A bênção, Millôr...
Estavam os tecnocrata do País do
Sonho reunidos para encontrar uma fórmula de aumentar o seu PNB, sem que o povo
abrisse a boca. – Tenho uma ideia, disse o primeiro tecnocrata. A gente sobe o
preço de tudo e baixa a lenha... – Nada disso, disse o segundo tecnocrata.
Muito arriscado. O melhor, então, é ordenarmos às fábricas de pasta de dente
que esvaziem os potes e encham os tubos de todos com cola. Assim, toda vez que
alguém for escovar os dentes, cola a boca. – Cala a boca, corrigiu o primeiro
tecnocrata. Mas e os que não tiverem dentes e, portanto, não os escovam? – É...
concordou o terceiro tecnocrata. Plano furado e, além disso, antieconômico.
Sejamos mais pragmáticos. O melhor é lançarmos no mercado um novo tipo de
calças que, ao invés da cintura, vá até o pescoço. Assim, toda vez que se
mandar o povo apertar a cinta, tapa-se-lhe a boca. E ao mesmo tempo
incentiva-se o aumento do consumo de tecido – aumentando-se as calças,
aumenta-se também a quantidade de tecido para fazê-las, correto? Isso sem falar
no pano pras mangas e outros insumos... – Corretíssimo, genial mesmo, mestre –
disse o primeiro tecnocrata. – Sensacional – disse o segundo tecnocrata. Mas
tenho duas dúvidas: e os que usam calças e não usam cintas? E os que usam cintas, mas não usam calças? –
Bobagem – atalhou o terceiro tecnocrata. Tanto no primeiro caso como no
vice-versa, ambos serão considerados imorais e serão presos. – Perfeito, disse
o primeiro tecnocrata. – E mais – continuou o terceiro tecnocrata – para que a
nossa medida seja, antes de tudo, essencialmente democrática, decreta-se que
cada um que use a calça que quiser com a cinta que tiver, desde que com a boca
fechada. Concordam? – Totalmente, responderam em coro o primeiro e o segundo
tecnocrata. E assim foi. No outro dia, para o bem do povo e a felicidade geral
da nação, decretou-se no País do Sonho que subissem as calças e apertassem as
cintas. Revogando-se as disposições em contrário.
Moral:
Como a cinta, cada usa a que tem.
O importante é que ninguém ande sem calças, segundo os tecnocratas.
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