segunda-feira, 29 de abril de 2024

O grande Paulo Vanzolini

 Tom Cardoso*

Não cantava, não tinha ritmo, não sabia a diferença entre tom menor e tom maior, não tocava pandeiro, muito menos tamborim, nunca usava a palavra “malandro” em suas canções, era formado em Harvard (em zoologia!) e, mesmo assim, é considerado um dos maiores compositores de samba de São Paulo. 

Nem ele sabia explicar a razão do fenômeno, mas suspeito que o distanciamento, o descompromisso com os clichês do gênero, é que o faziam ser tão original, além, claro, da notável capacidade de narrar o cotidiano urbano da São Paulo dos anos 1940 e 1950. 

Entrevistei Vanzolini três vezes. Todas no mesmo lugar: num porão no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Sempre imundo, cheirando a éter. O Hemingway do Ipiranga. 

O mau humor era o seu maior charme. E a autoderrisão (a capacidade de rir de si mesmo, como forma de se pôr no lugar do outro e de resistir a uma identidade petrificada). Achava “Ronda”, a sua música mais conhecida, uma grande porcaria. “Como é que pode uma música que fala de uma mulher ciumenta que procura o amante para matá-lo num boteco fedorento pode ser considerada um hino de São Paulo?” 

É um hino justamente por isso. Não fode, Vanzolini. 

(Do blog El Cocinero Loko) 

Paulo Emílio Vanzolini (São Paulo, 25 de abril de 1924 ‒ São Paulo, 28 de abril de 2013) foi um zoólogo e compositor brasileiro, autor de famosas canções como “Ronda”, “Volta por cima” e “Na Boca da Noite”. 

Nos últimos anos de vida, casado com a cantora Ana Bernardo, já não compunha, mas ainda acompanhava os shows da mulher e frequentava algumas rodas de samba em bares de São Paulo. No dia 25 de abril de 2013, ao completar 89 anos, foi internado no Hospital Albert Einstein por pneumonia. Faleceu três dias depois. 

* Tom Cardoso (26 de dezembro de 1972) é um jornalista, escritor e crítico musical brasileiro. Começou sua carreira em 1994, no Jornal da Tarde. Três anos depois, foi para o Caderno 2 de O Estado de S. Paulo, onde ficou até 1998. Neste mesmo ano, concluiu a graduação em Jornalismo nas Faculdades Integradas Alcântara Machado. 

Ronda 

Paulo Vanzolini 

De noite eu rondo a cidade

A te procurar sem encontrar.

No meio de olhares espio,

Em todos os bares,

Você não está...

Volto pra casa abatida,

Desencantada da vida,

O sonho alegria me dá,

Nele você está.

Ah, se eu tivesse

Quem bem me quisesse,

Esse alguém me diria:

“Desiste, esta busca é inútil”.

Eu não desistia,

Porém, com perfeita paciência,

Volto a te buscar.

Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres,

Rolando um dadinho,

Jogando bilhar.

E neste dia, então,

Vai dar na primeira edição:

“Cena de sangue num bar

Da Avenida São João!”

domingo, 28 de abril de 2024

Você entendeu a mensagem?

 Anúncio:

“Oi, meu nome é Paulo. Estou vendendo bolo de chocolate, hoje, somente das 14 horas às 17 horas, na entrada da faculdade. Informo que cada fatia custa cinco reais, os interessados podem entrar em contacto comigo pelo celular 99999898”. 

Os interessados sempre perguntam: 

‒ Como é mesmo o teu nome? 

‒ Qual é o horário da venda dos bolos? 

‒ O bolo é de que mesmo? 

‒ Em que lugar posso comprar o bolo? 

‒ Posso comprar às 18 horas? 

‒ Como faço para entrar em contacto contigo?

Fé no Funk

 

O que o funk tem a ver com a fé brasileira? O gênero musical começa a se delinear na década de 1960 nos Estados Unidos, a partir de músicos negros dispostos a cruzar a referência do soul, do jazz e do rhythm and blues. De forma resumida, o funk se caracteriza pelo ritmo de batidas repetitivas sincopado, de caráter altamente percussivo e dançante. 

O Rio de Janeiro criou um funk próprio, carioca, distinto daquele que veio se estruturando nos Estados Unidos, ainda que beba na fonte dele. Misturando um caldeirão sonoro de referências da black music, com letras que tematizam os diversos aspectos do cotidiano nas favelas e periferias cariocas, o funk do Rio tem também, em suas vertentes, influências de batuques oriundos das rodas de samba e dos atabaques sagrados das umbandas e candomblés. 

Ouvidos mais atentos podem perceber que o alujá de Xangô, ritmo rápido e contínuo tocado para o orixá do fogo, e o toque de congo, característico das casas de candomblé de Angola e da umbanda, estão potencialmente diluídos no caldeirão sonoro do tamborzão funkeiro, misturados às batidas repetitivas do rap, do freestyle e dos miamibass dos sons negros norte-americanos. É como se a memória sonora da cidade, profundamente marcada pelos sons saídos da África e aqui redefinidos, gritasse a ancestralidade nos bailes que balançam o Rio de Janeiro e os corpos cariocas. 

Curiosidade 

Na primeira década do século XXI, o passinho passou a se popularizar como uma nova maneira de se dançar o funk carioca. Concursos entre dançarinos, as batalhas do passinho passaram a mobilizar comunidades em torno de seus dançarinos e dançarinas. No Carnaval carioca de 1997, a Unidos do Viradouro, apresentando o enredo “Trevas, luz: a explosão do universo”, trouxe como grande novidade uma batida de funk no refrão do samba-enredo, realizada pelos ritmistas da bateria do mestre Jorjão. A agremiação foi a grande vitoriosa do carnaval daquele ano. 

