segunda-feira, 17 de junho de 2024

Os campos de futebol,

 a bola e o saudosismo 

Foi lançado nesta semana (segunda quinzena do mês de junho de 2024), no Chalé da Praça XV, o livro “Viva a Várzea”. Tem assinatura de 17 autores. Entre eles, Piero D′Alascio, autor de “A várzea movimentava os campos de Petrópolis” dividido em segmentos. Um deles. Trata sobre campos.

“Durante as décadas de 50 e 60 havia uma grande quantidade de terrenos baldios em Porto Alegre o que permitia a quase totalidade dos clubes alugar ou tomar emprestado um desses terrenos, para instalar-se seus campos oficiais ‒ com rosetas, guanxumas e tudo que tinham direito. Os clubes com campo eram quase sempre filiados à FGF. O status do clube mudava. Além disso, permitia o desenvolvimento das hoje denominadas categorias de base, que na época eram: mirim, infantil, infanto-juvenil e juvenil (sem esquecer do famoso 2º quadro)! 

A qualidade média dos campos era baixa, tinha de tudo: areão, rosetas, tufos de grama, carecas e, pasmem, até alguns com aclives/declives acentuados. E havia os valões por perto. Poucos tinham alambrados, a maioria não tinha nada e alguns contavam com uma espécie de cerca com um parapeito de madeira, como nas raias do Jockey Clube. 

É difícil estabelecer um marco temporal na paixão pelo futebol quando se nasce na frente de uma praça com campo de futebol. Desde que me conheço eu e meus dois irmãos, Luciano e Paulo Alberto, freqüentávamos o campo da Praça Tamandaré, entre as ruas Caçapava e Taquara, no bairro Petrópolis. Aos poucos fomos conhecendo outros campos de várzea em Porto Alegre e arredores. Essa paixão pelo futebol fazia com que as condições do “gramado” (careca, embarrado ou seco, com ou sem rosetas) fosse secundária. E quase todos os campos se assemelhavam, especialmente nos defeitos.” 

A bola 

Dias atrás escrevi sobre os campinhos de futebol que o frenesi imobiliário engoliu. Hoje, falo sobre a bola do meu tempo de guri na minha querida Garibaldi. 

A bola tinha uma importância fundamental entre a gurizada. Mais do que esta parafernália tecnológica para a garotada de hoje. O dono de uma bola número 5 garantia lugar certo no time e escolhia posição. Porque havia poucas bolas número 5. 

Mesmo sendo um notório perna-de-pau o dono da uma bola número 5 determinava sua escalação como atacante se assim decidisse. Não fosse o dono, iria para o gol. Todo perna-de-pau tinha lugar garantido no gol. 

Como só havia um goleiro e muitos pernas-de-pau, os demais iam para a zaga. 

Do meio para a frente jogavam os melhores. Respeitavam-se esta hierarquia. O dono da bola era o bambambã e também o dono do jogo. 

As bolas tinham todas a mesma cor alaranjada e eu ganhava uma a cada Natal. Tinha status de titular, portanto. Onde há um menino e uma bola, a imaginação voa. 

(...) 

Para a bola durar um ano era preciso cuidado. Os gomos de couro eram unidos por costura feita à mão e eu passava sebo nos fios para evitar a penetração da água. 

Para encher a câmara, passava num posto de gasolina e usava o calibrador de pneus. 

E toda atenção do mundo para não estourar a câmara. 

Muitas vezes era difícil encontra o ventil da câmara e, neste caso, recorria a alguém que possuía uma bomba específica. Poucos tinham. 

Em dias de chuva o couro encharcava e a bola parecia pesar quilos e mais quilos. Cabecear tornava-se um ato de heroísmo. 

A bola era uma relíquia. Resta a lembrança de tempos que não voltam mais e recorro a uma letra de Paulinho Nogueira, “Menino Jogando Bola”. 

Jogando bola!

Que alegria que ele tem!

