quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Um ato de amor

 Zé Victor Castiel

Fui adolescente no final da década de 1960 e início de 70. Bons tempos aqueles. A gente usava calças boca de sino e ainda disputava para ver qual delas era a maior. Durante do dia, brincávamos de tudo aquilo que já foi cantado e decantado em verso e prosa, como bolas de gude, taco e tantas outras que só não podem acontecer hoje porque nenhum pai se atreveria a deixar seus filhos na rua brincando, sob pena de voltarem traumatizados com algum tipo de violência. 

Havia, porém, um perigo, que não era considerado como tal e que mais tarde voltaria para cobrar seu preço: o fumo, o crivo, o cigarro. Naquela época, todos os adultos, se não fumavam regularmente em alguma ocasião, apareciam com um cigarro nos dedos. Era charmoso. Os artistas de cinema e televisão fumavam compulsivamente e era aquela pequena bengala cênica que dava segurança aos atores e emprestavam charme aos seus personagens. As piteiras eram usadas como adereço de beleza e valor para que os outros percebessem. Era de bom-tom. As propagandas da televisão, que ao fim e ao cabo ditavam a moda, eram lindas. Pouca gente escapava daquilo. 

As crianças maiores e os adolescentes também queriam utilizar o cigarro para parecer mais interessantes. Claro que faziam isso escondido dos pais, mas, quando surpreendidos, recebiam uma reprimenda que não condizia com o delito cometido. 

E assim foram se passando os anos.  Muitas dessas pessoas deram-se conta de que o cigarro não era o que dizia ser e trazia consigo inúmeros malefícios. Na verdade, os que permaneceram fumando já eram escravos de uma droga que era considerada lícita e que se adquiria em qualquer supermercado ou vendinha. 

Mas aí já era trade. Deixar de fumar passou a ser uma tarefa muito difícil. Evidentemente que uma pessoa é muito mais forte do que um pedaço de papel enrolado com fumo dentro. Mas, por incrível que pareça, é muito difícil parar. E aí começaram a surgir os malefícios daqueles que fumaram tanto tempo e deram chance para o azar. 

Não culpo, de forma alguma, as pessoas que ainda fumam. Muitas delas foram compelidas a isso pela mídia e pela época em que viveram. Mas não compreendo como um jovem ou um adolescente ainda consegue aderir ao cigarro, mormente sabendo que seu cheiro é desagradável e que suas consequências, um dia, serão nefastas. Orientem bem seus filhos desde a mais tenra idade para que fiquem afastados desse mal que, mais cedo ou mais tarde, volta para assombrar a sua saúde. Acreditem em mim. É um ato de amor. 

(Do jornal Zero Hora, 30.11.2023)

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Pensamentos de um louco sadio

 

Era uma linda noite, escura e chuvosa. O sol, oculto pelas nuvens, brilhava nas trevas. Deitado em pé, sentado num banco de pedra feito de pau, à sombra de uma macieira, sem folhas, que dava jabuticabas com gosto de melancia, um mudo gritava consigo mesmo aos seus companheiros: 

“Prefiro mil vezes a morte a perder a vida!” 

Perto dali, bem longe, próximo a um bosque sem árvores, os pássaros pastavam alegremente, enquanto as vacas saltavam de galho em galho, procurando suas tocas e os elefantes descansavam à sombra de um pé de alface. 

Corri como um louco, com jeito de maluco, vagarosamente depressa, para minha casa de minha irmã. Passei a noite em claro, pois esqueci de apagar a luz. Logo às dez horas da madrugada, fui ao veterinário que me disse que eu estava com a língua do sapato com sapinhos. 

Montei em minhas costas e saí, voltando, a galope pelas curvas retas de um deserto gelado até chegar à porta de minha casa do meu primo. Entrei pela porta da frente que fica nos fundos do apartamento térreo do quinto andar. Deitei o meu paletó na cama e pendurei-me no cabide. Acordei e vi que estava dormindo. Levantei-me, lentamente, depressa, dei marcha-ré no meu ventilador e rumei para o banheiro onde eu servi o almoço para o garçom. Levantei, carinhosamente, com gestos bruscos, os pés da cama da mesa, sentindo um gosto estranho na boca, pois havia comido o guardanapo e limpado a boca com o bife. 

Do lado de fora, dentro da casa, um cego, falando com um surdo, lia o seu jornal, ouvindo um mudo cantar. O jornal, sem folhas, dizia, em chinês falado no Japão: 

“Você sabia que os quatro profetas são três: Jacó e Jeremias.”

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Monólogo da noite

 Ribeiro Couto

Esta noite estou triste e não sei a razão.
Vou, para espairecer minha melancolia,
Ouvir o mar, que o mar é uma consolação.
Paro junto do cais olhando a água sombria.
Intermitente, sob o véu da cerração,
Vejo uma luz vermelha a acenar-me... “Confia!”

