Prezado amigo
Ximenes.
Pensei muito antes de sentar-me aqui
e escrever uma carta dirigida a você. Somos amigos de longa data e nossa
amizade está alicerçada em bases seguras e fiéis.
Fomos jovens um dia e, juntos,
cursamos a faculdade e sempre nos demos muito bem. Lembro quando você começou a
namorar a Elizélia, aquela magrela, sem graça e com a qual você acabou se
casando. Eu dei a maior força, porque sabia que era o que você queria. “Elizélia
ou nada”, você dizia, brincando.
Depois, Ximenes, vieram os problemas
com a firma e você começou a beber além do social, além do normal. Mas
Elizélia, ao contrário, pés no chão, se cuidou, ficou mais robusta, mais
bonita.
Por tudo isso, nossa amizade, fica
tão difícil para eu traçar essas linhas, que sei, devem magoar você. Precisei
reunir coragem para me sentar aqui e abrir meu coração, sabendo de antemão que
você não me perdoará.
Sabe, amigo, naquelas noites em que
você bebia de cair, era sempre eu quem o levava até sua casa. Lá, sempre éramos
recebidos pela Elizélia, coitada, tirada da cama, com aquela roupa leve e
transparente, belíssima, corpo sinuoso, cabelos desgrenhados, o que lhe dava um
ar despojado e excitante, mas sempre com um sorriso luminoso nas faces róseas.
Ah, Elizélia, eu saía de sua casa com os piores pensamentos possíveis.
Então, Ximenes, numa dessas noitadas
irresponsáveis a que você se entrega, depois de jogá-lo na cama, fiquei na sala
conversando com sua mulher e, infelizmente, não resisti e, curiosamente, ela
também não. Chegamos às vias de fato e, Ximenes, vai me perdoar, mas sua mulher
é um avião sem controlador de voo. Foi a primeira de muitas noites, porque você
só vive bêbado e sempre precisa que alguém (eu), o leve em casa.
Como sou seu amigo, resolvi contar
tudo a você e é o que faço agora, com muito pesar. A culpa é minha, eu sei, mas
como resistir às coxas firmes e morenas da Elizélia, como resistir àquele olhar
maroto, maldoso, insinuante? E como resistir àquelas roupinhas que ela insiste
em usar e que me deixam louco? O simples ato de pensar nela me deixa
enrubescido. Sinto o corpo tremer e o coração dispara.
Olha, Ximenes, gosto muito de você,
mas não tem outro jeito: você vai continuar se embebedando e eu vou continuar a
transar com aquela deusa que mora na sua casa. Sua mulher é tudo, Ximenes,
tudo, e eu sou um fraco!
[Ruído de papel de
carta sendo amassado...]
(Clarival Vilaça*, abril
de 2007)
*Clarival Vilaça é um poeta e contista bissexto, foi militar, paraquedista do Exército. Possui vários textos no Facebook.
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