Sou gente grande,

Que é que tem isso?

Eu quero ir jogar também...

Tenho pena de quem cresceu demais

E perdeu a vontade de brincar...

A maior lembrança deste mundo, eu sei,

É reviver uma saudade que agente tem... 

Hiltor Mombach 

******* 

(Do Correio do Povo, 17 de junho de 2024) 

domingo, 16 de junho de 2024

Como somos vistos no mundo

 

Um dia, um professor de Matemática escreveu assim no quadro: 

9x1   =   9 

9x2   = 18 

9x3   = 27 

9x4   = 36 

9x5   = 45 

9x6   = 54 

9x7   = 63 

9x8   = 72 

9x9   = 81 

9x10 = 91 

Havia muita gozação na sala, porque o Professor tinha errado uma multiplicação: 

9x10 = 91, sendo que a resposta correta é “90”. Toda a sala riu dele. 

Então, ele esperou que todos se calassem e só depois disse: 

‒ É assim que tu és visto no mundo! 

Eu errei de propósito para mostrar como o mundo se comporta perante algum erro teu. Nenhum de vocês me felicitou por ter acertado nove vezes! 

Nenhum que te viu fazer o certo te elogiou por isso. Não! Mas todas as pessoas te ridicularizaram, blasfemaram, humilharam e zombaram de ti porque tu estavas errado em algo numa única vez. Assim é a vida! 

Nós devemos aprender a valorizar as pessoas não somente pelos seus acertos. 

Há pessoas que fazem o certo muito mais do que erram, e acabam sendo julgadas por um único erro, e não são valorizadas pelos outros nove acertos. 

Isso serve para todos nós. Mais elogios e menos críticas. Mais amor e carinho e menos ódio e crueldade. Vamos aprender a nos valorizar uns aos outros, ao invés de nos destruirmos uns aos outros.

Os grupos sanguíneos

 

Existem oito grupos sanguíneos, cada um com suas particularidades e seu RH, positivo (+) ou negativo (-). Entre eles, destaca-se o O- que é doador universal, e o AB+, que pode receber doação de todos os demais tipos. Os grupos de RH negativo são mais raros por isso costumam ser prioridade para doação. 

TIPO

 

PODE DOAR PARA

PODE RECEBER DE

A+


A+ e AB+

A+, A-, O+ e O-

A-

 

A+, A-, AB+ e AB-

A- e O-

B+

 

B+, AB+

B+, B-, O+ e O-

B-

 

B+, B-, AB+ e AB-

B- e O-

AB+

 

AB+

Todos os tipos

AB-

 

AB+ e AB-

A-, B-, AB- e O-

O+

 

A+, B+, AB+ e O+

O+ e O-

O-

 

Todos os tipos

O-

 Hemocomponentes 

O sangue doado pode salvar três pessoas. Após os testes para verificar a contaminação de doenças, três hemocomponentes são retirados do material coletado: as hemácias, as plaquetas e o plasma. Cada um destes pode ser doado para uma pessoa, conforme a necessidade. 

As hemácias são as mais conhecidas, aquilo que a gente visualiza quando pensa no sangue, a parte vermelha. As plaquetas são as principais responsáveis pela coagulação. E o plasma também é usado para pacientes com sangramento agudo, principalmente em cirurgia, ou para algum sangramento que não consegue ser controlado. Cada um com sua validade, sua conservação, em métodos diferentes. 

A doação de sangue possibilita tratamento intensivo das doenças, especialmente sessões de quimioterapia em pacientes com câncer. Alguém com leucemia, por exemplo, que necessita da reposição de plaquetas, pode receber hemocomponentes coletados de até 150 doadores, em alguns casos. 

Sem transfusão, sem reserva de sangue, sem ter o sangue disponível, muitas cirurgias seriam canceladas e os pacientes que fazem as quimioterapias também não poderiam fazer sessões tão intensivas. E quando o paciente não pode uma quimioterapia mais intensiva, ele tende a não responder tão bem o tratamento. 

