segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Ode ao Cume

Laurindo Rabelo


No cume daquela serra,
Eu plantei uma roseira.
Quanto mais as rosas brotam,
Tanto mais o cume cheira.

À tarde, quando o sol posto,
E o cume ao vento adeja,
Vem travessa borboleta
E as rosas do cume beija.

No tempo das invernadas,
Que as plantas do cume lavam,
Quanto mais molhadas eram,
Tanto mais no cume davam.

Mas se as águas vêm correntes,
E o sujo do cume limpam,
Os botões do cume abrem,
As rosas do cume brincam.

Tenho, pois, certeza agora
Que no tempo de tal rega,
Arbusto por mais mimoso
Plantado no cume, pega.

Vem, porém, o sol brilhante
E seca logo a catadupa;
O mesmo sol a terra abrasa
E as águas do cume chupa.

A rosa do cume fica
no mais alto da montanha
A rosa do cume pica
A rosa do cume arranha.

As rosas do cume espreitam
entre as folhagens d'além
trazidos na fresca brisa
os cheiros do cume vêm.

No cume duma montanha
tem um olho d'água à beira.
É uma água tão cheirosa
que a multidão ansiosa
o olho do cume cheira.

“As rosas do cume” e outros poemas obscenos de Laurindo Rabelo foram publicados em Poesias livres (1882), opúsculo de encadernação e papel baratos que se tornou raridade. Atualmente, conheço apenas quatro acervos que possuem exemplares desse livro: a Biblioteca José de Alencar, da Faculdade de Letras (UFRJ); as coleções particulares de Antonio Carlos Secchin – poeta, professor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) – e de Israel Souza Lima, biógrafo dos patronos da ABL; e o acervo José Ramos Tinhorão, do Instituto Moreira Salles.

Ainda sobre “As rosas do cume”, além de sua publicação em Poesias livres, há um histórico registro fonográfico do poema. Trata-se da gravação feita no início do século XX pelo ator e cançonetista português Franco d’Almeida, que a equipe da Coordenadoria de Música do IMS digitalizou a partir de um disco 76 rpm, pertencente também ao acervo José Ramos Tinhorão, disponível para audição aqui no blog do IMS.

Laurindo José da Silva Rabelo
(1826-1864)


Laurindo José da Silva Rabelo (Rio de Janeiro, 8 de julho de 1826 − Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1864) foi um médico, professor e poeta romântico brasileiro, patrono da Academia Brasileira de Letras.

Apesar da origem humilde, conseguiu com dificuldade vencer as barreiras sociais, e formar-se em Medicina. Antes, porém, chegara a cursar o Seminário de São José, ainda no Rio de Janeiro, pensando em tornar-se padre. Vítima de preconceito e perfídias pelos colegas, decide abandonar o internato. Almejou a carreira militar, mas da mesma forma desistiu.

Na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro iniciou o curso, que concluiu em Salvador, no ano de 1856.

No ano seguinte ingressa no Corpo de Saúde do Exército, seguindo para o Rio Grande do Sul, onde permanece até 1863. Em 1860 tinha se casado com Adelaide Luísa Cordeiro. De volta ao Rio, leciona no curso preparatório para a Escola Militar as disciplinas de História, Geografia e Português.

Apreciava a vida boêmia, gozando de grande talento satírico e capacidade de improviso, fazendo repentes e composições de modinhas − o que lhe granjeou grande popularidade e a alcunha de “Poeta Lagartixa” − dada sua constituição física, “magro e desengonçado”.

Rabelo teve morte prematura, de problemas cardíacos, com apenas trinta e oito anos de vida.

P.S. Ainda sobre “As rosas do cume”, além de sua publicação em Poesias livres, há um histórico registro fonográfico do poema. Trata-se da gravação feita no início do século XX pelo ator e cançonetista português Franco d’Almeida, que a equipe da Coordenadoria de Música do IMS digitalizou a partir de um disco 76 rpm, pertencente também ao acervo José Ramos Tinhorão, disponível para audição no blog do IMS.


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