Obrigado, farol que és como um coração...

A água negra, noturna, a bater contra o cais,
Ilude a minha dor fútil de vagabundo.
E o farol a acenar de longe... “Espera mais!”
Recordo... “Antônio, que o paquete fosse ao fundo!”
Depois, fico a pensar nos que foram leais,
Nos que tiveram a coragem de ir do mundo
E numa noite assim se atiraram do cais.

Água eterna... água terrível... água imortal...
Apavora-me a sua aparência sombria.
Se eu pudesse acabar de uma vez o meu mal!
Mas tenho medo. “Não... A água está muito fria.
Além de fria é funda e tem gosto de sal.”
E surpreendo-me, a chorar de covardia,
Dizendo ao vento esse monólogo banal.
 

******* 

Publicado no livro Poemetos de Ternura e de Melancolia, 1920/1922 

Ribeiro Couto. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. pág.8

Quando o carnaval chegar

 Chico Buarque

1972

Nara Leão – Chico Buarque ‒ Maria Bethània

A ditadura estava consolidada. A Censura proibia quase toda a criação artística, principalmente do Chico. Mas ele, como todo o intelectual que sabia o que estava ocorrendo nos porões do regime militar, esperava que dias melhores, com certeza, viriam. Esta música do Chico, se a Censura deixasse passar com outro título, poderia se chamar; “Quando a democracia chegar.” Demorou 21 anos, mas chegou. 

Quem me vê sempre parado, distante

Garante que eu não sei sambar.

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

Eu tô vendo, sabendo, sentindo, escutando

E não posso falar.

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

Eu vejo as pernas de louça da moça que passa

e não posso pegar

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

Há quanto tempo desejo seu beijo

Molhado de maracujá

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

E quem me ofende, humilhando, pisando,

pensando que eu vou aturar

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

E quem me vê apanhando da vida duvida

que eu vá revidar

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo

pra gente cantar

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada,

quem dera gritar

Tou me guardando pra quando o carnaval chegar... 

 (E, em 1985, finalmente, o carnaval chegou...)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Crescer dá trabalho,

mas vale a pena.

Roberto Shinyashiki

Crescer significa deixar o conforto para ousar uma nova dimensão da vida. 

Se você quer que seus resultados mudem, antes de tudo você precisa mudar. 

Para o homem de muita coragem, arriscar perder o que conquistou não representa um problema, pois ele sabe que a conquista não foi obra do acaso e sim resultado da própria capacidade. 

No entanto, saber que a própria capacidade determina o tamanho das conquistas faz com que ele sempre procure crescer antes de iniciar uma nova empreitada. 

O campeão sente fascínio por novas conquistas, não para receber novos aplausos, mas para conhecer e aprimorar sua força. 

Estar vivo é estar em crescimento permanente. Por isso se diz que uma pessoa ou está crescendo ou está morrendo. A acomodação é o último estágio antes da morte psicológica! 

Mas crescer realmente dá trabalho. Por certo, por esse motivo muitos preferem a mediocridade. Como disse o teatrólogo francês Jean Giraudoux: “Somente os medíocres estão sempre em seu máximo”. 

Crescer significa deixar o conforto, para ousar uma nova dimensão de vida ‒ e a maioria das pessoas tem medo de perder a comodidade. São muito apegadas aos hábitos, mesmo em situações angustiantes. 

Crescer significa lançar-se ao desconhecido. Às vezes, isso quer dizer mudar todo o negócio para que sua empresa possa dar um salto qualitativo. 

Crescer não é para covardes! 

Crescer significa aprender a escutar. Quando um amigo, chefe, subalterno ou cliente nos faz uma crítica, é fundamental oferecer também o outro ouvido: “O que mais você tem a me dizer?”. 

Crie condições para as pessoas manifestarem opiniões a seu respeito, mesmo que elas sejam duras. 

Quando fizer uma pergunta, ouça a resposta. O importante não é quem fala, mas quem escuta e o uso que faz do que escutou.

Quando alguém ouve uma crítica e reage de maneira agressiva, ou tenta se justificar como se nada pudesse macular sua imagem de perfeição, perde a oportunidade de crescer. 

Um campeão cresce sempre, não importa que situação enfrente ou o trabalho que isso dê. 

Crescer também significa aceitar que, muitas vezes, perder faz parte do jogo. O campeão sempre aproveita as derrotas como estímulo para evoluir. 

“Não confunda derrotas com fracasso nem vitórias com sucesso.

Na vida de um campeão sempre haverá algumas derrotas,

assim como na vida de um perdedor sempre haverá vitórias.

A diferença é que, enquanto os campeões crescem nas derrotas,

os perdedores se acomodam nas vitórias.” 

Roberto Shinyashiki


Orações modernas

 

Oração do estudante 

Professor que está zangado,
Equilibrada seja sua paciência...
Seja feita a sua vontade,
Assim nas provas como nas aulas...
Os dez nosso de cada dia,
Nos dê sempre...
Perdoe as nossas faltas,
Assim como nós perdoamos a sua amolação...
Mas não nos deixe em recuperação,
E nos livre da reprovação!
Amém!

Oração do internauta 

Satélite nosso que estais no céu,

Acelerado seja o vosso link,

Venha a nós o vosso hipertexto,

Seja feita vossa conexão,

Assim no real como no virtual,

Download de cada dia nos dai hoje,

Perdoai a coca sobre o teclado,

Assim como nós perdoamos os nossos provedores,

Não nos deixeis cair a conexão,

E livrai-nos do vírus.

 Amém.

Oração pra antes da balada 

Whisky e Vodka que estão no bar,

Alcoolatrado seja o nosso fígado,

Venha a nós o copo cheio,

Seja feita a nossa cachaçada,

Assim no boteco como na calçada.

O “mé” nosso de cada dia nos dai hoje,

Perdoai as nossas bebedeiras

Assim como nós perdoamos

A quem não tenha bebido.

Não nos deixai cair na Coca Diet

E livrai-nos da água e da soda,

Barman...

A voz teatina da memória

 Campereada 

Paulo Mendes

Imagem da internet

A memória, ah, a memória... Essa china maleva, traiçoeira por tantas vezes, por outras amiga que vem de mate recém-cevado na mão, com erva nova e grossa batida em carijo de guajuvira. Sim, ela nos traz tantos sentimentos que tivemos ao longo de nossa vida, assim como os ruins e os buenos, os lindos, e até aqueles misturados, os que a gente não consegue diferenciar. Talvez os dois ao mesmo tempo. Hay coisas que vivem na penumbra, no limbo, assim e assado, inqualificáveis na definição por si própria. Ela vem sorrateira, a memória, chega de mansinho, como andorinhas de verão, como quem não quer nada, nessas madrugadas chuvosas, nos pega no catre ainda, ou nas tardes de desencilha, no galpão, ao redor do fogo, chimarreando, escutando o roncar da cuia. E abre seu poncho sobre nós. Ouvimos a voz conhecida, maviosa, antiga, e até esquecida dessas lembranças teatinas do pensamento. 

Por exemplo: quando chegava o fim de novembro, lá na Vila Rica, essa sensação me invadia, todos os anos. Eu me esforçava nas aulas e, portanto, passava por média no colégio. Era bolsista, e meu pai, seu José Mendes, costumava alertar, naquele jeitão rústico de homem campeiro: “Se rodar e perder a bolsa, sai do colégio e vai trabalhar de peão, no cabo da enxada, debaixo do sol quente de janeiro.”  Nunca acreditei que ele fizesse isso, mas pelo bem ou pelo mal, era melhor não facilitar. Por isso, no fim do mês, ou bem no início de dezembro, estava liberado para ir para casa, de férias. Era o que todo mundo queria. Via que meus colegas festejavam, e os outros que pegavam recuperação, ficavam inconsoláveis. 

Aí, meus amigos, residia a questão: eu detestava que as aulas terminassem, pois perdia o contato com os colegas, os cadernos, os livros, os professores que sempre falavam coisas novas e curiosas. Eu era fã da biblioteca da escola, que, embora modesta, pra mim, era um campo fértil de conhecimento e sabedoria. Queria jogar bola pela manhã e no recreio, antes da irmã Isolda tocar a sineta e nós, todos suados, irmos fazer fila, cantar o Hino Nacional, rezar e subir as escadas. Eu vivia no campo, sem companhia, solito, ajudando dona Mirica, minha mãe, no bolicho beira de estrada. Trabalhando em pequenas lavouras de milho, de cana, mandioca, tirando leite na mangueira. Ah, o colégio era melhor. Por isso, minha evidente tristeza e desconsolo de fim de ano. 

Hoje, passado tanto tempo, tantos invernos e tantos verões, olho o calendário do Banco do Brasil e percebo que estamos no final de outro ano. Nas ruas, é perceptível aquela movimentação característica da época natalina, correria e tensão. Estou vivo, isso é o que importa, com planos, projetos e vontade de viver. As emoções se misturam, de novo, porque chega a alegria de um lado, pelas conquistas, da avaliação das coisas superadas e, por outro, a tristeza pela certeza das perdas, dos que partiram, uma sensação de estar um pouco mais sozinho. De que quanto mais caminhamos, mais chegamos ao fim. Não, não desistiremos nunca. O futuro ninguém sabe onde começa ou termina. 

Vem, memória, traga-me uma imagem de esperança. 

‒ Estou aqui, sou a memória, que machuca, cura e afaga. Vocês, os pobres mortais, sobrevivem em mim, na vida dos antepassados. Acreditem em mim, só assim terão outra oportunidade sobre o Pampa. 

