sexta-feira, 9 de setembro de 2022

De Chiquinha a Borghettinho

 Juarez Fonseca

Gilmar Fraga / Agencia RBS 

Outro dia, numa daquelas maquinações noturnas, acordei de madrugada com o nome de Miltinho na cabeça. Figura peculiar da música brasileira, nos anos 1950 Miltinho (1928-2014) participou de grupos vocais históricos como Anjos do Inferno, Namorados da Lua e Milionários do Ritmo, até engrenar carreira solo na década de 1960 cantando samba-canção e sambalanço. Seu estilo inconfundível marcou sucessos como Mulher de 30, Mulata Assanhada, Palhaçada – ouça, vale a pena. Por que acordei pensando nele? Não sei. Só sei que esse nome no diminutivo levou a outros, acabando com meu sono. Ainda sob as cobertas, comecei a vasculhar os “inhos” e “inhas” de nossa história musical. 

A primeira a vir à tona, o abre-alas, foi Chiquinha Gonzaga (1847-1935). E começaram a jorrar tantos e tantos nomes, que me levaram a perguntar por que o diminutivo é, ao longo do tempo, tão presente entre os artistas brasileiros. Consultei meu amigo Henrique Mann, radicado em Portugal já há três anos: “Aí é assim também?”. Ele pensou, lembrou a cantora Carminho, e... praticamente não tem. Na cultura hispânica, o correspondente seria o sufixo ito/ita... Achei Sarita Montiel, Joselito, Palito Ortega, Paquito d’Rivera e... 

De modo que o Brasil é campeão mundial no uso de diminutivos para designar pessoas. Por quê? Quis ouvir nosso mestre Luís Augusto Fischer: 

– Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda tem uma conversa sobre isso. Ele diz que uma das evidências do “homem cordial” (não necessariamente o homem gentil, mas o que age com o coração) é justamente essa coisa dos apelidos, uma maneira de criar intimidade. E eu sempre dou esse exemplo quando leio o livro dele na aula. Mostro que nas seleções de futebol do mundo todo são dados os sobrenomes dos jogadores, e na do Brasil é comum ter os apelidos. É uma espécie de contraponto da subserviência dos subordinados para com a elite, o “sinhozinho”... 

E a sinhazinha, claro. Mas interpretações sociológicas à parte, o que o sonho me provocou foi um exercício de memória, começando pelo Rio Grande (do Sul), sem ordem alfabética e assumindo o risco de deixar gente de fora: Teixeirinha, Mary Terezinha, Borghettinho, Carlinhos Hartlieb, César Passarinho, Formiguinha, Bonitinho Trindade, Edinho Galhardi, Edinho Espíndola, Moraezinho, Pedrinho Figueiredo, Luizinho Santos, Paulinho Goulart, Paulinho Cardoso, Paulinho Fagundes, Paulinho Supekóvia, Paulinho Pires, Paulinho Parada, Marcinho Ramos, Zezinho Athanázio (depois Joe Eutanázia), Carlinhos Santos, Serginho Moah, Jorginho do Trompete, Armandinho, Maestro Macedinho, Chiquinho do Acordeom... 

Daí para cima, também na ordem que foram “baixando”: Miltinho, Pixinguinha, Braguinha, Paulinho da Viola, Emilinha Borba, Isaurinha Garcia, Carminha Mascarenhas, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija-Flor, Thiaguinho, Jorginho do Império, Martinho da Vila, Stelinha Egg, Toninho Horta, Toninho Ferragutti, Robertinho Silva, Gonzaguinha, Dominguinhos, Paulinho da Costa, Caçulinha, Carlinhos Vergueiro, Zequinha de Abreu, Oswaldinho do Acordeon, Robertinho do Recife, Nadinho da Ilha, Ivinho, Chitãozinho (e Xororó), Pedrinho Mattar, Cascatinha (e Inhana), Toninho Carrasqueira, Martinha, Evinha, Lucinha Lins, Dircinha Batista, Agostinho dos Santos, Liminha, Paulinho Moska, Armandinho (d’A Cor do Som)... 

... Paulinho Nogueira, Serginho Meriti, Manezinho Araújo, Gracinha Leporace, Lourdinha Bittencourt, Simoninha, Jairzinho, Toquinho, Ranchinho (da dupla com Alvarenga), Perinho Albuquerque, Marquinhos Satã, Netinho, Rosinha de Valença, Carlinhos Brown, Tavinho Moura, Silvinha Telles e, last but not least, o grande K-Ximbinho (1917-1980). Mas opa!, correndo por fora vem Julinho da Adelaide, alter ego de Chico Buarque para driblar a censura da dita. Amplie a lista e me conte. No futebol também tem muitos, claro, de Zizinho a Ronaldinho, passando por Chinesinho, Bodinho, Jairzinho, Edinho, Zinho, Robinho, Juninho e tal, mas essa já é outra arte. 

Aí me dou conta de que, enquanto entre os homens se mantém estável, entre as mulheres o diminutivo foi escasseando com o tempo – as mais recentes são Lucinha Lins e Amelinha, dos anos 1980. Efeito do movimento feminista? Mais curioso é que isso se concentra na música. Procure inho e inha no cinema, no teatro, na dança, nas artes plásticas, na literatura. Não tem. Ah, sabe como João Gilberto era conhecido nos meses em que viveu em Porto Alegre em 1955? Joãozinho... 

(Do jornal Zero Hora, setembro de 2022)


Um comentário: