segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Fatos da Guerra de Canudos

(1896-1897)


O povo vencido de Canudos – as mulheres guerreiras:
 Foto de Flávio de Barros - Museu da República

→ Esta fotografia (acima) de Flávio de Barros, feita no dia 2 de outubro de 1897, é uma dos registros mais emblemáticos dos conflitos e contradições da sociedade brasileira na passagem do Império para a República. Talvez uma das nossas mais expressivas fotografias de guerra, ela diverge radicalmente da maior parte dos registros realizados pelo fotógrafo, que estava em Canudos a serviço do Exército, durante a última expedição que, em 5 de outubro daquele ano, aniquilou definitivamente a resistência dos conselheiristas. A imagem registra o momento em que mulheres, feridos, velhos e crianças se entregam ao Exército, numa provável estratégia de resistência final dos poucos conselheiristas restantes, os quais permaneceram entrincheirados e em combate até o fim da guerra, como indica Euclides da Cunha no magistral “Os Sertões”.

→ A chamada Guerra de Canudos, Revolução de Canudos ou Insurreição de Canudos, foi o confronto entre um movimento popular de fundo sócio-religioso e o Exército da República, que durou de 1896 a 1897, na então comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia, no Brasil.

→ O episódio foi fruto de uma série de fatores como a grave crise econômica e social em que encontrava a região à época, historicamente caracterizada pela presença de latifúndios improdutivos, situação essa agravada pela ocorrência de secas cíclicas, de desemprego crônico; pela crença numa salvação milagrosa que pouparia os humildes habitantes do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social.

→ Inicialmente, em Canudos, os sertanejos não contestavam o regime republicano recém-adotado no país; houve apenas mobilizações esporádicas contra a municipalização da cobrança de impostos. A imprensa, o clero e os latifundiários da região incomodaram-se com uma nova cidade independente e com a constante migração de pessoas e valores para aquele novo local passaram a acusá-los disso, ganhando, desse modo, o apoio da opinião pública do país para justificar a guerra movida contra o arraial de Canudos e os seus habitantes.

→ Aos poucos, construiu-se em torno de Antônio Conselheiro e seus adeptos uma imagem equivocada de que todos eram “perigosos monarquistas” a serviço de potências estrangeiras, querendo restaurar no país o regime imperial, devido, entre outros ao fato de o Exército Brasileiro sair derrotado em três expedições, incluindo uma comandada pelo Coronel Antônio Moreira César, também conhecido como "corta-cabeças" pela fama de ter mandado executar mais de cem pessoas na repressão à Revolução Federalista em Santa Catarina, expedição que contou com mais de mil homens. A derrota das tropas do Exército nas primeiras expedições contra o povoado apavorou o país, e deu legitimidade para a perpetração deste massacre que culminou com a morte de mais de seis mil sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.

(Do Blog Só História)


A artilharia republicana

Combatentes gaúchos em Canudos


Lanceiros gaúchos

→ Apenas o Esquadrão de Lanceiros agia com algum efeito. Partia diariamente em batidas longas pelos arredores. Montando cavalos estropiados, que rengueavam sob a espora, os gaúchos faziam façanhas de peleadores. Largavam, sem medir distâncias e perigos, pela região desconhecida; e, conseguindo sopear na carreira os bois esquivos, lançavam-nos em tropel todas as tardes, para dentro de uma caiçara, à ilharga do acampamento. O inimigo perturbava-lhes a montaria. Além do trabalho de reunir as reses espantadiças, tinham o de impedir a sua dispersão ante súbitos assaltos. E nestes reencontros rápidos e violentos, contendo do mesmo passo os bois alvorotados prestes a se espalhar por toda a banda, e replicando, a disparos de mosquetão, às tocaias que os aferroavam; caindo surpresos, numa tocaia ao transpor uma baixada, alvejados por um tiroteio subitamente partindo do alto; e não abandonando nunca a presa irrequieta; circulando-a, arremessando-a para diante e ao mesmo tempo contendo-a pelos flancos, fizeram prodígios de equitação e bravura.