(Do Correio do Povo, 27 de novembro de 2023) 

Glossário* 

Teatina: gaudéria (sem dono), andar de estância em estância, vida sem rumo. 

China: mulher descendente de índio ou caboclo, de cor morena. Mulher e vida fácil, meretriz. 

Maleva: rancorosa, malfeitora, malvada. 

Carijo: jirau, onde se colocam os ramos de erva-mate para crestá-los ao calor do fogo. 

Guajuvira: arbusto que fornece excelente madeira. 

Poncho: capa retangular, de lã impermeável, com uma abertura no meio, usada para enfrentar frio e chuva. 

Peão: trabalhado de estância. 

Pampa: planície muito extensa com pouquíssimo mato, mas muito rica em pastagens, típica de certas regiões do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. 

*Glossário do livro “Dicionário gaúcho”, de Alberto Juvenal de Oliveira. 

sábado, 25 de novembro de 2023

Pequenas traições

 Vai pescar... vai!

Sábado, como de hábito, me levantei cedo, coloquei meu agasalho, minhas botas,  peguei meus apetrechos de pesca, vesti-me silenciosamente, tomei o meu café e até passeei com o cachorro. Em seguida, fui até a garagem e engatei o barco de pesca no meu 4x4. De repente, começou a chover torrencialmente. Havia até granizo misturado com a chuva, ventos a mais de 80 km/h. Liguei o rádio e ouvi que o tempo seria chuvoso durante todo aquele dia. 

Voltei imediatamente para casa. Silenciosamente, tirei minha roupa e deslizei rapidamente para debaixo dos cobertores. Afaguei as costas da minha mulher suavemente e sussurrei: “O tempo lá fora está terrível.” Ela, ainda meio adormecida, respondeu: “Você acredita que o idiota do meu marido foi pescar com esse tempo?” 

Samira e as batatas

Salim casou-se com Samira e, no dia do casamento, Samira levou para sua casa nova um grande baú, e pediu para que Salim respeitasse a sua individualidade e nunca abrisse o baú. Durante 50 anos de casamento, apesar da curiosidade, Salim nunca abriu o baú. Na comemoração dos 50 anos, Salim não aguentou e perguntou para Samira o que tinha dentro daquele baú. Ela, então, resolveu mostrar para ele o que havia no baú. Ao abrir, Salim viu U$ 60.000,00 e quatro batatas. Curioso, ele perguntou por que 4 batatas, e ela, então, confessou: 

- Toda vez que te traí coloquei uma batata no baú.

Salim, assustado na primeira hora, ficou surpreso, mas depois de pensar bastante, disse: 

- Até que posso perdoar, quatro batatas em cinquenta anos significa uma traição a cada 12,5 anos. 

Perguntou também o que significava os U$ 60.000,00 dólares... Foi quando ela disse: 

- Toda vez que o baú enchia de batatas, eu as vendia.

Aprendendo com o mais velho...

 

Um velho doutor, que sempre trabalhara no meio rural, achou que tinha chegado a hora de se aposentar depois de ter exercido a medicina por mais de 50 anos! 

Ele encontrou um jovem médico para o lugar dele, e sugeriu ao novo diplomado de acompanhá-lo nas visitas domiciliares, para que as pessoas se habituassem a ele progressivamente. 

Na primeira casa, uma mulher queixou-se que lhe doía muito o estômago.

O velho doutor respondeu-lhe: 

- Sabe, a causa provável é que você abusou das frutas frescas... Por que não reduz a quantidade que consome? 

Quando eles saíram da casa, o jovem disse: 

- O senhor nem sequer examinou aquela mulher... Como conseguiu chegar a esse diagnóstico assim tão rápido? 

- Oh, nem valia a pena examiná-la... Você notou que eu deixei cair o estetoscópio no chão? Quando me baixei para apanhá-lo, notei que havia meia dúzia de cascas de bananas no balde do lixo. É provável que fosse isso que lhe deu as dores. 

- Humm! Que esperteza! Eu penso que vou tentar empregar essa técnica na próxima visita.

Na casa seguinte, eles passam vários minutos a falar com uma mulher ainda jovem. Ela queixava-se de uma grande fadiga: 

- Eu me sinto completamente esgotada e vazia...

O jovem doutor disse-lhe então: 

- Você deu, provavelmente, muito de si mesma para a igreja... Talvez que, se reduzir essa atividade física, lhe permita recuperar um pouco a sua energia. 

Assim que deixaram aquela casa, o velho doutor disse para o novo: 

- O seu diagnóstico surpreendeu-me... Como é que chegou à conclusão que aquela mulher se dava de corpo e alma aos trabalhos religiosos? 

- Eu apliquei a mesma técnica precedente que o senhor me indicou: deixei cair o meu estetoscópio, e, quando me baixei para apanhá-lo, vi que o padre estava debaixo da cama...