(...) 

O ideal para um banco para um banco de sangue seria ter um número médio de doadores constantemente. As plaquetas são as que mais se têm dificuldade de manter um estoque adequado, pela produção ser muito pequena. São necessários seis doadores para produzir uma dose de plaqueta para um paciente e tem validade de só cinco dias, enquanto a hemácia tem de 45. Então, para gerenciar um produto que vence em cinco dias, a gente acaba tendo em excesso ou em escassez. 

Quem pode doar 

Há critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Antes da coleta, o possível doador passa por uma entrevista sobre seu estilo de vida. (...) 

Confira os requisitos: 

► Ter entre 16 e 69 anos (menores dever ter documento assinado pelo responsável). 

► Estar saudável e sem doença como gripe, por exemplo, nos últimos 15 dias. 

► Pesar no mínimo 50kg. 

► Dormir pelo menos seis horas nas 24h anteriores. 

► Estar alimentado. 

► Mostrar documento com foto (RG, CNH, Carteira de Trabalho, Passaporte, Registro de Estrangeiro e Certificado de Reservista). 

******* 

Do caderno Vida, do jornal Zero Hora,

15 de junho de 2024

sábado, 15 de junho de 2024

Não é comigo

 Esta é uma história sobre quatro pessoas:

Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. 

Havia um importante trabalho a ser feito e Todo Mundo tinha certeza que Alguém o faria. 

Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. 

Alguém se zangou porque era um trabalho de Todo Mundo. Todo mundo pensou que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém imaginou que Todo Mundo deixasse de fazê-lo. 

Ao final, Todo Mundo culpou Alguém quando Ninguém fez o que Qualquer Um e Todo Mundo deveriam ter feito.

Saudade

 José Antônio Oliveira de Resende*

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé, geralmente, à noite. 

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa nos recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um. 

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. 

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia. 

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! 

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre... Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim. 

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia: 

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa. 

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa. 

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança… Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade… 

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite. 

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail… Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa: 

– Vamos marcar uma saída!… – ninguém quer entrar mais. 

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores. 

Casas trancadas, pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...  

 

 Que saudade do compadre e da comadre! 

******* 

* Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei. 

O goleiro salvador

 O homem que perdeu uma final para salvar vidas.

František Plánička é injustamente desconhecido para a maioria dos fãs de futebol. Foi um dos melhores goleiros do mundo nos anos 30 e uma das primeiras estrelas a brilhar no football do leste europeu. 

Apelidado de 'Gato de Praga' pelos seus reflexos, o checoslovaco passou toda a sua carreira no Slavia Praga, conquistou 8 ligas, 6 taças e 1 Copa Mitropa, um dos torneios internacionais que antecederam a Copa da Europa. 

Mas a história mais importante sobre ele está relacionada com a sua participação na Copa do Mundo de Itália de 1934. Nesse ano, a Checoslováquia chegou à final do concurso, enfrentando os anfitriões que um dia antes do jogo tinham sido ameaçados de morte pelo ditador Benito Mussolini caso não conquistasse o torneio. 

Após os gols de Antonin Puč e Raimundo Orsi ‒ argentino de nascimento e medalhista de prata no futebol olímpico de 1928 com a alviceleste, o jogo chegou aos noventa minutos com empate em 1 a 1, ocorreu a prorrogação. 

Aos 95', o atacante italiano Angelo Schiavio chutou a bola para o canto da baliza, um tiro lento que Plânička poderia ter defendido sem problemas. Mas o esférico está preso na rede. O olhar do guarda-redes para Schiavio denotava cumplicidade: Ele decidiu perder o jogo mais importante da sua carreira em troca de salvar a vida dos seus rivais. 

A partida terminou 2x1 e a 'Azzurra' que celebrou o seu primeiro título mundial perante o olhar alegre de Benito Mussolini. Mas Schiavio, tendo jogado o seu último jogo internacional, em 10 de junho de 1934, não fez parte da celebração. 