(Do livro “Almanaque Brasilidades”, de Luiz Antonio Simas)

O organograma da orquestra

 Da OSPA* de Porto Alegre, RS.

Número de músicos 

104 músicos selecionados por concurso público. Primeiro violino, segundo violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, flautim, oboé, corne-inglês, clarinete, clarone, fagote e contrafagote, trompa, trompete, trombone, trombone baixo, tuba, tímpano, percussão e piano. 

Maestro 

Os cargos de maestro e diretor artístico da Ospa podem ou não ser assumido pela mesma pessoa. Atualmente, Evandro Matté desempenha ambas as funções. Para os dois cargos, é preciso ter formação em Música. Na Ospa, os cargos de maestro e diretor artístico são definidos pelo governo do Estado, mais especificamente pela Secretaria da Cultura. Sendo cargo de confiança, o tempo de ocupação é dado pelo governo. 

Spalla 

Os spallas são violinistas que têm as funções de liderar o grupo de músicos da orquestra, organizar as arcadas da família das cordas e contribuir com o maestro na organização dos ensaios. As orquestras têm dois spallas, que se revezam na programação. Na Ospa, eles são Emerson Kretschmer e Omar Aguirre. 

Naipe de madeiras 

Posiciona-se no centro da orquestra. O naipe das madeiras inclui flautas, flautim, oboés, corne-inglês, fagote, contrafagote, clarinetes e clarone. 

Naipe de cordas 

Posiciona-se na frente da orquestra. O naipe de cordas é composto por violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, piano e harpa. Os violinos são divididos em primeiros e segundos. 

Naipe de metais 

Posiciona-se no fundo da orquestra. O naipe dos metais é formado por instrumentos de sopro, como trompa, trompete, trombone e tuba. 

Naipe de percussão 

Posiciona-se no fundo da orquestra, geralmente em uma plataforma. Alguns dos principais instrumentos do naipe de percussão são tímpanos, marimba, xilofone, glockenspiel, bumbo (ou bombo sinfônico), caixa, vibrafone, pratos, triângulo, pandeiro sinfônico, carrilhão e caixa clara. 

Instrumentos extras 

Além dos tradicionais instrumentos, o programa de cada concerto determina a necessidade de incluir outros instrumentos que podem ser tocados por músicos da Ospa ou músicos externos (ou extras). Alguns dos instrumentos mais comuns são: saxofone, celesta, eufônio e órgão. Concertos com repertório popular seguidamente contam com instrumentos como violão, guitarra, baixo elétrico, bateria etc. 

Coro sinfônico 

O coro sinfônico da Ospa foi fundado em 1969. As apresentações ocorrem em concertos com a orquestra, na Casa da Ospa, nas óperas que a Ospa realiza no Theatro São Pedro e também de forma independente. Todos os 86 integrantes do coro são voluntários. Anualmente, há processo seletivo para novos integrantes. 

Maestro do coro sinfônico 

O cargo é selecionado por meio de concurso público. Não é necessário ser cantor. Atualmente, o cargo é ocupado pelo maestro Manfredo Schimiedt. 


* OSPA: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. 

Matéria do caderno doc, do jornal Zero Hora, abril de 2024

sábado, 27 de abril de 2024

Chico Buarque fala sobre seu pai

 

Sérgio Buarque de Holanda e Chico Buarque 

“A partir da adolescência eu comecei a entrar no escritório dele, e a minha entrada foi pela porta da literatura. Ele não impunha nada, isso nunca. Mas a presença dele, daqueles livros todos, de certa forma despertavam curiosidade na gente. A maneira de eu me aproximar mais dele talvez tenha sido através da literatura. Então, já com meus 17 anos, não sei bem quando eu comecei a ler mais... Eu ia lá e perguntava. E ele me indicava isso, aquilo... A gente conversava, mas engraçado, nunca sobre História, que era a especialidade dele. E quando a gente perguntava alguma coisa sobre história era em função de trabalhos de escola. Mas ele era um péssimo professor pra gente, porque a gente precisava saber aquela coisa que se dava na escola. Ele entrava nos detalhes e se empolgava, entrava a fundo na matéria, de uma forma que pra gente não servia. Agora, na literatura, ele também sabia tudo e, comigo, o diálogo foi conquistante a partir desse momento. Eu comecei a me interessar. E me perguntei: eu estava mesmo interessado na literatura, ou interessado, através da literatura, em me afirmar diante do meu pai. Mas na literatura, você solicitando, ele foi um professor.” 

“Chico Buarque fala sobre seu pai”, matéria publicada na Folha da Manhã, domingo, 5 de julho de 1992. 

Sérgio Buarque de Holanda foi um historiador, sociólogo e escritor brasileiro. Foi também crítico literário, jornalista e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.  

Nascimento: 11 de julho de 1902, São Paulo, São Paulo.

Falecimento: 24 de abril de 1982, São Paulo, São Paulo.

Filhos: Chico Buarque, Miúcha, Álvaro Buarque, Maria do Carmo Buarque, Ana de Holanda, Cristina Buarque, Sérgio Buarque.

Netos: Bebel Gilberto, Helena Buarque, Luísa Buarque,

 


sexta-feira, 26 de abril de 2024

O fim de todo fascista

 A morte de Benito Mussolini

O líder italiano Benito Mussolini morreu no dia 28 de abril de 1945 quando tentava fugir de Itália. Foi executado por resistentes antifascistas no norte do país e o seu corpo e o da amante, Claretta Petacci, exibidos em público. 

