Luis Fernando Veríssimo
O último bonde para o bairro onde eu
morava saía do centro à uma da madrugada. Aos sábados, tinha um que saía mais
tarde. Aos sábados, depois da sessão da meia-noite dos cinemas, a gente corria
para não perder o último bonde. As sessões da meia-noite muitas vezes eram de
filmes “científicos”. Era a sacanagem que ainda não ousava dizer seu nome. Os
adolescentes que hoje têm sexo em profusão sob os seus dedos não sabem o que
era a busca desesperada pela mulher nua. Aparecia um seio da Martine Carol num
cinema e nós estávamos lá, fazendo fila para a primeira sessão da tarde. As
coxas da Silvana Mangano em outro, e corríamos para lá.
Tínhamos vagas notícias de revistas
dinamarquesas que mostravam tudo, mas onde encontrá-las? Não me lembro bem do
que tratavam os filmes “científicos”, mas acho que eram alertas contra as
doenças venéreas, com demonstrações gráficas das suas conseqüências, portanto
mais broxantes que excitantes. Mas quem brochava, naquela época? A adolescência
era uma ereção ininterrupta.
Aquele cheiro metálico dos bondes. Os
barulhos que faziam. Os gemidos, o “pscht” dos freios. Nossa admiração pelos
fiscais que pulavam de um bonde em movimento para pegar outro, e faziam
anotações misteriosas em suas planilhas. O meu bairro era alto e o bonde
começava a subir assim que saía do Centro. Como era lenta a subida do bonde
para o meu bairro. Mas não me lembro de achar que perdia tempo. Aproveitava-se
para pensar na vida, ou o que passava por pensar na vida, na adolescência. Nada
como um bonde lento para meditar sobre o significado de todas as coisas. Sempre
achei que se a linha do meu bairro fosse um pouco mais longa eu teria decifrado
o Universo.
Descer do bonde em movimento era uma
das obrigações da juventude, quase uma prova de macheza. E o desafio maior era
subir no bonde em
andamento. Corria-se de costas ao lado do bonde, agarrava-se
com uma mão a barra vertical da porta, pulava-se girando o corpo no ar e
caía-se com um pé no estribo, virado para a frente. Havia o perigo de cair
embaixo do bonde, mas quem diz que na província não havia aventura?
Nos filmes musicais, sempre que
alguém começava a cantar passava um murmúrio de impaciência pela plateia. As
músicas não eram bem-vindas nos filmes musicais daquela época. Beijos na tela
eram recebidos com o grito de “Gol!”. E o máximo do humor era espantar o
pássaro da apresentação da Condor Filmes. Acho que algo mudou na nossa alma
quando paramos de espantar o condor.
E, como num
poema do John Updike, nós nem sabíamos que éramos uma geração.
Minhas observações:
Fiz parte, apesar de um pouco mais
jovem, dessa geração que o Veríssimo fala. Ia ao centro no bonde Partenon,
passeava pela Rua da Praia e Praça da Alfândega, voltando no último bonde da
madrugada. Filme que tivesse a sugestão de seios ou coxas à mostra, lá
estávamos nós. Uma vez por ano, no Cinema Castelo, passava, à meia-noite, um
filme sobre doenças venéreas, com algumas mulheres nuas e maltratadas, era um
sinal para todos dizerem no cinema as maiores besteiras. Tudo era liberado. As
revistas de sacanagem do Carlos Zéfiro eram muito disputadas pela garotada.
Cara que era macho pegava e descia o bonde andando. Eu, particularmente,
gostava de musicais, mas a galera detestava quando, no meio de um diálogo, um
ou dois personagens começavam a cantar, todos achavam uma merda. O condor era
sempre espantado com xxxiiiiiii!
Nilo da Silva Moraes
Nenhum comentário:
Postar um comentário