František faleceu em 1996 aos 92 anos e a sua morte causou tal impacto na República Checa que Karel Poborsky, capitão da seleção finalista da Eurocopa, atrasou a sua contratação para o Manchester United para assistir ao seu funeral. 

Os familiares do falecido encontraram entre seus pertences uma medalha de ouro e uma mensagem que dizia: 

“Obrigado, você salvou nossas vidas. Carinhosamente, Angelo Schiavio.”  

(Do blog  FUT 31)

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Duas locuções complicadas

 A princípio

 e

 Em princípio

A princípio significa inicialmente, no começo. 

Exemplo: ► A princípio eu acreditei que ela me amasse. 

Em princípio quer dizer em tese, em teoria. 

Exemplo: ► Em princípio eu acreditava que ela poderia me amar... 

Você deve lembrar uma regra: diante de palavras masculinas que não expressem “moda, maneira, cultura”, não se deve fazer o uso do acento grave. Por isso, muito cuidado para não redigir “à princípio”, como se vê em mensagens urgentes e e-mails. O correto é “a princípio”. 

Em princípio remete a “de forma geral”, “sem entrar em particularidades”. Numa entrevista de emprego, por exemplo: 

“Em princípio, as estratégias publicitárias servem para aumentar a audiência de determinada empresa.” 

A princípio 

Trata-se de uma expressão que apresenta o significado de algo que está no início, no começo. Pode ser substituída pelas seguintes palavras ou outras expressões: inicialmente, antes de mais nada, de início, antes de tudo, entre muitas outras. 

Confira, agora, alguns exemplos de como utilizá-las. 

Exemplo de uso da expressão “a princípio” em frases: 

● A princípio, eu queria viajar, mas depois mudei de ideia. 

● A princípio, todos sentirão dificuldades para digerir, mas com o tempo pegarão prática.

● A princípio, vamos ler a prova inteira e ao depois começar a preencher. 

● A princípio, é importante destacar a presença de todos os convidados. 

● Fomos com mais calma a princípio, depois nos apressamos. 

● Ela queria comer carne a princípio, mas depois preferiu uma massa. 

● O apresentador do programa, a princípio, pareceu um pouco nervoso. 

● A criança e sua família, a princípio, devem fazer o cadastro para poder participar das atividades. 

Em princípio 

Substituída por palavras e expressões, como: em teoria, em tese, teoricamente e em geral, por exemplo. Quer saber como fazer o uso dela? 

Então confira as orações abaixo: 

Exemplo de uso da expressão “em princípio” em frases: 

● Em princípio, a aprovação dos alunos foi por merecimento. 

● Em princípio, todos vão participar do evento. 

● Em princípio, as professoras e diretoras vão acompanhar os alunos no passeio. 

● Em princípio, você é a pessoa perfeita para exercer a função. 

● Todos os alunos, em princípio, têm os mesmos direitos. 

● Em princípio, é preciso ouvir os dois lados para descobrir o que aconteceu. 

● Os empresários, em princípio, farão as doações.  

Já a expressão “por princípio” quer dizer “por convicção”. Vale destacar a presença da preposição “por” e sua consequente relação causal: 

“Por princípio, determinamos que todos os colaboradores não trabalhem aos sábados.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Poema aos homens constipados

 

Pachos na testa, terço na mão,

Uma botija, chá de limão,

Zaragatoas, vinho com mel,

Três aspirinas, creme na pele

Grito de medo, chamo a mulher.

Ai Lurdes que vou morrer.

Mede-me a febre, olha-me a goela,

Cala os miúdos, fecha a janela,

Não quero canja, nem a salada,

Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.

Se tu sonhasses como me sinto,

Já vejo a morte nunca te minto,

Já vejo o inferno, chamas, diabos,

Anjos estranhos, cornos e rabos,

Vejo demônios nas suas danças

Tigres sem listras, bodes sem tranças.

Choros de coruja, risos de grilo

Ai Lurdes, Lurdes fica comigo

Não é o pingo de uma torneira,

Põe-me a Santinha à cabeceira,

Compõe-me a colcha,

Fala ao prior,

Pousa o Jesus no cobertor.

Chama o Doutor, passa a chamada,

Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.

Faz-me tisana e pão de ló,

Não te levantes que fico só,

Aqui sozinho a apodrecer,

Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

 *******

Por: António Lobo Antunes

“Sátira aos homens quando estão com gripe”

in Letrinhas de Cantigas (canções) 2002

As pequenas tarefas da mamãe

 Denise Galvão

Mamãe e papai estavam assistindo TV quando mamãe disse: “Estou cansada, é tarde, vou para a cama”. 

Colocou o grão-de-bico de molho, tirou a carne do congelador para o jantar do dia seguinte, verificou se havia cereais suficientes, encheu o açucareiro, colocou colheres e pratos do café da manhã na mesa e preparou a cafeteira. 

Colocou a roupa molhada no secador e costurou um botão. Pegou os brinquedos espalhados pela sala, colocou o telefone a carregar. Regou as plantas, amarrou o saco do lixo e estendeu uma toalha. Ela bocejou e foi para o quarto. Parou um momento para escrever uma nota para a professora, preparou o dinheiro para a excursão da criança e pegou um livro que estava debaixo da cadeira. Mamãe, então, lavou o rosto, colocou creme e escovou os dentes. 

Papai gritou: 

Você não estava indo para a cama? 

‒ Estou indo, disse ela. 

Colocou um pouco de água no bebedouro do cachorro. Trancou a porta e apagou a luz da entrada. Deu uma olhada nas crianças, apagou-lhes as luzes e a televisão, pegou uma camiseta e umas meias deitadas no chão jogando-as no cesto de roupa suja. Falou com uma das crianças, que ainda estava fazendo os trabalhos de casa. 

No quarto dela, colocou o despertador, preparou a roupa para o dia seguinte. Ela adicionou três coisas à lista de coisas urgentes. 

Nesse momento, papai desligou a TV e anunciou “Vou dormir”. E ele fê-lo, sem outros pensamentos. 

Por que as mulheres vivem mais tempo? 

Porque foram feitas para longos percursos e não podem morrer antes, têm muitas coisas para fazer.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Por que idosos têm mais facilidade para engasgar?

 

Com o avanço da idade, o organismo pode perder habilidades, sendo mais propenso a problemas de mastigação e ingestão de alimentos. Até mesmo a saliva pode ser engolida com dificuldade. 

A chamada disfagia, dificuldade em engolir alimentos ou líquidos, pode ser sinal de alguma doença ou apenas consequência do envelhecimento. Segundo nota técnica da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e de Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), 22% dos adultos com mais de 50 anos têm dificuldades de engolir. 

“A causa mais comum é o refluxo gastroesofágico, que acontece quando o alimento entra no estômago, se mistura com o suco gástrico e retorna um pouco em direção ao esôfago, podendo irritar sua mucosa ou a da garganta, causando engasgo ou tosse seca”, afirma a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. 

Doenças neurológicas, como demências e Parkinson, aumentam ainda mais a chance de engasgo. Isso acontece porque essas comorbidades causam um comprometimento do estado de alerta. Nesses casos, a ocorrência mais comum é quando há a entrada de líquido ou alimento na laringe – incidente popularmente conhecido como “entrar pelo caminho errado”. 

O envelhecimento pode causar, ainda, a perda da massa muscular e, consequentemente, a perda da força na musculatura responsável pela deglutição. Com isso, os engasgos podem se tornar mais comuns. 

E o que fazer para evitar os engasgos? 

