Anônimo (folclore
popular)
Assim se costuma dizer, e é bem
certo. Ora, eu lhe conto: uma vez um capitão soube que muitos praças de sua
companhia estavam num cateretê
ferrado, longe do quartel, bebendo, dançando, brigando, pintando os sete
demônios.
Chamou a ordenança e mandou buscar a
soldadesca. Mas, o camarada em lá chegando, vendo que o pagode estava mesmo
bom, com cada cabocla xodó, de trazer
água na boca, e com um violeiro que botar no verso e no ponteá não havia outro − esqueceu-se da ordem, e caiu também na
dança.
O capitão cansado de esperar e vendo
que nem os praças, nem o ordenança voltavam, chamou o cabo e o mandou atrás do
pessoal. Mas, o cabo foi, e aconteceu a mesma coisa: caiu na dança, e também
não voltou. O capitão já estava ardendo de raiva. E vai daí, mandou o furriel. Mas
o furriel fez o mesmo: caiu na dança, e era um dia...
O capitão queimava. Estava mesmo para
arrancar as barbas de bode. E mandou o sargento, com ordem de trazer todo
aquele povo na chincha.
Mas, o sargento não era de ferro... e
vendo tanta mulata de pega pra saí,
entrou na roda: Eta! Rapaziada boa!
O capitão, brabo que nem cobra na
hora da queimada, chispou o alferes
em busca da negrada.
Mas o alferes − que havia de fazer?
Era dos tais que não podem ver defunto sem chorar, e caiu na pândega, com os galões
e tudo. E espera pra lá, capitão do inferno!
E o capitão apois mandou que o tenente trouxesse tudo de cambulhada, e, já
sabia, trinta por sessenta na canalha.
E vai o tenente pegou da espada e foi
bufando por ali afora, que parecia um raio.
Mas, então a coisa é que estava mesmo
boa. Eta sapateado de remelexo! E o tenente deu a espada pru cabo e... entra, Juca!
Aquilo ia correndo trinta por um mês,
que era um regalo.
A corneta tocou, mas, nada! Ninguém
apareceu na revista da companhia.
Então é que o capitão quase tira as
calças e pisa nelas. E resolveu ele mesmo ir buscar a rapaziada. Havia de
pegá-la pra Judas! Riscou nos calcanhos,
como caititu na trilha com cachorrada atrás...
Mas chegando ao pagode... Eh! Maria
Chica danada pra dançar! Quando ela avistou o capitão, fez uma chamada com o
lencinho bordado, estalou os dedinhos pra banda dele e o bicho entrou na dança, como sapa n′água.
Fechou a roda. A companhia inteira
dançava que era uma gostosura. E o
violeiro então pegou a cantar:
Venha ver, ó minha gente,
Como é boa esta função.
Viola, dança e mulata
Prende inté seu capitão.
No outro dia o tenente perguntou ao
oficial:
− Pronto, meu capitão: quantas cadeias pra negrada?
− Deixa disso, tenente. Quem cai na
dança, não se alembra de mais nada...
E pegaram a rir, e tudo acabou em
santa paz.
*****
(Do livro “Aquarelas
do Brasil – Contos da Nossa Música Popular”,
de Flávio Moreira da
Costa.