Um caso de desapropriação

 

Num caso de desapropriação de área destinada a camping, houve apelação ao Tribunal de Justiça, argumentando-se que o emprego de palavra em língua estrangeira deveria se considerado causa de nulidade do ato expropriatório. Trecho do voto do relator, Desembargador Paulo Boeckel Velloso, considerando improcedente tal alegação, pois dita palavra era largamente difundida no país, não existindo vocábulo português adequado e correspondente: 

Na struggle for life o homem da cidade

perde seu humour, despoja-se de sua

condição de gentleman, nesse rush do

shoping, do mundo do business, onde

se cuida de marketing e de complicadas

operações de drawback, de situações de

boom, de dumping, de free market, de

arranjos de holding e concerns, vivendo

a preocupação do free of taxes, ou do

verdadeiro preço ou lucro after taxes,

sem Know how, seja de um executive,

de um white collar e até mesmo de um

blue collar, pois todos sofreriam,

sem isso, um sério handicap. Se não

tiver um hobby que o retenha em seu

sweet home, onde frui chance de um

drink on the rocks ou sound, no relax

de seu living revestido de posters,

preferirá o contato coma natureza

como o melhor knock put ao stress.

Apanha seu automóvel, ou station

Wagon, jeep, ou pick up, bem dotado

em horse-powers, bem como o

indispensável trailer, toma a free-way

rumo a um distante motel, ou mesmo

ao camping, em local previamente

trabalhado por possantes bull-dozers,

dotado de facilities, onde eventualmente

se difunde a música pop, em tom hi-fi,

ou ainda pratica o surf se o mar estiver

próximo, ou o skating em pista próprias,

ou ainda o skiing, buscando sempre a

melhor performance. Alguns desses

locais possuem serviços drive-in, para

comodidade do motorista, bem como

cafeterias, servem lunches, hot dog,

hamburgers, cheeseburgers, tudo com

muito catch up, ou jam, ou jelley.

Se encontra amigos, fazem um party,

improvisam um pic nic, tudo informal,

onde shorts, pull overs, blazers são as

vestes usuais. Assam um churrasco tão

sofisticado que passa a ser um barbecue,

enquanto o transistor irradia o meeting

importante do dia no sport: o football, onde

rivalizam as habilidades do goal keeper,

dos backs (right, left), do center half,

center forward, right half, left half, vibrando

com os penalties ou fouls cobrados contra

o team adverso ao de sua torcida, tudo

muito bem explorado pelo speaker. E com

isso, poupa-me a leitura do correspondente

noticiário da imprensa, no dia imediato, na

primeira edição off set, cujo lay out mereceu

cuidadoso trabalho de véspera. E vem a volta.

Se o starter d carro não funciona,

improvisa-se a operação push together. E de

pronto se consuma o retorno, à cidade

oferecendo-lhe pó welcome. Last, but not

the last: a penetração de estrangeirismos em

uma língua é um fato social inevitável e

perfeitamente aceitável quando provém de

uma língua mais rica, mais flexível e pela qual

se veicula uma técnica mais avançada, mas que

também sofre influências de línguas de menor

importância. 

(Do livro Anedotário da Rua da Praia 2de Renato Maciel de Sá Júnior)


A Escola que nós queremos

 Francieli Pinzon

(11 anos)

Em meus devaneios, embalados por canções românticas, começa a surgir entre uma névoa suave os contornos de uma escola... Ah! Que belos traços tem esta escola... parece ter sido desenhada por um anjo, na plenitude de sua inspiração. 

A névoa vai se dissipando aos poucos e eis que começam a surgir os primeiros raios de sol, trazendo consigo um lindo e perfeito arco-íris. Como nos contos de fada, também em meus devaneios na ponta deste arco-íris há um pote de ouro. Este pote de ouro é a escola que eu sonho, com professores sorridentes, de bem com a vida, ensinando com amor. As salas de aula são um verdadeiro Jardim do Éden, onde eu e meus colegas estudamos prazerosamente. Caminhando pelo pátio, entre flores bem cuidadas, encontro dois seguranças que me acenam e continuam caminhando tranquilos, sorrindo... 

Continuo minha caminhada e eis que me sinto atraída pelo aroma delicioso que vem do refeitório... Ah! Que maravilha de lanche está sendo preparado... A cozinheira, entre um prato e outro, vai assobiando, cantarolando, parece-me muito feliz com seu trabalho. 

Todos que ali estudam são amigos, se respeitam, compartilham tarefas e se orgulham de sua escola. 

Num instante, nuvens negras se aproximam e começa a chover, trazendo-me de volta à realidade... 

Sinto em meu pequeno coração uma agonia profunda de saber que tudo não passou de um sonho. Aí passo a questionar-me sobre o porquê desta realidade tão assustadora. 