Mastigar bem os alimentos; 

Cortar o alimento em pedaços menores; 

Evitar alimentos duros e secos; 

Jamais alimentar o idoso quando ele estiver totalmente deitado ou sonolento; 

Evitar distrações na hora de comer, como conversas e até mesmo assistir televisão; 

Quando for necessário administrar vários medicamentos no mesmo horário, tomar um de cada vez. 

O que fazer em caso de engasgo? 

Orientações para a manobra de Heimlich (vide acima e abaixo): 

Posicione-se por trás da pessoa, prenda o abdômen da pessoa engasgada com as duas mãos, sendo que uma das mãos deve estar fechada no formato de um soco, com o dedo polegar voltado para a “boca do estômago” da pessoa; 

Faça pressões e dê apertões rápidos e fortes com as mãos, sempre de baixo para cima, como se estivesse tentando levantar a pessoa do chão; 

Os movimentos devem ser repetidos até que o alimento seja expelido. 

(Do SBT NEWS)


Desafio

O desafio é também uma espécie de duelo poético entre cantadores. Esse gênero é conhecido em todo o Brasil, principalmente no sertão nordestino, onde autênticos poetas populares travam acirradas disputas faladas.

 

Sou Veríssimo do Teixeira,

Fura pau, fura tijolo;

Se mando a mão vejo a queda,

Se mando o pé, vejo o rolo...

Na ponta da língua trago

Noventa mil desaforos.

 

Sou Inácio da Catingueira,

Aparador de catombos,

Dou três tapas, são três quedas,

Dou três tiros, são três rombos;

Negro velho cachaceiro,

Bebo mas não dou um tombo.

 

Sou Romano da Mãe d′Água,

Mato com porva soturna;

Para ganhar eleição

Não meto a chapa da urna;

Salto da ponta da pedra

E pego a onça na furna.


Eu sou Pedro Ventania,

Morador lá das “Gangorras”;

Se me vires, não te assustes,

Se te assustares, não corras!

Se correres, não te assombres,

Se te assombrares, não morras!

 

Eu sou Claudino Roseira,

Aquele cantor eleito;

Conversa de Presidente,

Barba de Juiz de Direito,

Honra de mulher casada;

Só faço o verso bem feito!

 

Digo com soberba e tudo;

Sou filho do Bom Jardim,

Inda não nasceu no mundo

Cantador pra dar em mim;

Se nasceu, não se criou;

Se se criou, levou fim...

Do livro “Literatura oral no Brasil”, de Luís da Câmara Cascudo, Editora José Olympio, 1978.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Carta de Vinícius de Moraes para Tom Jobim:

Entre a solidão no momento de deixar Paris, onde assumira em 1963 o posto diplomático de delegado do Brasil junto à UNESCO, e os planos para sua chegada ao Brasil, Vinicius de Moraes escreve a Tom Jobim sobre o estado de espírito que o deixa inquieto.

Porto do Havre [França], 7 de setembro de 1964: 

Tomzinho querido, 

Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv’alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais tris­te do que eu. E, como sempre nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando. 

Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor, e pela frente tenho o Brasil que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa embaixada há uma festa que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão. Há pouco telefo­nei para lá, para cumprimentar o embaixador, e veio todo mundo ao te­lefone. Estão queimando um óleo firme! 

Você já passou um 7 de setembro, Tomzinho, sozinho, num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro! 

Estou doido para ver você e Carlinhos [Lyra] e recomeçar a traba­lhar. Imagine que este ano foi um ano praticamente dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira. Mas agora o tremendão aconteceu mesmo! A Europa teve que curvar-se. Mas ainda assim fizemos umas musiqui­nhas como Formosa. Você vai ver: tudo sambão! Parece até que as sau­dades do Brasil, quando a gente está longe, procuram mais a forma do samba tradicional do que a Bossa Nova, não é engraçado? São, como di­ria o Lucio Rangel, as raízes. 

