Certa noite, ao abrir a porta do
quarto, André (Matarazzo) se depara com o que a sua voluntariosa esposa
escrevera em uma folha de papel que ela mesma lhe entrega, com a letra de sua
nova canção. O primeiro verso; “Ouça, vá
viver a sua vida com outro bem”. Pronto. O casamento ia pro brejo. Ou, como diria Millôr Fernandes, “The cow went to the swamp”.
Sentada na cama e pensando nele, Maysa escrevera com sofreguidão “como uma
carta, um recado, quase um bilhete para o marido”. (Depoimento de Maysa a Aramis
Millarch em dezembro de 1976) Dava a sua vida o rumo que desejava. No
samba-canção “Ouça”, lançado em maio de 1957 em disco de 78 rotações, ela
fornecia indiretamente às casadas, noivas ou namoradas o direito de decidir,
assumindo o que não tinham coragem: jogar na cara dos ditos-cujos o certificado
de alforria. Dar o fora.
“Ouça” se torna um hino de liberação
feminina no Brasil inteiro. Dava “Ouça” no programas de rádio, nas lojas de
disco e no seu programa da TV Record, em que o close dos olhos, em preto e
branco na tela, eram marca registrada de sua beleza: “Hoje eu já cansei/ De pra você não ser ninguém.../ Quando a lembrança/ Com você for morar”.
Era um bilhete duro de receber, conquanto interpretado como suave declaração de
amor, que não era. Com arranjos de Puglieli na mesma formação instrumental,
Maysa canta com segurança e nitidamente mais amadurecida, sem agressividade,
mas como alguém que só carinho pedira.
(Do livro “Copacabana
– A trajetória do samba-canção”
de Zuza Homem de Mello)
de Zuza Homem de Mello)
Ouça*
Maysa
Ouça,
Vá viver sua vida com outro bem.
Hoje, eu já cansei
De pra você não ser ninguém.
O passado não foi o bastante
Pra lhe convencer,
Que o futuro seria bem grande
Só eu e você...
Quando a lembrança
Com você for morar,
E bem baixinho
De saudade você chorar.
Vai lembrar que um dia existiu,
Um alguém que só carinho pediu,
E você fez questão de não dar,
Fez questão de negar.
*Ouça Maysa cantando esta música,
de sua autoria, em cena do filme “O Camelô da Rua Larga”, produção de 1958,
dirigida por Eurides Ramos.
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