo porque papai trazia os amigos para me ver, no berçário, mas apontava para outro bebê. Custei a falar. Durante dois ou três anos, apesar da insistência da família, só dizia meu nome, minha patente e meu número de série. Sou de Libra. Minha vida é regida por Saturno, Urano e, estranhamente, pelo maestro Isaac Karabtchevsky. 

Já foi beijado? 

Me considero um homem de esquerda. Tenho certeza que meus filhos ainda viverão sob o socialismo. Em Paris, às minhas custas. Eu não tinha entendido o termo “capitalismo selvagem” até que um representante do FMI desceu em Brasília, pediu que carregassem sua bagagem e um ministro da área econômica disse “Sim, bwana”. Não sei se o FMI vai interferir mesmo no país, mas quando sua comitiva esteve no Rio um dos membros foi visto apontando para o Pão de Açúcar e perguntando: “O Cristo Redentor não ficaria melhor ali?” Não entendo por que uma nação inteira deva se submeter aos interesses dos banqueiros internacionais. Eles não são melhores que os banqueiros nacionais. Mas não me tomem por um esquerdista radical. Não sou nenhum Jorginho Guinle. 

Preferes loira ou morena?

Bem, penso da morte a mesma coisa que penso das multinacionais. Ela está aí, existe, não há como evitá-la, pode até ser uma coisa boa na medida em que cria empregos, etc. − mas sou contra. Quanto à vida eterna minha preocupação não é se existe ou não, é chegar lá e encontrar os melhores lugares tomados por quem foi primeiro. Os etruscos devem ter todas as coberturas, os fenícios os terrenos do lago e a gente acaba ficando num quarto debaixo de uma escola de dança flamenca, para sempre. Mas sou um materialista agnóstico. Não acredito em nada que eu não possa pegar, apalpar, cheirar ou morder. Não acredito na Luíza Brunet, por exemplo.

Gostas do Roberto Carlos? 

Acho que não há clima para um golpe, atualmente, no Brasil. Ainda mais no Rio, onde tem chovido muito. O que dá toda vantagem estratégica ao sapo, como se sabe. 

És cínico ou crês no amor? 

Tive uma infância comum, Classe B, fundos. Minha família era tão classe média que tinha 3.2 filhos. Minha primeira experiência sexual foi com uma vizinha. mas ela nunca ficou sabendo. Parei de estudar quando decidi que a escola não estava me preparando para o que eu queria: vagabundo. Tudo que aprendi foi a vida que me ensinou. Só não me perguntem a vida de quem. Em dezesseis anos de jornalismo aprendi algumas coisas, como jamais apertar o botão marcado “Tabulador” na maquina de escrever porque desregula tudo. Sou eleitor desde 57, mas não me culpem pelo Jânio. Não fui só eu.

Luis Fernando Veríssimo por Bertoni

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