Wislawa Szymborska*
Depois de cada guerra
alguém tem que fazer a faxina.
Colocar uma certa ordem
que afinal não se faz sozinha.
Alguém tem que jogar o
entulho
para o lado da estrada
para que possam passar
os carros carregando os corpos.
Alguém tem que se atolar
no lodo e nas cinzas
em molas de sofás
em cacos de vidro
e em trapos ensanguentados.
Alguém tem que arrastar a
viga
para apoiar a parede,
pôr a porta nos caixilhos,
envidraçar a janela.
A cena não rende foto
e leva anos.
E todas as câmeras já debandaram
para outra guerra.
As pontes têm que ser
refeitas,
e também as estações.
De tanto arregaçá-las,
as mangas ficarão em farrapos.
Alguém de vassoura na mão
ainda recorda como foi.
Alguém escuta
meneando a cabeça que se safou.
Mas ao seu redor
já começam a rondar
os que acham tudo muito chato.
Às vezes alguém desenterra
de sob um arbusto
velhos argumentos enferrujados
e os arrasta para o lixão.
Os que sabiam
o que aqui se passou
devem dar lugar àqueles
que pouco sabem.
Ou menos que pouco.
E por fim nada mais que nada.
Na relva que cobriu
as causas e os efeitos
alguém deve se deitar
com um capim entre os dentes
e namorar as nuvens.
Tradução: Regina Przybycien
* Wisława Szymborska (2.7.1923 − 1º.2.2012) foi uma escritora polonesa ganhadora do Prémio Nobel de literatura em 1996. Poeta, crítica literária e tradutora, nasceu, viveu e morreu em Cracóvia, Polônia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário