domingo, 31 de dezembro de 2023

Era uma vez...

 

Esta história se passa há cerca de 5 mil anos em algum lugar do Oriente Médio. 

Um pequeno vilarejo com 10 ou 12 casas de pedras pardacentas. As casas estão dispostas em círculos e uma delas, com um grande pórtico, se destaca por seu tamanho. No interior da casa está o Comerciante 1 sentado numa cadeira talhada em pedra com vários ornatos. Ele tem uns 40 anos e usa uma túnica colorida sobre os ombros. Os cabelos, muito bem penteados, saem-lhe de uma espécie de chapéu. Ele parece preocupado. 

A seus pés, está sentado o Escriba 1. Sobre as coxas do Escriba 1 há um bloco de argila úmida. Com uma das mãos ele segura um pedaço de madeira do tamanho de um lápis moderno. Um pouco mais afastado, encontra-se o Mensageiro. 

O Comerciante 1 fala enquanto o Escriba 1 faz marcas sobre a argila usando o pedaço de madeira, o estilo. 

Depois que o bloco de argila está cheio de marcas em forma de animais e de cunhas, o Comerciante 1 se cala. O Escriba 1 olha com atenção para o bloco de argila durante alguns segundos e fala alguma coisa. O Comerciante 1 faz um aceno concordando. Isso se repete três ou quatro vezes. 

O Comerciante 1 chama o Mensageiro que se aproxima e recebe do Escriba 1 o bloco de argila. O Mensageiro guarda o bloco de argila com muito cuidado em uma espécie de embornal ou bruaca que ele prende às costas e sai. 

Meio do deserto. Sol escaldante. 

O Mensageiro está montado num enorme animal desajeitado e muito feio a que chamam de Camelo. Eles estão com pressa, pois têm pela frente uma longa jornada através de uma trilha tortuosa. 

Depois de muito andar, o animal para em frente a uma casa enorme, talvez um Palácio. O Mensageiro desce do animal, o entrega ao Guardador de camelos e entra no palácio subindo por uma imensa escadaria de pedras avermelhadas. 

No interior do palácio, o Mensageiro percorre várias salas vazias. 

Finalmente, o Mensageiro chega a uma sala cheia de colunas e com poucos móveis. Ao fundo da sala, está o Comerciante 2. Ele é jovem, tem uns vinte e poucos anos. (Ele se passa por comerciante, mas na verdade é o chefe de uma quadrilha de saqueadores de caravanas e traficantes de ópio. Inteligente e hábil, logo se transformará em um Monarca respeitado por todos. Ainda hoje, seus descendentes se orgulham dele.). 

O Comerciante 2 está sentado numa grande cadeira cheia de ornatos. Ele tem um ar arrogante e desabusado, está sem camisa e segura um copo de vinho. Ao lado dele, de pé, está o Sábio conselheiro um homem muito sagaz, de longas barbas brancas, de olhos brilhantes e perspicazes que observa atentamente tudo o que se passa na sala. Próximo aos pés do Comerciante 2, está sentado o Escriba 2. 

O Mensageiro entra na sala, faz uma reverência, entrega o bloco de argila ao Comerciante 2 e se afasta. O Comerciante 2 repassa o pedaço de argila ao Escriba 2. O Escriba 2 olha o pedaço de argila por uns instantes e fala alguma coisa para o Comerciante 2. Isso se repete três ou quatro vezes. O Comerciante 2 fica a meditar. Parece inquieto com o que acabou de ouvir. 

Passado algum tempo, o Comerciante 2 acena para o Escriba 2 e começa a falar. Enquanto o Comerciante 2 fala, o Escriba 2 faz marcas em um bloco de argila que ele tem sobre as coxas. Ele usa um pedaço de madeira, o estilo, para fazer as marcas. Depois que o bloco de argila está cheio de marcas em forma de animais e de cunhas, o Comerciante 2 se cala. O Escriba 2 olha com atenção para o bloco durante alguns segundos e fala alguma coisa. O Comerciante 2 faz um aceno concordando. Isso se repete três ou quatro vezes. 

