quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A passionalidade romântica

 Fabrício Carpinejar

Desconfie de quem é passional no início do relacionamento. Quem oferece o céu e a terra de graça vai tirar o céu e a terra quando vocês não estiverem mais lado a lado. A relação abusiva já se anuncia com o excesso de promessas. Quanto mais faraônicas e absurdas as concessões, maiores as privações no desate. Até porque não existe amor fácil, dinheiro fácil, trabalho fácil. 

A passionalidade romântica é a outra face da moeda da passionalidade destrutiva. A disponibilidade total no começo traz a perseguição integral na despedida. Se a pessoa é incondicional para o bem, será também para o mal. A intensidade é usada tanto para a virtude quanto para o defeito. Serve para a adoração e para a inquisição. 

Se ela se porta como a mais amorosa ao se conhecerem, será a mais odiosa quando você não mais corresponder às expectativas. Não há meio-termo. Ela não tem nenhum senso de medida, consciência do caminho do meio, abertura ao entendimento, ao respeito às diferenças, à aceitação das divergências. Ou você está com ela, ou contra ela. É alguém que não sabe lidar com a rejeição. Não admite que você vire as costas e siga as suas vontades. Será traição, será covardia, será deserção. 

Da mesma forma como deseja morar junto em uma semana, antes de formarem intimidade, será capaz de dizimar a sua reputação em menos de sete dias com a ruptura, desprezando o direito ao contraditório. Da mesma forma como banca viagens a praias desertas e ostenta luxos, desejará ver você sem nada, sem amigos, sem chance de fiança. Duvide de quem diz que ficaria na frente de um carro para que você não seja atropelado; é quem irá atropelá-lo no término dos laços, com a possibilidade sádica de uma ré. 

Previna-se de quem leva você ao topo da montanha da idealização; é quem não terá compaixão de empurrá-lo ao precipício da desmoralização. Tenha um pé atrás com quem professa que faria qualquer coisa por você, que você é a mulher ou o homem dos sonhos – igualmente será a mulher ou o homem dos pesadelos. “Qualquer coisa” implica inclusive não deixar mais viver em paz. “Qualquer coisa” envolve no pacote veneno, fofocas e difamação. 

Enquanto estão convivendo, é o paraíso das mentiras. Após a dissolução, será o inferno das verdades. Os românticos exacerbados são os mais perigosos. Eles não casam, mas caçam reféns. Montam cativeiros, pedem resgate, espalham para todo mundo que aquele que saiu de perto foi ingrato. O perdulário de palavras e juras de amor é o mais avarento na atitude pós-separação. Sempre se mostrou um extremista. 

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(No jornal Zero Hora, dezembro de 2021) 

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