Não seria tão melhor se fosse verdadeiro este meu sonho? 

Mesmo me ferindo nesta dura realidade, encontro forças para agradecer a Deus pela dedicação de meus professores, que conseguem, a duras penas, nos transmitir o saber; pela dedicação de nossas serventes, que conseguem com muito amor transformar a parca alimentação que têm a seu dispor em algo digno de ser engolido. 

Reúno minhas forças e rogo a Deus para que um dia o meu sonho se realize, pois esta é a escola que queremos, com professores bem pagos, com segurança, com colegas que sejam também amigos e com funcionários que tenham no final do mês, ao receber seu contracheque, um bom motivo para sorrir. 

É esta a escola que eu quero, e que todos os alunos do Brasil também querem.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Expressões latinas mais comuns:

 

Ab hoc: “Para isso” ou “Para esse fim”; (designado) para executar determinada tarefa: “uma comissão ad hoc”. 

Ab ovo: “Desde o ovo”, “Desde o princípio”. 

Ad libitum: “À vontade” ou “A seu bel-prazer”. 

Ad Valorem: “Conforme o valor”. Diz-se da tributação de uma mercadoria pelo valor (e não pelo peso ou volume). 

Cogito, ergo sum: “Penso, logo existo”. Tradução latina de Je pense, donc je sui, afirmação de René Descartes... 

Data venia: “Concedida a vênia”; “Com a devida vênia”. Fórmula de cortesia com que se começa uma argumentação para discordar do interlocutor. 

Dominus vobiscum: “Deus esteja convosco”. 

Ecce homo: “Eis o homem”. 

Et cetera: “E as demais coisas”. 

Fac símile: “Faze igual”. Aportuguesado em “fac-símile”, indica reprodução fotográfica de texto manuscrito, mecanografado ou impresso. 

Habeas corpus: “Que tenhas o teu corpo”. A expressão completa é habeas corpus ad subjiciendum. 

Honoris causa: “Para a honra”. Diz-se de título conferido sem exame, à guisa de homenagem: doutor honoris causa. 

In dubio pro reo: “Na dúvida, pelo réu”. 

In extenso: “Na íntegra”. 

I.N.R.I.: abreviatura de Jesus Nazarenus Rex Judaeorum, “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”. (Note-se que antigamente o som de j transcrevia-se por i.) 

Latu sensu: “Em sentido amplo”. 

Mutatis mutantis: “Mudado o que deve ser mudado”. 

Ora pro nobis: “Reza por nós”. 

Pari passu: “A passo igual": acompanhando lado a lado”; a par; a par e par; par e par. 

Quid pro quo: “Uma coisa pela outra”, “confusão”. Aportuguesado em quiproquó. 

Res, non verba: “Fatos, não palavras”. Emprega-se para dizer que uma situação exige ação, atos e não palavras. 

Sapienti sat!: “Ao sábio, basta!”, isto é, “A bom entendedor meia palavra basta”. 

Sic: “Assim”. 

Vade Mecum: “Vem comigo”. Existe a forma aportuguesada vade-mécum.

As frases dos súditos do Rei Pelé

 Edson Arantes do Nascimento 

(1940-2020)


Pelé por J.Bosco

Pelé é um condenado à glória. – Guilherme de Almeida, poeta

O maior futebolista do mundo. – Menotti Del Picchia, escritor 

Pelé certamente teria nascido bola; se não tivesse nascido gente. – Armando Nogueira, jornalista 

Dividi meu pai com o mundo. Ele não é só meu. – Edinho, filho de Pelé 

Marcar 1.000 gols como Pelé não é difícil. Marcar 1 gol como Pelé é muito difícil. – Carlos Drummond de Andrade, poeta 

Maradona só seria um novo Pelé se ganhasse três copas e marcasse mais de mil gols. – César Luís Menotti, técnico argentino 

Somos os maiores de todos os tempos. – Munhammad Ali, boxeador

Como se soletra Pelé? D-E-U-S. – The Sunday Times – Jornal Londrino

Após o quinto gol, eu queria era aplaudi-lo – Sigge Parling, zagueiro sueco 

Eu pensei: “Ele é feito de carne e osso, como eu. Eu me enganei.” – Burgnich, zagueiro italiano 

Cara, como você é popular! – Robert Redford, ator americano

Lá vai Pelé com a bola que Deus lhe deu. – Armando Nogueira 

Pelé é um dos poucos craques que contrariaram minha tese. Em vez de 15 minutos de fama, terá 15 séculos. – Andy Warhol, artista visual 

Na cabeça de muito jogador não passa nada no momento de fazer uma jogada. Na cabeça de Pelé passa uma longa-metragem – Nílton Santos, jogador do Botafogo 

O maior gol da minha vida eu marquei em tabelinha com Celeste: ele se chama Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. – Dondinho, pai de Pelé 