Após a execução, o corpo de Benito Mussolini foi levado até ao centro de Milão onde foi mutilado e pendurado de cabeça para baixo, ficando exposto para que todos o pudessem ver. Ao seu lado estava Claretta Petacci.

Terminava assim a vida do primeiro ditador fascista a assumir o poder num país europeu. Enquanto líder de Itália tentou reencarnar o espírito de Júlio César ressuscitando mesmo alguma da iconografia do período imperial. 

Após conquistas em África sobre exércitos débeis, a situação mudou quando, durante a II Guerra Mundial, enfrentou as forças aliadas. Na Grécia ou no Norte de África foi repetidamente ajudado por Hitler, obrigado a socorrer o seu aliado que se mostrou incapaz de resistir a forças mais modernas e organizadas. 

Os insucessos militares levaram o rei de Itália a afastá-lo do poder e a prendê-lo em 1943. Mais uma vez seria Hitler a socorrê-lo. Forças nazis libertaram-no do cativeiro numa arriscada operação militar que envolveu forças aerotransportadas.

A Itália ficou dividida com o norte controlado pelas forças fascistas –  a República de Saló – e o sul entregue a um governo que se rendeu e se juntou aos aliados. A zona governada por Mussolini dependeu do exército alemão que assegurou a defesa do território. 

Com o país em  turbulência interna e o avanço dos aliados, a situação de Il Duce tornou-se insustentável e, em 1945, tentou escapar para a Suíça. Durante esta fuga foi capturado e morto. 

(Do blog RTP Ensina)

PS: Joel Silveira narra em seu livro de memórias como correspondente brasileiro junto à FEB: “No dia seguinte, 29 de abril de 1945, um domingo, às 9 horas e 30 minutos da manhã, o corpo de Mussolini (juntamente com o de Claretta Petacci, de Pavolini, de Starace, de Bombacci e de Gelormini) era levado para Milão e jogado no chão duro do Piazzale Loreto. Em seguida, atendendo os reclamos da multidão compacta, foram dependurados de cabeça para baixo, para que todos pudessem vê-los, num travessão de um posto de gasolina”.


 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Pequenas histórias para pensar

 Consciência

Narra uma lenda que Artaxerxes, o antigo rei da Pérsia, que conquistou o Egito, mandara ocultar entre as penas de seu travesseiro a fabulosa quantia de 500.000 talentos a fim de assegurar um sono tranqüilo e contínuo. 

O famoso imperador Calígula, além de seu aparatoso corpo de guarda, mantinha duas terríveis panteras às portas de seu palácio para que ninguém se acercasse de seus aposentos enquanto ele dormia. 

Mais estranha ainda era a mania de Artabaxo, general persa, que punha um escudo por cima da cabeça na vã esperança de que assim procedendo evitaria que o teto o esmagasse, vindo a desabar durante a noite. 

De quantas preocupações inúteis e ridículas se cercam os tiranos e pecadores! 

O único travesseiro que proporciona ao cristão um sono calmo e perfeito é uma consciência tranquila. 

A verdadeira paz, realmente, não é senão o sossego de uma consciência pura. 

Sê, pois, o senhor de tua vontade e conserva tranquila a tua consciência.  

Verbos e Advérbios 

Gérson, célebre chanceler dos merovíngios, dizia, com muita graça, que “Deus, em nossa vida, olha mais para os advérbios do que para os verbos.” 

Qual a razão de tão curiosa preferência? Com explicá-la do ponto de vista gramatical? 

A resposta é fácil e não oferece a menor dúvida: 

O verbo exprime a ação; o advérbio, o modo com que a fazemos. Deus olha, antes de tudo, o modo e não a ação. 

Quer saber como rezamos, respeitosamente, frequentemente – e não, apenas, se rezamos. Assim em tudo. No trabalho, no amor ao próximo, na fé cristã. Deus aprecia os advérbios que devem nobilitar, engrandecer e exaltar as ações. 

(Do livro “Lendas do Céu e da Terra”, de Malba Tahan)

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Como evitar doenças de outono

 Larissa Roso

(...) 

À medida que o calendário vai passando do verão para o inverno, mudam-se as enfermidades mais frequentes no pronto-atendimentos e nas emergências. Gradualmente, diminuem-se os casos de dengue e gastroenterite típicos do período de calor e começam a ser registrados as ocorrências características do frio, observa a clínica médica Larissa Hermann. As oscilações nos termômetros afetam diretamente quem têm problemas respiratórios. 

‒ Facilita ter exacerbações de doenças como rinite, sinusite, asma e bronquite. O doente pode precisar de ajuste de medicação, idas ao médico e, inclusive, internação hospitalar ‒ afirma Larissa. 

Fumantes estão sob risco ainda maior, alerta Gustavo Chatkin, pneumologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor da Escola de Medicina da mesma instituição. 

(...) 

Conforme esfria, há uma circulação mais intensa dos vírus respiratórios, como gripe e da covid. O vírus sincicial respiratório comum entre bebês e crianças, tem acometido cada vez mais os idosos, segundo Chatkin. 

‒ Tem mais aglomeração em locais fechados, e isso acaba se tornando muito fácil para a disseminação viral ‒ constata o pneumologista. 

(...) 

Alergias 

A umidade é um fator de desestabilizador para o alérgico. O aumento do índice de umidade já faz com que o paciente entre crise, observa Chatkin. Isso significa acordar espirrando e começar a coçar o nariz. O paciente asmático pode começar a tossir mais, ter falta de ar e chiado. 

‒ A umidade aumenta propagação de fungos, e isso, para o alérgico, é muito ruim; A higiene da casa é fundamental. Deve-se tirar mofos e mantê-la sempre limpa ‒ fala Chatkin. 

Previna-se 

► Hidrate-se. Beba água mesmo sem sentir sede. 

► Evite o tabagismo ativo e também o passivo. 

► Vacine-se contra a gripe, a covid e a pneumonia. 

► Siga alimentação balanceada. 

► Mantenha ambientes arejados 

► Limpe tapetes, cortinas e sofás. 

► lave as mãos com frequência. 

► Utilize equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários caso trabalhe em locais poluídos. 

► Tenha álcool gel disponível em casa para os visitantes. 

► Evite locais fechados e com aglomerações. 

► Não se aproxime de pessoas com sintomas gripais. 

► Pratique atividade física regularmente. 

► Proteja a boca e o nariz com o braço ao tossir ou espirrar.


Na saída do cinema

 Lygia Fagundes Telles

Eu fui ao cinema sozinha, como sempre vou, fui ao cinema perto da minha casa, mas a sessão atrasou e acabei vindo muito mais tarde do que eu pensava. E vim meia-noite pela rua da Consolação, que é a rua onde está o edifício onde eu moro, e começaram aquele... Olha o medo, aquele medo físico. Olha o medo: eu posso ser assaltada. Eu me lembro que eu tinha uma bolsinha, minhas bolsas são pequenas, e botei aqui [mostra como colocou a bolsa embaixo do braço]. De repente ouvi uma moto que vinha vindo e que foi travando na sua velocidade. Eu disse: eu estou sendo perseguida. Eu pensei: ai, mas que fim triste, eu aqui com meus pensamentos, que fim triste, levar uma estocada. Eu estava com pouco dinheiro, eu levei o dinheiro apenas para o cinema e estava com a bolsa, nem sei, levei a bolsa, um chiclete, mas estava sem dinheiro. Inclusive eu não podia dar dinheiro, porque estava sem dinheiro, tinha pouquíssimo, e a motocicleta parecia coisa de cinema, fita de terror: aquela motocicleta e eu apressando o passo. Percebi que a motocicleta apressou também. Eu disse: bom, agora é o fim. Quando atravessei a rua Oscar Freire para entrar no quarteirão do prédio onde eu moro, a motocicleta deu uma deslanchada, aí eu corri, corri alucinadamente. É um pedaço curto para chegar no prédio onde eu moro, meia-noite, deserto, ele [o condutor] acelerou junto comigo e quando eu estava subindo a escadaria, achando que ele iria vir por trás para me estocar com a faca, ele gritou: “Lygia Fagundes Telles, eu te amo!”, e foi embora. Eu vi um jovem descabelado, nem usava capacete, eu nunca mais o verei. E aí eu entrei em prantos, entrei em prantos no meu prédio e o porteiro, muito delicado o porteiro da noite: “Aconteceu alguma coisa?” ‒ “Não, não, não aconteceu nada. Eu estou tão feliz”.

Lygia Fagundes da Silva Telles (São Paulo, 19 de abril de 1918 – São Paulo, 3 de abril de 2022), também conhecida como “a dama da literatura brasileira” e “a maior escritora brasileira” enquanto viva, foi uma escritora brasileira, considerada por acadêmicos, críticos e leitores uma das mais importantes e notáveis escritoras brasileiras do século XX e da história da literatura brasileira. 

Além de advogada, romancista e contista, e, Lygia teve grande representação no pós-modernismo, e suas obras retratavam temas clássicos e universais como a morte, o amor, o medo e a loucura, além da fantasia.

terça-feira, 23 de abril de 2024

Reciprocidade

 

Gente, há uns seis meses, meu vizinho pediu a senha da minha Internet. Eu passei a ele e pensei: “Tranquilo, não custa nada, até porque eu me dou bem com ele.” 

Ontem, eu estava chegando em casa, e ele estava no portão. 

Paramos e conversamos um pouco como sempre, quando ele me disse todo feliz que colocou Netflix. Eu então falei brincando: “ando trabalhando bastante, mal tenho tempo de ver TV, mas legal, depois me empresta a senha, para eu ver umas séries”. 

Então, a esposa dele, que estava sentada na varanda, disse: “Não tem como, porque sou eu quem paga e não é para sair distribuindo por aí não.” 

Reinou um silêncio total... 

Ele, sem graça, pediu desculpas, e eu disse para deixar para lá. Seguimos falando de outros assuntos. E eu entrei na minha casa. 

Logo depois, a esposa do meu vizinho saiu chamando por ele, parecia nervosa, dizendo que o computador não estava funcionando direito. Ele entrou, e eu fiquei ali olhando da janela da minha casa. 

Depois de alguns minutos, ele e a esposa saíram e vieram me chamar, disseram que a  Internet não estava funcionando, que a senha não entrava... 

Virei para eles e disse: “Eu troquei a senha, pois sou eu que pago e não é para sair distribuindo por aí”. A esposa ficou vermelha e tentou argumentar, eu logo disse: “Senhora, vamos fazer assim, eu fico com minha Internet e vocês com a sua Netflix e tudo fica numa boa e ninguém se aborrece.” 

Eles entraram de cara feia, bateram o portão e nunca mais falaram comigo!

A história não é minha, mas é para refletir! 

► Amizade tem que ser recíproca.

► Amor tem que ser recíproco.

► Afeto tem que ser recíproco,

► Favores têm que ser recíprocos.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Vale do Paraíba

Na prova final (2003) do Colégio Objetivo, um aluno do último ano teve uma brilhante resposta para seguinte questão:

Faça uma análise sobre a importância do Vale do Paraíba?

“O Vale do Paraíba é de suma importância, pois não podemos discriminar esses importantes cidadãos. Já que existem o vale-transporte e o vale do idoso, por que não existir também o Vale do Paraíba?! Além disso, sabemos que os paraíbas, de um modo geral, trabalham em obras ou portarias de edifícios e ganham pouco. Então, o dinheiro que entra no meio do mês ‒ que é o vale ‒ é muito importante para ele equilibrar sua economia familiar.” 

******* 

PS: O Vale do Paraíba é um acidente geográfico natural que abrange as regiões: Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, no estado de São Paulo e Região Sul Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, que se destaca por concentrar uma parcela considerável do PIB do Brasil. Wikipédia. 

Como disfarçar a solidão no recreio

 Por Claudia Nina

Ninguém nunca imaginaria o quanto ela se sentia sozinha naquele pátio gigante. Nem o quanto era difícil fazer amizade com quem morava antes do túnel e tinha outros assuntos. O que tinha para contar não parecia interessante, porque nunca estava em grupo, especialmente quando estiver em grupo era crucial: na hora do recreio. Espalhava-se pelo pátio de cabeça baixa para nenhum olhar perceber que ela estava deslocada do bando, como um pássaro que machuca a asa. 

Se isso acontecia, de crisparem os olhares, ela tremia de medo, pois logo o abandono seria descoberto. Ela queria passar a imagem de que estava muito bem sozinha, era uma escolha. 

Até que, de tanto andar de cabeça baixa, ganhou uma dor no pescoço que virou crônica. Então percebeu que não poderia mais andar de olho nas minhocas e era tempo de inventar outra estratégia. Teve uma ideia. 

Como a fila da cantina era sempre grande, decidiu que todos os dias ficaria ali, cravada até que o tão esperado sinal tocasse e ela não precisaria mais disfarçar a solidão. Todo o dia o lanche era o mesmo porque a cantina da escola era cara: pão quente (com manteiga derretida) e água. Ela adorava aquele pão. 

Se por acaso a fila andasse rápido, fingia que não tinha decidido ainda o que ia querer, e isso aumentava alguns décimos de segundo o tempo da compra. O tempo restante ela comia em pé mesmo, andando de volta para a sala. Se ela se sentasse em um banco para comer sozinha no recreio, aí estaria para sempre marcada como “a garota esquisita sozinha no recreio”. 

Um dia foi um pouco diferente. 

Quando estava no caminho de volta para a sala, uma garota que morava antes do túnel e era daquelas cheias de amigas falantes e sorridentes, chegou perto dela e disse: 

– Você fica muito bem de cabelo preso. Aparece mais seu rosto, que é lindo. 

Disse isso e foi embora, juntou-se ao grupo falante e sorridente. 

O que a garota não sabia era que aquele elogio tinha sido o ponto de uma curva para cima. Ela não tinha um grupo e provavelmente continuaria por um bom tempo disfarçando a solidão no recreio. Mas aprendeu que ficava bem de cabelo preso, com o penteado que tinha feito em casa. Isso não era pouco. 

(Publicado na Seleções, em 23.05.2021)


Pão com manteiga

 

Conta a história de um casal que tomava café da manhã no dia de suas bodas de prata. A mulher passou a manteiga na casca do pão e o entregou para o marido, ficando com o miolo. 

Ela pensou: “Sempre quis comer a melhor parte do pão, mas amo demais o meu marido e, por 25 anos, sempre lhe dei o miolo. Mas hoje quis satisfazer meu desejo. Acho justo que eu coma o miolo pelo menos uma vez na vida.” 

Para sua surpresa, o rosto do marido abriu-se num sorriso sem fim e ele lhe disse: “Muito obrigado por este presente, meu amor... Durante 25 anos, sempre desejei comer a casca do pão, mas como você sempre gostou tanto dela, jamais ousei pedir!” 

Moral da história: 

1. Você precisa dizer claramente o que deseja, não espere que o outro adivinhe... 

2. Você pode pensar que está fazendo o melhor para o outro, mas o outro pode estar esperando outra coisa de você... 

3. Deixe-o falar, peça-o para falar e quando não entender, não traduza sozinho. Peça que ele se explique melhor. 

4. Esse texto pode ser aplicado não só para relacionamento entre casais, mas também para pais/filhos, amigos e mesmo no trabalho. 

PS: Tão simples como um pão com manteiga! 

Autor desconhecido

domingo, 21 de abril de 2024

Ela não trabalha, é dona de casa.

 

Conversa entre um marido (M) e um psicólogo (P)... 

P: O que faz para ganhar a vida, senhor Rogers?

M: Trabalho num banco. 

P: E sua esposa?

M: Ela não trabalha, é dona de casa. 

P: Quem faz o café da manhã para sua família?

M: A minha esposa, porque ela não trabalha. 

P: A que horas acorda a sua mulher?

M: Ela acorda bem cedo, pois precisa se organizar. Faz o almoço para as crianças, se assegura que estejam bem vestidos e penteados, que escovaram os dentes, quando o bebê acorda, ela troca as fraldas e roupas, o amamenta e prepara todas as refeições. 

P: Como é que os seus filhos vão para a escola?

M: Minha esposa os leva, porque ela não trabalha. 

P: Depois de levar os seus filhos para a escola, o que é que ela faz?

M: Geralmente, ela demora, porque aproveita para pagar as contas ou ir ao supermercado. Às vezes se esquece de algo e tem que sair de novo. Em casa tem de alimentar o bebê e novamente, trocar a fralda e deitá-lo a dormir, arrumar a cozinha e depois vai lavar a roupa e limpar a casa, porque ela não trabalha. 

P: À noite, depois de voltar para casa do escritório, o que faz o senhor?

M: Descanso, é claro. Bem, estou cansado depois de trabalhar o dia todo no banco. 

P: O que a sua esposa faz à noite?

M: Prepara o jantar, cuida dos meus filhos e de mim, lava a louça, arruma mais uma vez a casa, cuida do cachorro, depois ajuda as crianças com suas tarefas, os prepara para dormir e se preocupa que o bebê esteja com suas fraldas limpas, dá o leite quente, verifica se escovaram os dentes. Uma vez na cama, acorda com frequência para continuar a amamentar e possivelmente trocar a fralda se necessário enquanto descansamos. Ela não tem que se levantar para ir trabalhar. 

Esta é a rotina diária de muitas mulheres em todo o mundo, começa pela manhã e continua até altas horas da noite... isso é chamado de “não trabalhar?” Uma dona de casa não tem diplomas, mas tem um papel fundamental na vida familiar. Aproveita e agradece à tua esposa, mãe, avó, tia, irmã, filha... Porque o seu sacrifício não tem preço. 

Questionada a mulher respondeu: 

Trabalho em casa as 24 horas do dia... Sou mulher, mãe, filha, sou o despertador, a cozinheira, a empregada doméstica, a professora, a ama, a enfermeira, motorista, agente de segurança, consultora... 

Não tenho férias, não tiro licença por doença, não tenho dia de folga trabalho dia e noite, estou de plantão o tempo todo, não recebo salário e... Ainda assim, muitas vezes ouço a frase: ‒ Mas o que você faz o dia todo? 

******* 

Dedicado a todas as mulheres que dão suas vidas pelo bem estar de suas famílias. 

A mulher é como o sal: sua presença nunca é lembrado, mas sua ausência faz com que tudo saia sem sabor. 

Autora: Ryshell Castleberry 


Por que gritar?

 

Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta a seus discípulos: 

‒ Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas? 

‒ Gritamos porque perdemos a calma. Disse um deles. 

‒ Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado? 

Questionou novamente o pensador. 

‒ Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça, retrucou outro discípulo. 

E o mestre volta a perguntar: 

‒ Então não é possível falar-lhe em voz baixa? 

Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador. Então ele esclareceu: 

‒ Vocês sabem por que se grita com uma pessoa quando se está aborrecido?

O fato é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância. Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê? Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram. E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem.  É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas. 

Por fim, o pensador conclui, dizendo: 

‒ Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.

(Autor desconhecido)

sábado, 20 de abril de 2024

A Escola é...

 Rosanita Moschini Vargas*

Escola é lugar de encontro, acolhimento, escuta e vínculo. E por ser assim, exige adaptação e, portanto, tempo. 

Esse tempo é especial para cada etapa, desde as crianças bem pequenas até os jovens necessitam de um olhar e uma escuta acolhedora. São muitos os sentimentos que estão envolvidos, como o medo, a insegurança e a alegria no primeiro dia na Educação Infantil. Como no “primeiro dia no primeiro ano”, a nova etapa dos anos finais e suas mudanças e novas responsabilidades, como também o ingresso no Ensino Médio e as escolhas que surgem e suas exigências. Períodos que são marcos na trajetória escolar e na vida. 

Com as crianças pequenas é um tempo que se caracteriza como muito desafiador! A criança está aprendendo a reconhecer a escola como um ambiente familiar e depende muito do encorajamento do adulto para se sentir acolhida e segura. Portanto, abrir espaço de escuta para que ela possa se expressar e reconhecer seus sentimentos é fundamental. Paciência e afeto não podem ser economizados. 

Já as crianças maiores, por corresponderem a rotina e o funcionamento da escola, é comum desejarem interagir com outras crianças e se interessarem pelas novidades. No entanto, estar atento ao comportamento delas é importante, caso alguma insegurança se manifeste. 

Com os demais estudantes, não é diferente! Sempre vale lembrá-los do quanto são capazes de enfrentar e superar novos desafios, encorajando-os e valorizando suas escolhas e avanços. 

Ainda assim, todo início de ano letivo é exigente, pois requer planejamento, disponibilidade, rotina, retomadas e novas combinações, disciplina, recursos internos. A parceria, a comunicação e a interação entre família e escola farão toda a diferença por favorecerem a prevenção e/ou resolução de possíveis dificuldades que surgirem no percurso. 

A adaptação escolar necessita de coragem! É necessário compreender que ela é processual e vincular. Exige tempo, afeto e confiança. 

A escola é lugar de fazer amigos, aprender a colaborar, a conviver, a partilhar vivências, a tornar o mundo melhor. Nela também podemos construir pontes e cultivar lindas memórias. 

*Professora, psicopedagoga, orientadora educacional. 

(Do jornal Zero Hora, abril de 2024)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Você não está sozinho no mundo

 Carpinejar

Uma cena comum nos estacionamentos de shoppings é carrinho de supermercado atravessado na frente de veículos estacionados. 

