segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Alegrias do magistério!

 

Primeiro dia de aula é braço de ferro. Ou você conquista a classe, dobra os provocadores e convence a turma de que vale a pena assistir ao seu curso... ou é melhor voltar para casa por um ano. Os dez ou quinze minutos iniciais são decisivos. Você tem de jogar tudo: charme, humor e informação. Uma noite... 

- Professor! 

No meio da introdução, o gaiato lá do fundão me interrompeu. 

- Eu vou embora. Já vi que o senhor não tem nada para me ensinar. 

Menino bem-vestido, fantasiado de contato, o pentelho levava toda a pinta de quem já estava na profissão. Dar um esporro, chutar o herói porta afora... nada disso resolveria a provocação. A classe, muda, esperava a minha reação. Fiz a melhor cara de uai do meu repertório, deixei o giz no quadro-negro, limpei as mãos e, sem olhar para o sabichão, fui me sentar na carteira vaga mais próxima. Gelo geral. Um minuto, dois... eu nem aí. O bzzzzzz começou. Quando a zoeira estava bem forte, eu levantei o braço. Novo silêncio pesado. 

- Estou esperando a aula, mestre! Adoro voltar a ser aluno quando aparece alguém que sabe mais do que eu. Vai lá! A classe é sua... 

A bola não estava mais comigo. Todo mundo ficou de olho no carinha. Quando senti que ele estava a nocaute, voltei para a frente e toquei a aula. No final, ele veio se desculpar. Tomou a lição, mas não se emendou. O moleque era mesmo muito metido. Fez carreira de aspone (assessor de porra nenhuma), meteu-se a jornalista, entrevistou poderosos, ganhou alguma notoriedade e acabou sendo, por algum tempo, presidente de uma estatal! O que prova apenas que políticos, de um modo geral, são muito mal-informados e têm estômago de aço. 

Hienas e governantes têm hábitos alimentares semelhantes. 

(Carlos Queiroz Telles, no livro “Tirando de Letra) 

Obs: O escritor e publicitário Carlos Queiroz Telles foi professor de redação publicitária na Faculdade de Comunicação da FAAP.

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