A mulher, no outro compartimento, afastada do marido e do filho, refazia a programação do seu robô doméstico. Ela desejava a limpeza do jardim de grama artificial, pois existiam muitas embalagens descartáveis jogadas no chão desde a noite anterior.
O marido organizara uma reunião com o objetivo de criar o Comitê que iria até o “Grande Conselho” reivindicar direitos fundamentais, como o de poder opinar sobre a escolha de seus representantes, obter igualdade com as mulheres nas atividades profissionais e ter o direito de escolher o destino dos filhos: − se eles seriam operários ou dirigentes.
A maior revolta da comunidade consistia na determinação do Grande Conselho de enviar um Engenheiro Genético até seus domos e administrar drogas que transformariam as aptidões natas de seus filhos, cuidados por eles com carinho extremos nas incubadoras.
O homem e a criança despediram-se da mulher e saíram do domo, cada um com seu reservatório de oxigênio fixado à cintura por uma presilha magnética. De mãos dadas, caminhando lentamente para não sofrerem desgastes desnecessários, entraram no tubo transportador.
- Pai, me mostra hoje o Grande Deserto. O senhor me prometeu!
O homem ficou pensativo por alguns instantes e, depois, olhando para a criança, respondeu:
- Filho, que ideia mais absurda. Não tem nada de bonito nele. Vamos olhar a Reserva Verde. Lá você poderá correr sem necessidade do reservatório de oxigênio. Você poderá até tocar em vegetais de verdade.
Em vão, o homem tentava demover o filho. Finalmente, ante a obstinação da criança, contrariado, cedeu. Acomodaram-se no tubo transportador e, através do intercomunicador, solicitou a parada GD-Zero. No painel apareceram sinais luminosos referentes à programação que estava sendo desenvolvida na CDS (Central de Deslocamentos Subterrâneos). Assim que o tubo transportador venceu a inércia, seus corpos sofreram pressão sobre as poltronas. Ao mesmo tempo, apareceu no écran o valor da “taxa de transporte”, em números vermelhos. O homem colocou o polegar direito no orifício de identificação digital, para ser descontado de sua cota mensal de deslocamentos.
Antes de saírem do tubo transportador, colocaram suas máscaras sobre o nariz e boca. Através de um comando existente na porção superior do reservatório, liberaram o oxigênio.
Quando saíram do tubo transportador, receberam um impacto. Era a diferença da pressão e luminosidade do ambiente. Seus corpos ficaram pesados, seus passos lentos. A vastidão do terreno inóspito que passaram a contemplar, trouxe uma espécie de desânimo para eles. Agora, eles estavam fazendo parte do cenário da antevida, da grande solidão do nada. Pararam e giraram sobre si mesmos.
A vista da cidade era bonita. Todos os domos mostravam suas cúpulas brilhantes e reticuladas. Faziam giros intermitentes, para acompanhar o próprio deslocamento solar, à procura de mais energia. As vias áreas estavam movimentadas. Mesmo daquela distância, eles podiam ver os passageiros sendo transportados por aerotréns impulsionados pelo laser. Embora a atmosfera fosse extremamente rarefeita, percebiam os ruídos da cidade. Os dois formavam uma minúscula ilha viva, cercada pelo Grande Deserto.
- Pai, o que é aquela cúpula esverdeada entre os domos?
- Aquilo − respondeu o pai − é uma construção muito antiga, que servia para os homens se protegerem da própria insegurança, da sua solidão face ao Universo e da falta de respostas que a ciência ainda não lhes podia proporcionar. Por isso, os antigos buscavam respostas na crença de seres intangíveis. Eles chamavam essa construção de Catedral.
A
criança ficou olhando para o pai, enquanto ele fazia descrições da construção
O pai estendeu a mão para o filho e viraram-se em direção a outro monumento histórico. Era, também, uma construção de tijolos, que se erguia muito alta, vertical e cônica.
- E isso aí, pai, para que servia?
Quando o homem ia iniciar a explicação, ouviram o alarme colocado no pulso da criança. Era a hora da alimentação. Ele aguardou que o filho abrisse a pequena caixa plástica que havia tirado do bolso, afastasse por instantes a máscara, e colocasse o pequeno comprimido na boca. O pai esperou que o filho deglutisse seu alimento e continuou a falar:
- Esse tubo, de algum modo, ajudava na obtenção de um
gás. Os antigos convertiam esse gás
Os dois ficaram olhando para a antiga construção por alguns instantes, até que a criança se manifestou.
- Pai, estou cansado. Acho que caminhamos demais...
O homem passou a mão sobre a cabeça do filho, num gesto de puro carinho.
- Também penso a mesma coisa, meu filho. Ainda temos
bastante oxigênio. Vamos abrir as válvulas dos reservatórios até atingirmos
- Pai, vamos mais para a direita. Eu quero olhar mais de perto aquela construção circular, lá adiante.
- Era nessa construção que os antigos praticavam esportes. Isso era na época que o ar não era rarefeito e o corpo humano não possuía as limitações que temos hoje. Essa construção abrigava milhares de pessoas para assistirem a uma disputa.
Ao final da descrição, de mãos dadas, os dois foram se afastando lentamente, até alcançarem as esteiras rolantes que os levariam até a estação do tubo transportador. Já na esteira, a criança fez mais uma indagação.
- O que era tudo isso aqui, antes de se tornar o Grande Deserto?
Enquanto se deixava levar pela esteira, o homem tentava estruturar seus pensamentos à procura de uma resposta.
- Não sei. O melhor será consultarmos nosso terminal de dados lá no domo.
Quando retornaram, a criança dirigiu-se rápido para o compartimento onde estava instalado o terminal e digitou:
- Ajuda;
- Dados Históricos;
- Grande Deserto: Nome de origem.
Passaram-se aproximadamente dois minutos e a resposta surgiu no centro do écran.
RIO GUAÍBA.
Do livro:
“O hidronauta e outros contos de ficção científica”,
de José Rafael Rosito Coiro.
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