sexta-feira, 28 de junho de 2024

Odorico das Flores:

 entre vendas de rosas, comerciante dá “canja musical”

nos bares de Porto Alegre há 50 anos. 

Por Tiago Boff*

A pétala de rosas caída sob o portão de Odorico Félix se explica: desde 1973, o vendedor de flores deixa seu imóvel, no bairro Restinga, para dar uma forcinha aos casais na noite de Porto Alegre. Com experiência de 50 anos no riscado, chega sorridente à mesa e solta uma das suas tantas brincadeiras:

‒ Ô diretoria, vamos investir na primeira-dama? Ela merece uma rosa ‒ incentiva, em uma das sua maneiras de abordagem. 

O início do périplo pelas casas noturnas foi incentivo de um chefe, quando trabalhou como office-boy na Livraria do Globo, no centro da Capital. O patrão havia retornado de uma viagem ao Rio de Janeiro ‒ acompanhado, segundo Odorico, pela Miss Universo Ieda Maria Vargas. Ao chegar ao Rio Grande do Sul, disse ao funcionário que havia deparado com homens de smoking oferecendo o presente nos mais finos restaurantes cariocas. Odorico comprou a ideia e nunca mais parou. 

‒ Enquanto tiver saúde, eu vou para a noite. Se parar, vou sentir falta ‒ complementa. 

(...) 

‒ Ele precisa se cuidar, ou eu puxo a orelha ‒ afirma a neta, Evelin de Souza Félix, 33 anos, sobre as saídas do idoso. 

Evelin também faz a contabilidade do avô: é pelo Pix cadastrado no celular dela que os clientes podem pagar por parte do buquê. As flores são buscadas na Ceasa pelo filho Fábio. 

Odorico frequenta, em especial, os bairros Moinhos de Vento, Higienópolis e Jardim Europa. As casas já o conhecem e o acesso é facilitado. Ele também diz ter desenvolvido técnicas para distinguir quem está se conhecendo dos já namorados ou com matrimônio selado. Nem mesmo os amantes escapam ao seu olhar treinado. 

* Matéria do jornal Zero Hora, de 17 de julho de 2022. 

Um personagem da noite de Porto Alegre 

Odorico das flores

Conheço o Odorico Félix há mais de quarenta anos,* sempre impecável, com seu smoking preto, da melhor qualidade. Sorriso cativante, voz grave, rouca e aconchegante. Tivesse tentado a carreira de cantor, certamente não deixaria nada a dever para Tim Maia ou Louis Armstrong. Odorico das Flores, hoje com mais de 60 anos*, nasceu em Porto Alegre. Começou trabalhando como office-boy da Revista do Globo. Na época, meu amigo Flávio Carneiro era editor da publicação e foi ele quem deu a ideia e o smoking para Odorico vender as flores, inspirado no Pedro das Flores, do Rio de Janeiro, personagem de crônica de Sérgio Porto, o “Estanislaw Ponte Preta”. 

O nosso “das Flores” começou a trabalhar nos anos 70, no Encouraçado Butikin. Já nesse tempo atravessava a noite de bar em bar, com carisma, simpatia e um grande buquê de rosas vermelhas. Percorria mais de quinze estabelecimentos por noite, entre quarta-feira e sábado, das 21h até o final da madrugada. Já vendeu perto de oitenta botões de rosas por jornada. Na realidade, o Odorico não vende: a pessoa dá o que quiser e ele tira o sustento da família com o que render. 

Como ele próprio sempre diz, Odorico se formou na faculdade da noite. Negro, órfão aos 13 anos, perdeu contato com os irmãos. Casado com a auxiliar de enfermagem Jussara, pai de Fábio, avô de Evelin, Aléxis e Carolina, suas paixões. 

(...) 

Suas rosas já iniciaram muitos namoros, celebraram casamentos, jantares de Dia dos Namorados e continuam até hoje a emoldurar paixões. 

Laroiê, Odorico! 

(Do livro “Na ponta da agulha”, de Claudinho Pereira) 

* Anos e idade que ele tinha da edição do livro que foi em 2012. 

PS: Conheci Odorico das Flores em alguns bares de Porto Alegre. Sujeito simpático, não forçava ninguém a comprar suas rosas, mas o sujeito abordado, para fazer uma média com a sua acompanhante, sempre comprava uma de suas rosas vermelhas. 

No começo deste ano, ou no final do ano passado, não tenho bem certeza, ao descer uma escada rolante de um shoping de Porto Alegre, encontro-o com seu inseparável buquê de rosas. Cumprimento-o efusivamente dizendo o seu nome: “Grande, Odorico das Flores!” Ao ver que alguém, ainda se lembra dele com carinho, ele me oferece uma de suas rosas vermelhas, tento pagar, mas ele não aceita o pagamento, dizendo: “É um presente meu.” 

(NSM)

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