quinta-feira, 22 de setembro de 2022

O Inspetor Geral

 Zé Victor Castiel  

Nicolai Gógol, grande dramaturgo russo, escreveu em 1836 – bem antes, portanto, da revolução bolchevique – aquela que se tornaria sua obra-prima para o teatro: O Inspetor Geral. Uma comédia cuja trama envolve uma carta recebida pelo presidente da Câmara dos Legisladores de uma pequena vila, segundo a qual, nos próximos dias, chegaria à aldeia um inspetor geral que faria uma devassa nas contas públicas e investigaria com muita minúcia todos os membros da pequena população, com o intuito de averiguar suas honestidade e lisura.                        

O medo tomou conta de todos, na medida em que se poderia contar nos dedos os adultos que não estivessem envolvidos em corrupção, negociatas ou fofocas mentirosas. A mobilização de todos foi enorme e iniciaram um forte esquema para ocultar ou eliminar quaisquer vestígios de seus malfeitos, mentiras e malversações. A comédia se concretiza com um farsante que se faz passar pelo tal inspetor e vai até a aldeia buscando, com isso, receber benesses e boa comida e vinho, além de divertir-se, sadicamente, com o pavor reinante a partir da possibilidade de tão perigosa visita. No Brasil, a melhor tradução dessa obra foi feita por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, no início da década de 1960, e já divertiu milhares de brasileiros em inúmeras montagens. 

Falo sobre o Inspetor Geral de Gógol porque vejo como um fato incrível que obras teatrais escritas no século 19 sejam tão atuais e premonitórias. Tenho notado um alvoroço enorme em Brasília, com a real possibilidade de alternância no poder nacional. Nos últimos dias, o nosso presidente tem protagonizado atos quase risíveis. 

Utilizar o Dia da Independência do Brasil como palanque eleitoral; viajar para a Inglaterra e prestar suas condolências à família da rainha recém-falecida, não sem antes aproveitar o ensejo para fazer campanha eleitoral utilizando uma das janelas da embaixada brasileira em Londres; aproveitar a abertura da 77ª Assembleia Geral da ONU, desperdiçando, talvez, a maior honra que um governante possa ter para falar sobre a campanha política e como é melhor que seus adversários no Brasil, entre outras inúmeras atitudes que beiram o desespero. Podem ser um bom indício de que Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados em Brasília, guardião incansável das centenas de pedidos de impeachment do presidente, pode ter recebido uma carta informando que estaria para chegar na capital brasileira um “inspetor geral”. É lindo ver como a arte pode tão bem retratar a vida. 

(Do jornal Zero Hora, 22 de setembro de 2022)

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