Houve um tempo, acreditem, em que
jornalistas trocavam ofensas pelos jornais. Um vale tudo das palavras onde não
se poupavam familiares e amigos, no calor do embate afloravam preconceitos
arraigados, insinuava-se ou dizia-se com todas as letras que o desafeto era
ladrão, homossexual (naquele tempo alvo de discriminação social), corno,
impotente, retardado mental ou sem caráter. Isso tudo nas primeiras páginas da
grande imprensa para deleite dos alcoviteiros de ambas as partes, eles próprios
estimulando e alimentando a briga. Às vezes, o embate extrapolava o razoável,
tornava-se inegociável e então se partia para a ignorância. A questão passava a
ser de “honra”, eufemismo para qualificar qual das partes era efetivamente macho.
E a única solução, nessas circunstâncias, era resolver a pendência através de
um duelo a espada ou pistola.
Um tiro no ilíaco
Ao centro, Pinheiro Machado
À direita, Edmundo Bittencourt
Uma dessas situações acima descritas
ocorreu em 1906, durante o governo Afonso Pena, envolvendo o senador Pinheiro
Machado, político conservador, o homem mais influente da política brasileira
naquele tempo, ex-fundador do jornal A República e Edmundo Bittencourt, diretor
do Correio da Manhã, fundado em 1901.
A iniciativa de propor um duelo, como resposta às
ofensas recebidas, partiu do político gaúcho que desafiou publicamente o
redator-chefe do Correio. O embate ocorreu na manhã de 08 de julho de 1906, num
lugar distante, a Praia de Ipanema, perante testemunhas. Então, postaram-se um
de costas para o outro, andaram dez passos, viraram-se; o senador levou a
melhor, acertando um tiro no ilíaco do jornalista (a versão verdadeira é que
foi na bunda). Edmundo Bittencourt, ferido no embate, se recuperava, mas
tornava-se um feroz opositor da revolução federalista da qual o senador era um
de seus mais atuantes políticos. O duelo determinava uma linha editorial mais
contundente em relação ao governo. Muitos anos depois do episódio aqui narrado
(1955) o filho de Edmundo, Paulo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã, era
desafiado pelo senador Juracy Magalhães para um duelo no Uruguai, já que a
legislação brasileira há muito tempo proibira esse tipo de confronto “em defesa
da honra”. O jornalista recusou e a questão somente seria resolvida, tempo
depois, com uma troca de socos, manchete dos jornais no dia seguinte, durante a
inauguração de uma exposição de arte moderna no Parque do Flamengo.
Fazendo
de conta
Olavo Bilac
Raul Pompeia
Diferente do embate entre Pinheiro
Machado e Bittencourt, ambos bons de briga, o duelo entre Olavo Bilac e Raul
Pompéia, no final do século XIX, ambos de natureza pacífica, tinha tudo para
ser uma farsa como efetivamente foi. Bilac, num excesso, escrevera no jornal
que Pompéia “se masturba e gosta de, altas horas da noite, numa cama fresca, à
meia-luz de “veilleuse” mortiça, recordar, amoroso e sensual, todas as beldades
que viu durante o seu dia”. Pompéia, então, revidou, tempo depois, acusando
Bilac de praticar incesto com a irmã Cora, sugerindo que Ernesto, sobrinho do
poeta, era na verdade o seu filho. O embate foi parar num bar. Pompéia,
primeiro, trocou socos com o jornalista e poeta parnasiano, levando a pior;
depois propôs um duelo à espada, arrependendo-se em seguida. Mas já era
tarde. O duelo ocorreu no Jardim Botânico, ambos armados com floretes
emprestados. Fingiram uma luta, tendo o cuidado de um não ferir o outro, para
depois se abraçarem, perante atônitas testemunhas, que consideraram o episódio
grotesco porque não houve sangue. Raul Pompéia acabou os seus dias depressivo,
suicidando-se com um tiro de pistola na cabeça, após a sua demissão da
Biblioteca Nacional. Mas, há quem credite a sua morte às conseqüências do
episódio com Bilac. Afinal, quem propõe um duelo ou mata ou morre, mas não se
abraça com o adversário. Esse era o código vigente, na época. E contrariá-lo
significava uma grande humilhação.
originalmente
publicado no Portal Imprensa em 02/06/2008
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