O cliente colocou suas compras no porta-malas e apenas empurrou o carrinho para o lado, tirando-o da frente de sua ré, sem se importar em bloquear a passagem de seu vizinho de vaga. 

É uma pessoa muito mal-educada, dotada de uma preguiça grosseira. Transferiu a sua responsabilidade para um terceiro, obrigando quem sairá depois a deslocar o carrinho para o setor certo. 

O que custava encaminhar o carrinho vazio para o corredor central do estacionamento? Três minutos? Quatro minutos? O que vai interferir na sua hora de ir embora? 

Admitimos engarrafamentos, admitamos filas, mas não aceitamos o intervalo da cordialidade. 

Temos uma dificuldade de praticar a empatia nos mínimos gestos, no básico da cidadania, naquilo que nem deveria ser mencionado ou alertado de tão óbvio que é. 

Educação é respeitar o espaço do próximo. É não querer ocupar todo o espaço. É perceber que você não está sozinho no mundo. 

Alguém terá que colocar no lixo o papel que você joga no chão, alguém terá que mover o carrinho que você abandona ao léu na área de manobra. 

Para economizar o seu tempo, você rouba o tempo do outro, omitindo-se de sua função social, sobrecarregando um desconhecido com as suas tarefas. 

Trata-se de uma lição que carregamos desde a época da escola. Lembro que, na aula de artes, tão importante quanto pintar era limpar a bagunça ao final do período. 

O que você faz você desfaz. O que você tira do lugar você guarda. 

Representa o princípio da coexistência. Liberdade não pode ser confundida com alheamento ou privilégio. 

O egoísmo acaba sendo um atalho da soberba, em decorrência de uma pretensa exclusividade e monopólio das cenas públicas. Por algum desvio psíquico, você jura que possui mais direitos do que deveres. 

Na mesma linha de descuido generalizado, é impressionante o quanto é natural não dar seta no trânsito. A maior parte das colisões surge dessa omissão (não é esquecimento). 

Se a sua carteira de habilitação não foi indevidamente comprada. Você tem consciência de que a seta não é opcional, não é um enfeite, não é uma árvore de Natal no carro, com luzes piscantes: emerge como item obrigatório, um jeito de avisar aos demais do fluxo de suas decisões e rotas. 

Diante do número exorbitante de motoristas que mudam radicalmente de pista, entram abruptamente numa garagem, dobram a rua e não sinalizam, como vamos adivinhar? Existe carro automático, não carro telepata. 

Há ainda os condutores com delay, que ligam a seta após ter feito o desvio. Acham que assim consertam o seu erro, porém acidentes não têm replay. 

Elegância é saber conviver. 

******* 

(Do jornal Zero Hora, abril de 2024) 

PS: Mas isso acontece muito mais em supermercados de todo o país.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Receita da década de noventa,

 Mas que vale até hoje...

Se a boca do mundo

disser que não há saída, 

TENTA! 

Se continuar de pé for difícil,

e não quiseres deitar, 

SENTA! 

Se sentires esgotada

todas as possibilidades reais, 

INVENTA! 

Se a dúvida te algema

e a incerteza te acorrenta, 

ARREBENTA! 

Se tudo te empurrar

para trás e para frente

e não der para correr, 

VAI NA LENTA! 

Se as carpideiras do azar

pintarem de negro o teu destino, 

AFUGENTA! 

Se o desconsolo cantar coro

e te batiza de água benta;

se tudo o que souberes

não bastar outra aprendizagem, 

EXPERIMENTA! 

Se a legião de problemas

marchar contra ti,

desde a década de noventa: 

TENTA! 

INVENTA! 

AFUGENTA! 

ARREBENTA! 

EX-PE-RI-MEN-TA!

quarta-feira, 17 de abril de 2024

O cão mais fiel do mundo

 

Última foto de Hachiko, o fiel cão que esperou por mais de 9 anos fora da estação de Shibuya pelo retorno de seu dono, mesmo após sua morte. 

Em março de 1935, foi capturada esta comovente imagem de Hachiko, o leal Akita Inu japonês, tirada pouco antes de seu falecimento. Esta fotografia representa o desfecho de uma história de devoção e fidelidade que emocionou o mundo. 

Hachiko tornou-se famoso por aguardar pacientemente por seu dono, o professor Hidesaburo Ueno, do lado de fora da estação de trem de Shibuya, em Tóquio, todos os dias, mesmo após a morte de Ueno em 1925. Por quase uma década, Hachiko voltava ao mesmo lugar dia após dia, aguardando o retorno de seu amado dono. 

A história de Hachiko inspirou livros, filmes e monumentos ao redor do mundo, tornando-se um símbolo de lealdade inabalável e amor incondicional. Esta última fotografia captura a serenidade e a dignidade de um cão que nunca perdeu a esperança, mesmo nos momentos finais de sua vida. 

Hoje, a estátua de bronze de Hachiko em frente à estação de Shibuya é um ponto de encontro icônico e um lembrete duradouro do poder do vínculo entre humanos e animais. 

A estátua foi erguida pela primeira vez em 1934, antes de ser reciclada como parte do esforço de desenvolvimento de material bélico durante a Segunda Guerra Mundial ‒ e reerguida em 1948. 

A estátua de Hachiko tornou-se ponto turístico e anualmente é organizada uma celebração fora da estação de Shibuya em memória do animalzinho. O Museu Nacional da Natureza e da Ciência, em Tóquio, conta em seu acervo de exposição com o corpo empalhado de Hachiko.