Vou agora escrever para casa e pedir dois menus diferentes para a minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lom­binho de porco, bem tostadinho, uma couvinha mineira e doce de coco. Para o jantar, uma galinha ao molho pardo, com um arroz bem solti­nho e papos de anjo! Mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer, daqueles que, se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer me­tida num banho morno e em trevas totais. Pensando, no máximo, na mulher amada. Por aí você vê como eu estou me sentindo: nem cá, nem lá. 

Fiquei muito contente com o sucesso de Garota de Ipanema nos Estados Unidos. E a Astrudinha [Gilberto], hein? Que negócio tão direi­to! Vamos ver se desta vez os intermediários deixam algum para nós. 

Fiquei muito contente também com a notícia do sucesso de Berimbau no Brasil. Dizem que estão tocando a musiquinha pra valer. Isto me alegra muito pelo Baden. E pra que mentir? Por mim também. É bom saber que a gente não foi esquecido e que o povo continua cantando as nossas coisas, pois no fundo mesmo é para ele que a gente compõe. Lembro-me tão bem quando fizemos o samba numa madrugada, há três anos atrás, por aí. Eu disse ao Baden: “Isto tem pinta de sucesso”. E fi­camos cantando e cantando o samba até o sol raiar. 

******* 

Querido poeta: correspondência de Vinicius de Moraes. Organização de Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, págs. 303-304.  

Suflê de queijo

 Luís Fernando Veríssimo

Jorge conta a Marta que convidou seu novo chefe para jantar.

- Eu falei do meu suflê de queijo e ele se interessou.

- Você falou no seu suflê de queijo assim, sem mais nem menos?

- Não. Não lembro qual era o assunto. Nós estávamos numa reunião e de repente se falou em suflês.

- Que estranho.  Não é uma firma de corretagem?  Vocês falam muito em suflês nas reuniões?

- Não interessa. O fato é que ele vem jantar aqui. Aceitou na hora.

- Quando?

- Amanhã.

Na noite seguinte:

- Você vai usar esse vestido?

- Por quê?

- Usa aquele teu preto. O decotado.

- Ó, Jorge! Que isso?

- Você fica muito bem naquele vestido, e eu quero que ele veja como a minha mulher é bonita.

- Você quer que ele veja os meus peitos, é isso?

- Não, Marta.  É pra, sei lá.  Combinar com  o  jantar.  Com as velas, com o suflê...

- Este vestido está bom.

- Marta. Por favor.

- Não sei que diferença vão fazer os meus peitos.

- Jorge, depois de um suspiro de impaciência:

- Marta, acho que você não se deu  conta da importância deste jantar. Pra mim.  Pra nós.  Ele é o novo chefe.  Está num período de avaliação da equipe. Tem gente que vai pra rua. Ele é quem decide. Está entendendo? Eu posso ir pra rua.

- Se ele não gostar do seu suflê?

- Não, Marta!  Mas ele aceitar vir provar meu suflê é um sinal de que quer me conhecer melhor.  Podemos ficar amigos.  Este jantar pode decidir a nossa vida, Marta. Preciso que você faça a sua parte.

- Mostrando os peitos...

- E não só isso.

- Não só isso, Jorge?!

- Marta, chegou a hora de saber o que você está disposta a fazer por mim. Pela minha carreira. Pelo nosso futuro. Por nós.

- Como assim?

- Você sabe que eu tenho que ficar na cozinha quando o suflê estiver ficando quase pronto.  Os últimos minutos são cruciais para um suflê de queijo não passar do ponto. E você vai ficar sozinha com ele na sala. Marta...

- Jorge, você é que está passando do ponto.

- Marta, isto não é hora de pensar em fidelidade, em moral, em mais nada. É hora de  pensar  no  meu  emprego  e  na  nossa   renda. É hora de você pensar nas prestações do seu cartão de crédito, Marta!

- Mas...

- Vá botar o vestido decotado!

Chega o novo chefe para jantar.

- Marta, este é o Ciro. Ciro, esta é a Marta, minha mulher.