Dico é um filho exemplar, Pelé é uma dádiva de Deus. – Dona Celeste, mãe e Pelé 

Pelé é a figura suprema do futebol. Como Garbo e Picasso, basta-lhe um só nome – Daily Express – jornal londrino 

Pelé entrava em campo com corpo, genialidade, alma e coração. – Gilmar dos Santos Neves, goleiro da seleção brasileira 

Pelé nunca será superado, porque é impossível algo melhor que a perfeição. Ele teve tudo: físico, habilidade, controle de bola, velocidade, poder, espírito, inteligência, instinto e sagacidade. – Jornal Sunday Mirror de Londrino 

Pelé não é um rei por hereditariedade. Seu reinado não é de força nem de leis. Não foi eleito nem designado, mas reconhecido como Monarca dessa democracia ideal e universal que constitui o futebol. – France Football 

Pelé, jogai por nós – Manchete no dia final da Copa de 1970

Garoto, você vai entrar. – Mário Américo, massagista da seleção brasileira, em 1958

Segundo Pelé, essa é a frase que mais o emocionou em toda a sua carreira. Qual a diferença entre mim e Pelé? É simples. Eu fui craque e ele, gênio – Leônidas da Silva 

Como marcar um jogador imarcável. – Brito zagueiro da Seleção 

Os anjos que sobrevoavam este campo me juram que tu vieste ao mundo para reescrever a bíblia do futebol. Assim seja. – Armando Nogueira 

O Pelé se transformou em uma instituição. Até os torcedores que não o viram jogar sentem de alguma forma que ele faz parte de suas vidas. Pelé fez a transição do superstar para a figura mítica. – Henry Kissinger, político norte-americano 

No momento que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia. – Pier Paolo Pasolini, cineasta italiano 

Até a bola do jogo pedia autógrafo a Pelé. – Armando Nogueira 

Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica. – Johan Cruyff, jogador holandês

O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo. – Ferenc Puskas, jogador húngaro 

Jogava com grande objetividade. Seu futebol não admitia excessos, enfeites, nem faltas. Ele quase não fazia embaixadas, não driblava para os lados, mas sempre em direção ao gol. Quando tentavam derrubá-lo, não caía, devido à sua estupenda massa muscular e equilíbrio. – Tostão, jogador do Cruzeiro e da seleção 

Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se estíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. – Nélson Rodrigues, teatrólogo 

Senti medo, um terrível medo quando vi aqueles olhos pareciam olhos de um animal selvagem, olhos que soltavam fogo. – Overath, futebolista alemão 

Em alguns países as pessoas queriam tocá-lo, em outros queriam beijá-lo. Em outros até beijaram o chão que ele pisava. Eu achava tudo isso maravilhoso, simplesmente maravilhoso. – Clodoaldo, jogador do Santos

Cheguei com a esperança de parar um grande jogador, mas fui embora convencido de que havia sido atropelado por alguém que não nasceu no mesmo planeta que nós. – Costa Pereira, goleiro da seleção portuguesa

Quando vi o Pelé jogar, fiquei com a sensação de que eu deveria pendurar as chuteiras. – Just Fontaine, jogador da seleção francesa 

O Pelé estava muito determinado a levantar a taça Jules Rimet pela terceira vez. Era como se ele soubesse que esse era o destino. Ele parecia uma criança esperando pelo natal. – Mário Américo, massagista da seleção 

Você pode estar certo, mas não sabe nada de futebol e eu vi o Pelé jogando, – Vicente Feola, técnico da seleção brasileira de 1958 

O grande segredo dele era o improviso, aquelas coisas que ele fazia do nada. Ele tinha uma percepção extraordinário do futebol. – Carlos Alberto Torres, jogador da seleção brasileira 

Às vezes fico com a sensação de que o futebol foi inventado para esse jogador fantástico. – Sir Bobby Charlton, jogador da seleção inglesa 

Pelé jogou futebol por 22 anos e, durante aquele tempo, fez mais para promover a amizade e a fraternidade mundial do que qualquer outro embaixador. – J. B. Pinheiro 

Pelé com ou sem trocadilho, carrega 10 às costas. – Armando Nogueira

Força e beleza. Rapidez e precisão. A elasticidade e a firmeza no gesto que poderia ser de bailarino. – Oldemário Touguinhó, radialista 

Pelé elevou o futebol a um nível nunca antes visto na América. – Jimmy Carter, político norte-americano

Comparar o Pelé com qualquer jogador é impossível. – Rivelino

Pelé foi um jogador excepcional, estupendo. – Zico 

Dentro de campo, Pelé foi um gênio, o maior que conheci. Fora do campo, é um homem comum. – João Saldanha, jornalista 

Quando o Pelé chegou no Santos, falaram que seria o melhor jogador do Brasil. Erraram, foi do mundo. – José Macia, o Pepe 

(Do blog do Santos Futebol Clube)

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Como praticar esportes

 

Paraquedismo

Para praticar o paraquedismo, a pessoa tem que ter muita queda. É o esporte preferido dos bebuns, porque para praticar com segurança, o sujeito tem que estar bem alto. 