 

terça-feira, 16 de abril de 2024

O encontro com o amor

 I. Kishor

Faltavam seis minutos para as seis horas no relógio acima do balcão da estação Grand Central de Nova York. O alto e jovem tenente do exército ergueu o rosto queimado pelo sol e apertou os olhos para verificar a hora exata. Seu coração batia tão fortemente que o sobressaltava. Dentro de seis minutos ele veria a mulher que havia ocupado um lugar especial na sua vida durante os passados 13 meses, a mulher que ele nunca vira, mas cujas palavras escritas lhe tinham dado inquebrantável alento. 

O Tenente Blandford lembrava-se, especialmente, dum certo dia, no mais aceso da luta, quando seu avião fora apanhado no meio dum grupo de caças inimigos. 

Em uma de suas cartas, ele havia confessado que muitas vezes sentia medo e, poucos dias antes desse combate, recebera a sua resposta: “É claro que você tem medo... Todos os homens corajosos têm. Na próxima vez em que você duvidar de si mesmo, quero que você ouça a minha voz recitando para você: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo.”... E havia lembrado e esse lembrança renovara a sua força. 

Agora ele ia ouvir a sua voz real. Faltavam quatro minutos para as seis. Uma moça passou rente a ele, e o Tenente Blandford estremeceu. Trazia uma flor no vestido, mas não era a pequena rosa vermelha que haviam combinado. Além disso, a moça devia ter apenas 18 anos e Hollis Meynell dissera que tinha 30. “Que tem isso?, respondera ele. “Eu tenho 32.”  Na realidade, tinha apenas 29. 

Lembrou-se, então, do livro que lera, lá no campo de treinamento. Chamava-se “Servidão Humana”, e em todo livro havia anotações numa letra de mulher. Nunca imaginara que uma mulher pudesse devassar o coração dum homem com uma tal compreensão e ternura. O nome dela estava escrito no livro: Hollis Meynell. Procurou um catálogo de telefones de nova York e encontrou o seu endereço. Escreveu-lhe e ela respondeu. No dia seguinte, foi mandado para a frente de combate, mas continuaram a corresponder-se. 

Durante 13 meses ela lhe respondera fielmente. Mesmo quando as suas cartas não chegavam, ela continuava escrevendo, e agora estava convencido de que a amava e que era correspondido. 

Ela, entretanto, sempre tinha recusado a ceder a seus reiterados pedidos para que lhe enviasse uma fotografia. Justificava-se da seguinte forma: “Se o sentimento que você nutre por mim tiver algum fundo de sinceridade, a minha aparência pouco importará. Suponha que eu seja bonita. Seria sempre perseguida pela ideia de que você jogou apenas nisso, e essa espécie de amor repugnar-me-ia. Suponha que eu seja feia (e você deve admitir que isso é o mais provável),  então eu viveria receosa de que você só continuasse escrevendo-me por se sentir só e não ter mais ninguém. Não, não peça o meu retrato. Quando voltar a Nova York, então me verá e poderá tomar uma decisão.” 

Um minuto para as seis... tirou uma tragada do cigarro nervosamente. E neste momento coração do Tenente Blandford deu um pulo. 

Uma jovem caminhava em direção a ele. Era alta e delgada; seus cabelos louros e ondulados descobriam umas orelhinhas delicadas. Os olhos eram tão azuis como o céu, os lábios e o queixo de uma suave firmeza. Com seu costume verde-pálido, era a verdadeira imagem da primavera. 

Adiantou-se para ela esquecendo-se de notar que não trazia rosa nenhuma. Ao perceber-lhe o movimento, um sorriso leve e provocante aflorou aos lábios da moça. 

- Vai para o mesmo lado que eu, soldado? ‒ murmurou. 

Ele avançou mais um passo.  E então viu Hollis Meynell. 

Estava parada logo atrás da moça e era uma mulher de quarenta e muitos anos, de cabelos grisalhos sob um chapéu surrado. Era mais do que rechonchuda, tinha tornozelos grossos e calçava sapatos de salto baixo. Mas trazia uma rosa vermelha no casaco amarrotado. 

A moça de costume verde continuava afastando-se rapidamente. 

Blandford sentiu como se estivesse sendo partido em dois, tão vivo era o seu desejo de seguir a moça e tão profundo a anelo que o impelia para aquela mulher cujo espírito acompanhara tão fielmente o seu, sustendo-o em todos os momentos. E agora ela estava ali. Podia ver que o seu rosto era doce e compreensivo e que os olhos cinzentos tinham um brilho ardente. 

O Tenente Blandford não hesitou.  Seus dedos apertaram o exemplar de “Servidão Humana” com que se faria reconhecer. Aquilo não seria amor, mas seria algo de precioso, uma amizade pela qual sempre se sentira e sempre se sentiria reconhecido. 

Endireitou-se, fez uma saudação e estendeu o livro para a mulher, embora, enquanto falava, sentisse todo o amargor do seu desapontamento. 

- Eu sou o Tenente John Blandford, e a senhora... deve ser Hollis Meynell!!! Alegro-me por ter podido encontra-se comigo. Posso... posso convidá-la para jantar? 

O rosto da mulher abriu-se num sorriso benévolo. 

- Eu não sei de que o senhor está falando, moço ‒ respondeu. Aquele moça de costume verde me fez botar esta rosa no casaco. E disse que, se o senhor me pedisse para acompanhá-lo, lhe dissesse que ela está esperando naquele restaurante do outro lado da rua. Ela explicou-me que era uma espécie de teste. E pelo que eu vi, o senhor passou! 

 
Texto publicado no “Seleções do Reader¢s Digest”