a bola e o saudosismo
Foi
lançado nesta semana (segunda quinzena do mês de junho de 2024), no Chalé da Praça XV, o livro
“Viva a Várzea”. Tem assinatura de 17 autores. Entre eles, Piero D′Alascio,
autor de “A várzea movimentava os campos de Petrópolis” dividido em segmentos.
Um deles. Trata sobre campos.
“Durante as décadas de 50 e 60 havia uma grande quantidade de terrenos baldios em Porto Alegre o que permitia a quase totalidade dos clubes alugar ou tomar emprestado um desses terrenos, para instalar-se seus campos oficiais ‒ com rosetas, guanxumas e tudo que tinham direito. Os clubes com campo eram quase sempre filiados à FGF. O status do clube mudava. Além disso, permitia o desenvolvimento das hoje denominadas categorias de base, que na época eram: mirim, infantil, infanto-juvenil e juvenil (sem esquecer do famoso 2º quadro)!
A qualidade média dos campos era baixa, tinha de tudo: areão, rosetas, tufos de grama, carecas e, pasmem, até alguns com aclives/declives acentuados. E havia os valões por perto. Poucos tinham alambrados, a maioria não tinha nada e alguns contavam com uma espécie de cerca com um parapeito de madeira, como nas raias do Jockey Clube.
É difícil estabelecer um marco temporal na paixão pelo futebol quando se nasce na frente de uma praça com campo de futebol. Desde que me conheço eu e meus dois irmãos, Luciano e Paulo Alberto, freqüentávamos o campo da Praça Tamandaré, entre as ruas Caçapava e Taquara, no bairro Petrópolis. Aos poucos fomos conhecendo outros campos de várzea em Porto Alegre e arredores. Essa paixão pelo futebol fazia com que as condições do “gramado” (careca, embarrado ou seco, com ou sem rosetas) fosse secundária. E quase todos os campos se assemelhavam, especialmente nos defeitos.”
A bola
Dias atrás escrevi sobre os campinhos de futebol que o frenesi imobiliário engoliu. Hoje, falo sobre a bola do meu tempo de guri na minha querida Garibaldi.
A bola tinha uma importância fundamental entre a gurizada. Mais do que esta parafernália tecnológica para a garotada de hoje. O dono de uma bola número 5 garantia lugar certo no time e escolhia posição. Porque havia poucas bolas número 5.
Mesmo sendo um notório perna-de-pau o dono da uma bola número 5 determinava sua escalação como atacante se assim decidisse. Não fosse o dono, iria para o gol. Todo perna-de-pau tinha lugar garantido no gol.
Como só havia um goleiro e muitos pernas-de-pau, os demais iam para a zaga.
Do meio para a frente jogavam os melhores. Respeitavam-se esta hierarquia. O dono da bola era o bambambã e também o dono do jogo.
As bolas tinham todas a mesma cor alaranjada e eu ganhava uma a cada Natal. Tinha status de titular, portanto. Onde há um menino e uma bola, a imaginação voa.
(...)
Para a bola durar um ano era preciso cuidado. Os gomos de couro eram unidos por costura feita à mão e eu passava sebo nos fios para evitar a penetração da água.
Para encher a câmara, passava num posto de gasolina e usava o calibrador de pneus.
E toda atenção do mundo para não estourar a câmara.
Muitas vezes era difícil encontra o ventil da câmara e, neste caso, recorria a alguém que possuía uma bomba específica. Poucos tinham.
Em dias de chuva o couro encharcava e a bola parecia pesar quilos e mais quilos. Cabecear tornava-se um ato de heroísmo.
A bola era uma relíquia. Resta a lembrança de tempos que não voltam mais e recorro a uma letra de Paulinho Nogueira, “Menino Jogando Bola”.
Jogando bola!
Que alegria que ele tem!
Sou gente grande,
Que é que tem isso?
Eu quero ir jogar também...
Tenho pena de quem cresceu demais
E perdeu a vontade de brincar...
A maior lembrança deste mundo, eu sei,
É reviver uma saudade que agente tem...
Hiltor Mombach
*******
(Do Correio do Povo, 17 de junho de 2024)