O Sábio Conselheiro observa cada detalhe do que ocorre na sala. Ele olha para o Comerciante 2, olha para o Escriba 2, olha para o bloco de argila, balança a cabeça com um ar de desagrado e reprovação e murmura: 

- Isso não vai dar certo... Um dia, esses blocos de argila vão provocar isolamento social e problemas psicológicos em muita gente... 

(Autor desconhecido)

O último dia do ano

Hoje estamos vivendo o último dia do ano de 2023...

E depois da meia-noite, virá o Ano Novo...

O engraçado é que ‒ teoricamente ‒ continua tudo igual...

Ainda seremos os mesmos...

Ainda teremos os mesmos amigos...

Alguns o mesmo emprego...

A mesma parceira... o mesmo parceiro...

As mesmas dívidas (emocionais e/ou financeiras).

Ainda seremos fruto das escolhas que fizemos durante a vida.

Ainda seremos as mesmas pessoas que fomos este ano...

Ainda seremos rancorosos, provocando pessoas que não pensam com nós... 

A diferença, a sutil diferença, é que daqui a pouco, quando o relógio nos avisar que é meia-noite, teremos um ano inteirinho pela frente! Um ano novinho em folha!

Como uma página de papel em branco, esperando pelo que iremos escrever.

Um ano para começarmos o que ainda não tivemos força de vontade, coragem ou fé de realizar o que ainda não terminamos

Um ano para perdoarmos os erros dos outros, um ano para sermos perdoados dos nossos...

365 dias para fazermos aquilo que quisermos...

Ou para deixarmos que façam o que quiserem conosco...

Sempre é uma escolha... Nossa escolha! 

E, exatamente por isso, eu desejo que você faça as melhores escolhas que puder.

Desejo que sorria o máximo que puder. 

Ame mais. 

Abrace bem apertado quem você ama.

Agradeça por estar vivo e ter sempre mais uma chance para recomeçar.

Agradeça as suas escolhas, pois certas ou não, elas são suas.

E ninguém pode ou deve questioná-las.

Eu gostaria de agradecer aos amigos que tenho.

Aos que me acompanham há muito tempo.

Aos que eu fiz este ano.

Aos que eu escrevo pouco, mas lembro muito.

Aos que eu escrevo muito e falo pouco.

Aos que moram longe e não vejo tanto quanto gostaria.

Aos que moram perto e eu vejo sempre.

Aos que me seguram, quando penso que vou cair.

Aos que eu dou a mão, quando me pedem ou quando me parecem um pouco perdidos.

Aos que ganham e perdem.

Aos que me parecem fortes e aos que realmente são.

Obrigado por fazerem parte da minha história. 

Desejo a você 365 dias de felicidade;

52 semanas de saúde e prosperidade; 12 meses de amor e carinho;

8.760 horas de paz e harmonia; 

E que neste novo ano você tenha 2024 motivos para sorrir...

sábado, 30 de dezembro de 2023

Filosófico

 

Um professor de filosofia parou na frente da classe e sem dizer uma palavra, pegou um vidro de maionese vazio e encheu-o com pedras de uns dois centímetros de diâmetro. 

Então, ele perguntou aos alunos se o vidro estava cheio. Eles concordaram que estava. O professor, então, pegou uma caixa com pedregulhos bem pequenos e o jogou dentro do vidro agitando o levemente. Os pedregulhos rolaram para os espaços entre as pedras. Ele então perguntou novamente se o vidro estava cheio. Os alunos concordaram: agora sim, estava cheio. O professor pegou uma caixa com areia e a despejou dentro do vidro preenchendo o restante. 

Agora, disse o Professor, ‒ eu quero que vocês entendam que isto simboliza a sua vida: As pedras são as coisas importantes: sua família, seus amigos, sua saúde, seus filhos, coisas que preenchem a sua vida. Os pedregulhos são as outras coisas que importam, como o seu emprego, sua casa, seu carro. A areia representa o resto. As coisas pequenas. 

Se vocês colocarem a areia primeiro no vidro, não haverá mais espaço para os pedregulhos e as pedras. O mesmo vale para a sua vida. Cuidem das pedras primeiro. Das coisas que realmente importam. Estabeleçam suas prioridades. O resto é só areia! 

Mas, então, um aluno pegou o vidro que todos concordaram que estava cheio e derramou um copo de cerveja dentro. Claro, a areia ficou ensopada com a cerveja preenchendo todos os espaços restantes dentro do vidro, fazendo com que ele, desta vez, ficasse realmente cheio. 


Moral da história:

Não importa o quanto sua vida esteja cheia, 

sempre sobra espaço para uma cervejinha!


Vou pra casa da vovó

 Autora: Ana Canéo


Chega de tanta injustiça
de castigo e confusão!
Vou pra casa da vovó,
não tem outra solução! 
 

Estou mesmo decidido
e pra sempre eu me mudo.
Aqui eu não posso nada
e por lá eu posso tudo! 
 

Posso comer chocolate,
posso até me empanturrar.
Posso comer sobremesa
até antes do jantar.
 

Mesmo que eu faça bagunça,
vovó não briga comigo.
Se eu beliscar o irmãozinho,
vovó não me põe de castigo! 
 

Vou fazer a minha mala,
meu carrinho eu vou levar.
Vou levar o meu cachorro
e o meu jogo de armar. 
 

Vou levar meu travesseiro,
levo também meu pião,
pego os meus livros de história
e o meu time de botão.
 

Levo as coisas que eu gosto,
pra ter tudo sempre à mão:
levo também o papai,
a mamãe e o meu irmão!


Frases polêmicas de

 Carlos Drummond de Andrade

Com toda a sinceridade,

não desejo nenhum prêmio internacional, é muito cacete.”

“Eu passo muito bem sem Deus.”

“O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval.

 São estas as suas duas fontes de sonho.”

“Como cronista procuro apenas amenizar um pouco o aspecto trágico,

sinistro, do mundo em que vivemos.”

“Não sou um escritor na acepção literária da palavra,

mas alguém que fez da poesia a sua saída.”  

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
 

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos não perguntam nada. 

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,

seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Perdeu o emprego.

 E agora?

No princípio é como se o caos tenha se instalado. Mas, depois de você “gerenciar” a raiva, passe uma régua no assunto e... viva vida nova. Pode ser o começo de uma experiência mais rica e (por que não?) mais bem remunerada. 

01. Esqueça a empresa onde você trabalhou. Vida nova, bola pra frente, nada de falar mal do patrão e de seus colegas. Afinal, até ontem eles eram seus amigos e não há por que ser diferente agora. 

02. Conte a todo mundo, seus conhecidos, amigos e familiares, que está procurando emprego. O network, nossa rede de relacionamentos, é vital nessa hora. As vagas mais legais nem sempre são publicadas, por isso peça que seus amigos fiquem de olho em oportunidades interessantes para você. 

03. Atualize seu currículo. Nada de cindo páginas, no máximo duas. Seja objetivo. Não se esqueça de colocar suas habilidades como fruto de seu trabalho. Apresente dados que possam ser medidos. Por exemplo: atingiu sua cota durante X meses no ano, abriu X novas contas no período de seis meses, o percentual de faturamento da sua divisão cresceu X% em relação ao ano anterior, ajudou a resgatar X contas que estavam no concorrente, enfim, entrevistadores gostam de avaliar o impacto que seu trabalho teve no sucesso da empresa. Isso conta pontos. 

04. Recicle-se. Enquanto tem um tempo livre vá estudar. Leia bastante, vá atrás daquele curso que queria fazer e para o qual não tinha tempo. Estude inglês, aprenda alguma coisa nova. 

05. Aproveite seu “tempo livre” e faça uma revisão geral na máquina. Não falo do seu carro, falo de você. Faça um check-up completo, vá ao dentista, faça seus exames de rotina. 

06. Cuidado com a aparência. A pior coisa que pode acontecer é descuidarmos de nossa imagem. Não negligencie do visual, pois ele reflete a forma como estamos nos sentindo. 

07. Olha o nível... do dinheiro. Não saia gastando. Você não sabe por quanto tempo vai depender de sua indenização. Feche a carteira agora para não passar dificuldades depois. Nada de viajar ou trocar o carro. Por mais que pareça uma coisa natural – afinal, você precisa descansar -, viajar implica custos que você não pode assumir agora. 

08. Aquele hobby que você exercia nas horas vagas pode render um dinheirinho ou se converter na sua nova profissão. Vale tudo, fotografia, bolos, salgadinhos, pintura, aulas particulares. Só não esqueça de, quando for ajudar alguém, cobrar – nem que seja um valor simbólico -, porque é preciso deixar claro para todos que suas prioridades e necessidades mudaram. Às vezes as pessoas demoram a perceber que estamos desempregados, por isso não fique constrangido, fale a verdade. Diga que no momento você está sem emprego e, portanto, toda a sua atividade precisará ser remunerada. De uma forma ou de outra. 

09. Ao ser chamado para uma entrevista, procure saber como é a empresa. A maioria delas tem um site na internet. Faça uma pesquisa. Conheça a história da empresa, sua missão, seus valores, enfim, procure saber qual é o “tom” da empresa. Dá para se ter uma ideia pelo site. Informal? Conservadora? 

10. Para a entrevista, ponha uma roupa elegante, o que não significa luxuosa, com cores discretas. Nada de perfumes marcantes. Nesse quesito, quanto menos, melhor. 

Por último, mas não menos importante, mantenha o alto-astral, atitude positiva. Não se deixe abater. Demissão acontece com todo mundo. É uma fase difícil, mas é como dizem: não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. 

(Por Gladys Costa: gladis.costa@uol.com.br) 


segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Jornalistiquês

 

Vocabulário 

Nível

Coluna 1

Coluna 2

Coluna 3

  Culto

 

 

 

Sábio

 

 

 

 

Gênio

 

 

 

 

0. Informação

1. Matéria

2. Reportagem

 

3. Entrevista

4. Pauta

5. Chamada

6. Cobertura

 

7. Denúncia

8. Fonte

9. Retranca

 

0. Opinativa

1. Imparcial

2. Tendenciosa

 

3. Coloquial

4. Editorial

5. Telegráfica

6. Oficial

 

7. Impessoal

8. Neutra

9. Factual

 

0. Conflitante

1. Rebuscada

2. Enfática

 

3. Distorcida

4. Sensacionalista

5. Furada

6. Manipulada

 

7. Confiável

8. Instigante

9. Capidescada

Palavras alternativas 

Coluna 1: Versão, Notícia, Suíte.

Coluna 2: Fidedigna, Falsa, Dúbia.

Coluna 3: Repetitiva, Antética, Filtrada. 

Indicações de Uso 

O jornalista é um profissional permanentemente atento aos próprios direitos e aos deveres dos outros. Como os políticos, ele zela pelo bem comum. Como os juízes, ele fiscaliza o cumprimento das leis. Como os poetas, ele preserva com belas palavras o lirismo bucólico das nossas desgraças urbanas e sociais. Ele é um paladino! Um sentinela! Um quase mártir! Tem consciência de classe. Frequenta o Sindicato. Tem carteirinha de partido. Passa a vida mudando de emprego e vive sempre duro. 

De madrugada, nos bares da cidade, os jornalistas se encontram para um penúltimo (copo) papo. È uma hora sagrada. Enquanto a população indefesa dorme, os Arcanjos da Verdade (hic!) salvam o mundo. 

Exemplo de Aplicação 

Bate-bola no balcão 

‒ Cansei! Não aguento mais trabalhar com pautas telegráficas furadas! Todo dia é a mesma coisa! Só me sobra cobertura oficial manipulada! E tome reportagem neutra! Tudo menos uma matéria opinativa instigante! Tô com o saco cheio! Mais uma pra mim, companheiro! 

‒ Isso não é nada! Você acredita que eles transformaram numa reportagem factual sensacionalista uma tremenda denúncia coloquial de fonte impessoal confiável? Todo o meu trabalho acabou virando uma chamada tendenciosa... Bota outra, aqui, cidadão! 

Do livro “Manual do Cara-de-Pau”  ou  “É fácil falar difícil” 

Carlos Queiros Telles

domingo, 24 de dezembro de 2023

Desventuras natalinas

 Julia Bublitz 

Papai Noel cofiava a longa e espessa barba branca. Estava agoniado. Previa dificuldade para fechar as contas do Natal. E o sufoco se agravaria no futuro se nada fosse feito, dizia ele. Mais crianças correriam o risco de ficar sem presentes. Promessas e planos seriam comprometidos. Algumas despesas subiram naquele ano. Outras aumentariam no seguinte. Eventos climáticos dizimaram a produção de alfafa e o custo da alimentação das renas inflacionou. Com pandemia, peças de reposição para a manutenção do trenó rarearam. Ficaram mais caras. 

Os ajudantes duendes do chão da fábrica reclamavam do longo período de defasagem no ordenado. Apenas uma parte dos pequeninos seres, como os julgavam quais pedidos recebidos em cartas eram justos, mostrava-se capaz de extrair certas regalias. 

Para completar, a arrecadação dos recursos que chegavam ao Papai Noel para produzir e providenciar os presentes para as crianças foi reduzida de supetão. O governante anterior da Lapônia, um ano antes, pegou um naco do dinheiro para investir na própria popularidade. O de turno compensou só uma parte e em suaves prestações. 

Noel então tornou público o seu drama e a preocupação que nutria. Era preciso fazer um ajuste. Ter responsabilidade para garantir o Natal. Agora e nos próximos anos. As contas, na verdade, não estavam muito claras. Mas, do Polo Norte ao Polo Sul, acabou se tornando consenso que, então, alguma medida precisava ser tomada. 

Papai Noel sugeriu às famílias em situação mais confortável que aumentassem um pouco o valor que recolhiam para custear o Natal. Ou, uma segunda opção, parte deles teria de abrir mão do benefício que reduzia a taxa do frete embutido no custo da entrega dos presentes. Era um regalo concedido a alguns. Na verdade, nunca foi bem explicado e sequer se conhecia cálculo para mostrar se de fato trazia vantagens para a coletividade. 

Mas a resistência a ambos planos foi firme. De jeito nenhum, reagiram! Se isso fosse feito, seus dispêndios subiriam. Perderiam alguns negócios ou seus gastos a mais seriam repassados. No fim, seria ruim para todo mundo, argumentavam. E haveria o perigo de gente perder o trabalho. Ameaçavam até se mudar para uma região do globo sem tradição natalina. 

Essas famílias, então, propuseram alguma medida que aumentasse a produtividade nas tarefas da equipe de Noel. Quem sabe uma tecnologia para substituir parcela dos duendes? Chatbots para atender o público? Ou talvez diminuir o número de renas. Seis renas selecionadas por mérito, mais dedicadas, decerto conseguiriam puxar o trenó tão bem quanto oito. Essa duas, menos esforçadas e mais roliças, ainda poderiam render alguns pilas, vendidas para o açougue. A Associação dos Duendes Assalariados (Asduas) protestou e o Sindicato das Renas do Ártico (SinRenda) rechaçou a ideia. Já estavam no osso, alegavam as categorias. Os serviços prestados para a criançada, a razão do Natal, ficaria comprometidos.   

Noel, acabrunhado, parecia mais embretado que rato em guampa. Até porque prometera, de botas juntas, não fazer o que acabou propondo. O Bom Velhinho chegou até a contar uma história meio duvidosa de estar preocupado com o futuro. Será que, na verdade, o problema não estava para se revelar no presente próximo? Há quem não acredite em Papai Noel. Restou a segunda alternativa que colocou na mesa. Ao fim, era uma saída que já arranjava uns trocados logo depois da virada do calendário – bem antes do tal futuro.   

Moral da história 

Na essência, a situação envolvendo as agruras de Papai Noel com as contas do Natal até se assemelha com imbróglios recentes na Lapônia. 

A região promoveu uma mudança há muito esperada na coleta de impostos. A esmagadora maioria era favorável ao sistema mais justo, mas não eram poucos os que buscavam uma vantagezinha extra em relação aos demais. Ou então manter privilégios. Mesmo que o custo dessas bondades gerasse uma conta maior para os outros. È que era difícil para os integrantes do Conselho dos Representantes do Povo resistir à influencia de um grupo chamado de Amigos dos Lobos, cujos membros também eram conhecidos por lá como lobistas. 

Em outro caso rumoroso daqueles dias, muitos defensores de redução de despesa do Tesouro lapão pressionavam para não perder certo beneficio conquistado há algum tempo. Sabe como é: ajuste bom é o que aperta o cinto dos outros. 

As crianças das mais tenras idades, inocentes, não conseguiam entender todo aquele quiproquó. Muito menos quem tinha razão na guerra de versões. Mas as maiorzinhas começavam a assimilar uma lição contrária ao espírito natalino: se alguém terá um Natal mais magro, que não seja eu. 

(Do jornal Zero Hora, 24 de dezembro de 2023) 

Meus votos

 Carpinejar

Carpinejar por Marcelo Lopes de Lopes 

Que eu não recrimine quem não concorda comigo.

Que eu não tente convencer o outro pedir desculpas – cada um tem seu tempo e seu ritmo.

Que eu dispense chantagens e birras.

Que eu aguente o silêncio e as dúvidas.

Que eu não olhe para baixo antes de me aventurar nas alturas.

Que eu escreva bilhetes de amor fora das datas comemorativas.

Que eu planeje meu aniversário com antecedência e não dependa de festa surpresa.

Que eu telefone mais e mande menos áudios.

Que eu visite mais meus afetos e dê menos explicações.

Que eu frequente mais a academia e menos as farmácias.

Que eu viaje para sentir saudade.

Que eu mate a fofoca quando ela passar por mim.

Que eu aprenda a somente gastar o que recebo, a pagar à vista para não sofrer depois com o cartão de crédito.

Que eu cuide de mim ao atravessar a rua ou a inveja.

Que me dê o luxo de ficar na varanda até anoitecer, até ouvir as cigarras.

Que eu repare como está a lua, se o céu anda estrelado.

Que eu não me atrase nos encontros e reuniões, não deixe ninguém esperando.

Que eu ajude sem questionar.

Que eu ofereça conforto sem condenar.

Que eu não exija demais de mim.

Que eu não exija demais de quem eu amo.

Que eu leia diante da lareira, diante da janela, durante a chuva, diante do mar quebrando as ondas.

Que eu dance sem música.

Que eu gargalhe sem piada.

Que eu me emocione sem motivo.

Que eu chore sem censura.

Que a reciprocidade e o merecimento possam reger meus contatos.

Que eu esteja apenas onde sou bem-vindo, que eu me demore onde sou benquisto.

Que eu não vá a nenhum lugar contrariado, só para agradar.

Que eu me reserve o direito de me afastar das pessoas tóxicas.

Que eu fique bem quando estiver de mal com alguém.

Que eu espere a raiva passar.

Que eu encontre frestas para ser livre, para tomar banho de cachoeira, para me conectar com a natureza.

Que eu desfrute de companhia para dividir o chimarrão, companhia para brindar com vinho.

Que eu esqueça o celular no bolso.

Que eu tenha coragem para diversificar os pratos, para me arriscar em receitas exóticas, para sair um pouco do que já gosto.

Que eu jamais passe adiante segredos de amigos.

Que eu nunca seduza para me sentir importante.

Que eu conte animadamente como foi meu dia na hora do jantar.

Que eu não veja somente o que está errado.

Que eu durma em paz e desperte mansamente, longe de sobressaltos.

Que eu escute meus pais com paciência, não querendo me antecipar aos seus pensamentos.

Que eu doe as roupas que não uso.