(Do livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha)

O assalto dos Lanceiros Gaúchos

→ Revelou-o o Esquadrão de Lanceiros num reconhecimento temerário. Precipitando-se velozmente naquela direção, deu de chofre no tombar de uma encosta com cerca de oitenta jagunços. Estava, dentro de um curral, de onde atiravam de soslaio sobre a tropa. Dispersou-os a pontaços de lança e a patas de cavalos, numa carga violenta. Subia depois a galope, perseguindo-os por uma ladeira menos abrupta, até ao alto de um dilatado platô, em rechã distendida para nordeste. E arraial, a menos de trezentos metros, apareceu-lhe inopinadamente na frente.

(Idem)

Combatentes republicanos X Mulheres de Canudos

→ Famintos e agoniados de sede, ao penetrarem as pequenas vivendas dentro das quais no primeiro minuto nada distinguiam, na penumbra dos cômodos estreitos e sem janelas, olvidavam o morador. Percorriam-nos, tateantes, em busca de uma moringa d′água ou um cabaz de farinha. E baqueavam, não raro, por um disparo à queima-roupa. Soldados possantes que vinham resfolegando de uma luta de quatro horas, caíram, alguns mortos por mulheres frágeis. Algumas valiam homens. Velhas megeras de tez baça, faces murchas, olhares afuzilando faúlhas, cabelos corredios e soltos, arremetiam com os invasores num delírio de fúrias. E quando se dobravam sob o pulso daqueles, juguladas e quase estranguladas pelas mãos potentes, arrastadas pelos cabelos, atiradas ao chão e calcadas pelo tacão dos coturnos – não fraqueavam, morriam num estertor de feras, cuspindo-lhes em cima, um esconjuro doloroso e trágico...

(Idem)

Os feridos e o último lance heroico

→ No entanto, a expedição atravessara violentíssima crise. Tivera cerca de mil homens, 947, entre mortos e feridos, e estes com os caídos nos recontros anteriores, reduziam-na consideravelmente. Impressionavam-na, ademais, os resultados imediatos do acontecimento. Três comandantes de brigadas, Carlos Teles, Serra Martins e Antonino Néri, que viera à tarde com a 7ª, estavam fora de combate. Numa escala ascendente, avultavam baixas de oficiais menos graduados e praças. Alferes e tenentes haviam, com desassombro incrível, malbaratado a vida em toda a linha. De alguns citavam-se, depois, os arrojados lances: Cunha Lima, estudante da Escola Militar de Porto Alegre, que, ferido em pleno peito numa carga de lanceiros, concentrara os alentos no último arremesso da lança caindo, em cheio, sobre o inimigo, feito um dardo; Wanderley que, precipitando-se a galope pela encosta aspérrima da última colina, fora abatido ao mesmo tempo em que o cavalo, no topo da escarpa, rolando por ela abaixo em queda prodigiosa de titã fulminado; e outros, baqueando todos, valentemente – entre vivas retumbantes à República – haviam dado à refrega um traço singular de heroicidade antiga, revivendo o desprendimento doentio dos místicos lidadores da média idade.


O inimigo
  
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”

Euclides da Cunha
  
→ Mas o jagunço não era efeito à luta regular. Fora até demasia de frase caracterizá-lo inimigo, termo extemporâneo, esquisito eufemismo suplantando o “bandido famigerado” da literatura marcial das ordens do dia. O sertanejo defendia o lar invadido, nada mais. Enquanto os que lho ameaçavam permaneciam distantes, rodeava-os de ciladas que lhes tolhessem o passo. Mas quando eles, ao cabo, lhe bateram às portas, e arrombaram-lhes a coices de armas, aventou-se-lhes, como único expediente, a resistência a pé firme, afrontando-os face a face, adstrito à preocupação digna de defesa e ao nobre compromisso da desforra. Canudos só seria conquistado casa por casa. Toda a expedição iria despender três meses para a travessia de cem metros, que a separavam do apside da igreja nova. E no último dia de sua resistência inconcebível, com bem poucas idênticas na história, os seus últimos defensores, três ou quatro anônimos, três ou quatro magros titãs famintos e andrajosos, iriam queimar os últimos cartuchos em cima de seis mil homens!