É evidente a surpresa na cara de Ciro.

- Sua mulher?

- É.

- Eu não sabia que você era casado.

- Sou, sou. E bem casado.

- Prazer ‒ diz Ciro, estendendo uma mão lânguida para Marta apertar.

A decepção substituiu a surpresa no seu rosto.

Mais tarde, na cozinha, onde entrou para buscar o gelo, Marta comenta com Jorge, que acaba de colocar o suflê no forno:

- Acho que ele está a fim é de você, Jorge.

- Nem brincando, Marta.

- Chegou a hora de saber o que você está disposto a fazer pela sua carreira. Pelo nosso futuro. Por nós, Jorge.

O que o chimarrão nos ensina

 Carpinejar

Roda de chimarrão e churrasco – Joseph Lutzenberger 

O chimarrão é parceria, é para ser celebrado em bando, da esquerda para a direita. 

O chimarrão é feito para girar. Você não pede chimarrão, ele é oferecido. 

O silêncio é concordância. Você só diz “obrigado” quando não quer mais. 

O chimarrão nos ensina que não estamos sós. Não nascemos para o confinamento, para o isolamento. 

O chimarrão nos mostra como nos ajudamos, como vivemos em grupo, como abrimos o nosso coração contando histórias, como tudo sucede ao redor das canções de nossa terra. 

Ainda vamos voltar a rir. Ainda vamos voltar a ser leves. A dor um dia será lembrança finda, a ferida um dia será cicatriz fechada, a enchente um dia será marca na parede. 

Não agora, não hoje, não amanhã. Um dia! Depois dos helicópteros e barcos. Depois do mutirão. Depois dos rodos e das pás. Depois do cimento e da tinta. Depois da reconstrução dos ninhos. 

Não podemos nos esquecer do chimarrão. É o nosso fogo reinventado. 

O chimarrão significa a família, amizade, confidência. 

Não tem solenidade, não tem cerimônia, não tem exigência, não tem que pagar prenda, não depende de convite, é apenas puxar uma cadeira e se aprochegar. 

Quem é de fora passa a ser parte do círculo. O circulo cresce conforme as visitas e jamais se quebra. Uma vez no círculo, você não é mais posto de lado. 

O chimarrão é respeito, tradição, apego às raízes. 

Não mata somente a sede, mas a fome de estar junto. 

Na roda, nenhuma pessoa é melhor do que a outra, a companhia nos torna melhores. Por isso, você deve segurar o chimarrão com a mesma mão que cumprimenta: a mão da sinceridade, da palavra firmada, do pacto, do acordo, da promessa, da confiança. 

Não há inverno que o esfrie. Não há verão que espante o hábito. 

Alguém aquecerá a água, alguém carregará a térmica. É um trabalho de equipe, de igualdade, de complemento. 

O chimarrão é o mate amargo que fica doce pelo convívio. 

A mateira é nossa mochila no desespero ou na exaltação, permitindo que a nossa bebida aconteça em qualquer lugar, em qualquer situação, em qualquer estrada, em qualquer momento. 

Toma-se para relaxar. Toma-se para reagir. Toma-se para pensar. Toma-se para decidir. 

É um vício e um apoio, é uma virtude e um conselho. 

Nunca deixamos ninguém morrer com a cuia na mão. Que ela siga em frente. Que continue rodando, cumprindo o seu destino, reiniciando ciclos.  

O chimarrão será sorvido até ficar lavado. Até escurecer a erva. Até anoitecer. Até surgirem as estrelas no céu do Rio Grande. 

Todos precisam fazer o mate roncar antes de passá-lo adiante. Só o entregamos depois do ronco. Nunca bebemos a vida pela metade. Nunca sucumbimos. Somos incansáveis mateando desde cedo, desde sempre. 

Existem aqueles que acordam com o café, e existimos nós no mundo, nós que sonhamos com o chimarrão.  

(Do jornal Zero Hora, 10 de junho de 2024)