sábado, 8 de julho de 2023

Os “Comprositores”

 

Babaú da Mangueira

Comprositor” é aquele indivíduo que comprava samba (ou outro gênero qualquer) de compositores duros que estavam iniciando as suas carreiras artísticas. Muitos nomes, famosos hoje em dia, venderam ou deram parceria a ilustres desconhecidos porque tinham que sobreviver. Nomes como Ismael Silva, Noel Rosa, Wilson Batista, Cartola e muitos outros venderam sambas em algum momento de suas vidas. 

O caso mais curioso de compra de samba, seguido de imediato arrependimento musical assumido, aconteceu com o velho Babaú da Mangueira. Foi lá pelos idos de 1936. O negão vivia mesmo era “na pior”, fazendo samba por qualquer motivo e, sem motivo, melhor ainda. Um belo dia, resolveu fazer um sambinha reclamando com Deus das penas que andava sofrendo. Chamava-se Tenha pena de mim: 

Ai, ai, meu Deus,

Tenha pena de mim,

Todos vivem muito bem

Só eu que vivo assim.

Trabalho, não tenho nada.

Não saio do miserê,

Ai, ai, meu Deus,

Isso é pra lá de sofrer.

Sem nunca ter

Nem conhecer felicidade.

Sem um afeto,

Um carinho ou amizade

Eu vivo tão tristonho,

Fingindo-me contente.

Tenho feito força

Pra viver honestamente. 

Apareceu no morro um “compositor” profissional (Cyro de Souza), desses que têm olho clínico para o sucesso. Babaú fechou negócio e ficou muito feliz. Faturou uma notinha para o mês todo. 

Vai daí que, meses mais tarde, ligou o rádio e ouviu sua música, uma, duas, dez vezes, na voz de Araci de Almeida. Sucesso total. O desgraçado do comprador devia estar faturando uma grana alta. E ele, coitado, tomou um porre! Resultado, outro samba, já agora relatando o ocorrido: 

Muito senti quando perdi

O meu sambinha do miserê

Que eu fiz porque

A minha vida

Tava dando pra trás

Não conhecia a malandragem

Veio um mocinho de fininho da cidade

Foi um sedutor

Me seduziu e o meu samba levou

Eu fiquei esperando

O mocinho chegar

E ele nunca mais voltou. 

O pobre compositor fez uma burrada danada e, em vez de calar a boca, ainda fez alarde da sua enorme mancada. 

(Do livro “Cartola – os tempos idos”,

de Marília Barboza da Silva e Arthur de oliveira Filho)


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