(Idem)

Termina a Guerra de Canudos


Canudos: arraial destruído, corpos mutilados.

→ No dia 5 de outubro de 1897 terminava a Guerra de Canudos ou Campanha de Canudos, confronto entre o Exército Brasileiro e os integrantes de um movimento popular liderado por Antônio Conselheiro. O conflito teve início em 1896 na então comunidade de Canudos, no interior da Bahia. Após a derrota de três expedições militares contra Canudos, a destruição total do arraial tornou-se prioridade para o governo brasileiro. O resultado da ofensiva foi a legitimidade do massacre de até 20 mil sertanejos. Além disso, estima-se que cinco mil militares tenham morrido. A guerra terminou com a destruição total de Canudos, a degola de muitos prisioneiros de guerra, e o incêndio de todas as casas do arraial.

→ Canudos era uma pequena aldeia que surgiu durante o século XVIII. Com a chegada de Antônio Conselheiro, em 1893, o local cresceu rapidamente e, em poucos anos, contava com 25 mil habitantes. A imprensa, o clero e os latifundiários da região incomodaram-se com a nova cidade independente e com a constante migração de pessoas para o local. Desta maneira, construiu-se uma imagem ruim de Antônio Conselheiro e uma guerra contra os habitantes do arraial de Canudos acabou ganhando o apoio da opinião pública.

→ A escravidão havia acabado fazia pouco tempo no país e, pelas estradas e sertões, grupos de ex-escravos vagavam, excluídos do acesso à terra e com reduzidas oportunidades de trabalho. Assim, como os caboclos sertanejos, essas pessoas acreditaram no discurso do peregrino Antônio Conselheiro, que surgia como alguém que poderia tirá-las da pobreza ou garantir-lhes a salvação eterna na outra vida.

(Do Blog Hoje na História)

Epílogo

Texto final de Euclides da Cunha, do livro “Os Sertões”

Fechemos este livro.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.

(...)

Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas.

Antes do amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.*


Corpo exumado de Antônio Conselheiro:
Imagem de Flávio de Barros, fotógrafo do Exército

Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam disparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do “famigerado e bárbaro” agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefacto e esquálido, olhos fundos cheios de terra – mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.

Desenterram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa – único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! – faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos.

Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava afinal extinto aquele terribilíssimo antagonista.

Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita – e como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores...

Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura...

FIM


A foto final dos vencedores


Soldados republicanos e crianças famintas e órfãs...

A destruição do Arraial de Canudos


Soldados republicanos


O que restou da Igreja de Bom Jesus...


... e também da Igreja de Santo Antônio.


Conselheirista ferida na maca


Conselheirista preso, notem, em frangalhos,
o fardamentos dos soldados da República.


Flávio de Barros - fotógrafo do Exército
Museu da República

E a cidadela que, segundo o Exército, tinha 5.200 casebres, é incendiada e totalmente destruída. Cerca de 20 mil sertanejos são massacrados e prisioneiros de guerra, degolados. Além disso, estima-se que cerca de cinco mil militares morreram durante o conflito, que termina em 5 de outubro. O presidente Prudente de Morais elogia a campanha do Exército (Gazeta de Notícias, de 9 de outubro de 1897, na quarta coluna).

Mas tudo, no Brasil, sempre acaba em samba...

Samba Enredo

(1976)

Os Sertões

Em Cima da Hora

Marcado pela própria natureza,
O Nordeste do meu Brasil,
Oh! solitário sertão,
De sofrimento e solidão.
A terra é seca,
Mal se pode cultivar.
Morrem as plantas e foge o ar,
A vida é triste nesse lugar.

Sertanejo é forte,
Supera miséria sem fim,
Sertanejo homem forte,
Dizia o Poeta assim: (bis)

Foi no século passado,
No interior da Bahia,
O Homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia.
Ocultou-se no sertão,
espalhando a rebeldia.
Se revoltando contra a lei,
Que a sociedade oferecia.

Os Jagunços lutaram
Até o final,
Defendendo Canudos,
Naquela guerra fatal. (bis)


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