Tênis

O sucesso do tênis está nas bolas. Se, antes de sacar, você enfiar a mão no bolso e ficar mexendo carinhosamente nas bolinhas do saque, vai sentir o seu tênis crescendo cada vez mais. 

Boxe

Se você é uma pessoa traumatizada com problemas de segurança, não deve praticar boxe, porque é um esporte que tem um assalto atrás do outro. 

Sinuca

A sinuca só é bem jogada se tivermos um parceiro, mas não tem nada a ver com sexo. Aliás, é exatamente o contrário. Quando você joga, as bolas é que entram na caçapa e o taco fica do lado de fora. 

Basquete

Jogadores de basquetes que têm problemas com o alcoolismo, precisam tomar muito cuidado quando entrarem no garrafão. 

Xadrez

Xadrez é uma coisa que prende a gente, mas exige muito cuidado porque, se você pensa que tem o rei na barriga, pode cair do cavalo e aí, não adianta se queixar para o bispo. 


quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Na simplicidade está o melhor...

 

Na rua principal de certa cidadezinha do interior gaúcho, havia quatro padarias. 

A primeira exibia o seguinte letreiro: 

“O melhor pão da cidade”. 

O da segunda se vangloriava: 

“O melhor pão do país”. 

O da terceira padaria chegava a ponto de alardear: 

“O melhor pão do mundo!”. 

Mas o letreiro da quarta padaria dizia simplesmente: 

“O melhor pão desta rua...”. 

Se eu soubesse

Carpinejar 

Se eu soubesse quando era criança, quando era adolescente, o que eu tinha. 

Mas, naquela época, eu só queria crescer, só queria ser independente, só queria a porta fechada do quarto sem ser incomodado. 

De tanto olhar para frente, eu não via o que estava ao meu lado. Permanecia sem noção do que acontecia, da raridade daquele momento. 

Eu vivia o auge da família. Todos estavam presentes, todos estavam vivos, todos estavam em casa. Nunca mais seria assim. Nunca mais teria os irmãos disponíveis no mesmo espaço, nunca mais teria os pais acessíveis, nunca mais teria a facilidade de reunir a turma inteira ao redor da mesa. Nunca mais contaria com os avós conosco. 

Não havia ainda morte, doença, divórcio, crise, dívidas, medos, adeus, silêncio pesado, cadeiras vagas. 

Eu jurava que nada mudaria, que os laços se manteriam constantes e inabaláveis, que o sofá continuaria cheio e disputado na frente da televisão. 

Como os domingos se mostravam parecidos, não achei que fossem acabar. Sempre existia churrascos com o povo dançando, rindo das implicâncias de geração. 

Acreditei que não precisava me preocupar com a minha presença. Não faltariam novas chances. 

Confiei na fartura e agora me prendo à nostalgia. 

Se eu soubesse o que sei ‒ que aquele período era uma exceção, não uma regra ‒, não me apresentaria emburrado, alheado, distraído. Eu me demoraria nas cenas, eu prestaria muito mais atenção nas conversas, eu gravaria detalhes das feições a minha volta, eu não me economizaria: estaria imerso e inteiro nas palavras ditas, ouvidas, armazenando saudade para os dias solitários do futuro. 

E pensar que o que mais desejava era comer rapidamente e me despedir, sair correndo em direção aos amigos da minha idade. 

‒ Já vai embora? Já acabou de comer? ‒ minha mãe perguntava. Nem respondia, ocupado com os meus sonhos. Levantava-me com pressa de ser feliz, e não percebia que esnobava a felicidade que não se repetiria depois. 

Como gostaria de hoje recuar e voltar pacificado para o almoço, prolongando um pouquinho mais a duração dos encontros na minha memória. Família representava caretice, obrigação, formalidade, normalidade imposta. 

Como eu me encontrava equivocado. Como eu me encontrava desinformado do destino. 

Os irmãos começariam a desocupar os dormitórios, a ir para longe, a espaçar as visitas, a devotar seu tempo integralmente ao trabalho, a equilibrar romance com carreira, a se atolar de preocupações, a cuidar da sua autonomia, a formar a sua própria família. 

Os avós morreriam, os pais envelheceriam, cada um se esconderia no seu canto. Jamais recuperaríamos a presença de todos, com os cotovelos próximos, apertando-se para caber na mesa, com a simplicidade bonita de olhar o passarinho para a fotografia. 

O ninho ficou vazio, os passarinhos voaram. 

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Crônica da Fabrício Carpinejar, no jornal Zero Hora, em 22.11.2023.