Que eu gaste as roupas novas dentro de casa, mostrando-me elegante aos meus íntimos.

Que eu não tenha medo da sinceridade.

Que eu não procure culpados para meus próprios desacertos.

Que eu saiba do meu valor, que eu reconheça o meu esforço.

Que demonstre empatia na doença e no luto.

Que eu reze para agradecer.

Que eu não desista de um objetivo pelo tamanho das filas.

Que eu não me preocupe com a volta quando estiver me divertindo.

Que eu use somente as palavras em que acredito.

Que eu tenha menos vaidade na hora de ouvir e mais vaidade na hora de falar.

Que eu atenda aos conselhos da intuição.

Que eu não sofra mais com o meu time, que ele não leve gol nos últimos minutos.

Que eu faça brigadeiros para maratonar séries e não me aflija com a dieta.

Que o governo seja competente para ser esquecido.

Que eu não tenha que jurar por Deus para me tornar confiável.

Que eu regue as plantas, hidrate os meus sonhos.

Que eu não reclame do calor e do trânsito a todo momento.

Que eu aceite a vida escolhida pelos meus filhos.

Que eu estabeleça amizade a partir da gentileza.

Que eu não precise repetir o que me dói.

Que eu me lembre de ser feliz enquanto ainda estou vivo. 

(Da sua coluna no jornal Zero Hora, 24 de dezembro de 2023)

 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Qual o papel do filho na família?

 Carpinejar

Você precisa do seu filho? Qual a função dele dentro de casa? Ele tem tarefas fixas? Ou ele é uma peça solta da engrenagem dos dias, sem serventia? 

Você faz tudo no lugar do filho e ele se sente inútil? Você abre a geladeira no lugar dele, você cozinha no lugar dele, você põe comida no prato no lugar dele, você tira o prato no lugar dele, você lava a louça no lugar dele, você recolhe as migalhas debaixo da mesa no lugar dele? 

Ele apenas senta e levanta, senta e levanta? Seu único esforço é estar fisicamente presente, carregar o corpo de um lado para o outro? Não é falta de ambição? Não é um propósito rasteiro para um longo futuro pela frente? 

Ele não tem noção do valor da camiseta que usa, da calça que usa, do tênis que usa, de quantos dias foram trabalhados para cobrir o preço de cada item? Todas as peças já estavam em seu armário? 

Será que ele acredita que os recursos sobram, que você nada em dinheiro, que viver é de graça? 

Ele sai e volta para casa e ninguém repara, porque não tem uma cama para arrumar, não tem roupa para colocar na máquina, não tem compras pendentes do mercado para encher a despensa, não tem um quarto para organizar, não tem uma sala para ajeitar? 

Sem perceber, você ajudou o isolamento, você colaborou para que ele não se mostrasse integrado ao espaço em que todos moram: transformou o dormitório dele num apartamento isolado da residência, num bunker, sem a necessidade de conviver no sofá. 

Seu filho é livre para mexer no celular ou dormir a qualquer hora, pois não existe nenhuma obrigação, nenhum cansaço além da escola. 

Você quer demonstrar amor dando facilidade e esquece que amor é produzir importância, conferir responsabilidades, valorizar o respectivo papel na rotina. 

Cuidar não é mimar. Mimar é estragar. 

Será que ele não ficará mal-acostumado? 

Como ele enfrentará depois as adversidades na profissão se não realiza coisa alguma no lar? Vai querer pedir demissão no primeiro dia, ao receber as primeiras ordens. Vai dizer que só quer fazer o que gosta. Vai alegar que nunca foi tão maltratado, que nunca foi tão explorado, que nunca foi tão humilhado. Não permanecerá em nenhum emprego, pois jamais encontrará as mesmas regalias que desfruta com seus familiares. 

Ele nasceu chefe antes de enfrentar o estágio. Ele nasceu rei antes das batalhas. Ele nasceu herdeiro antes do suor no rosto. 

Realmente, o estudo é fundamental, desde que exista disciplina ao redor dele. 

Você se preocupa apenas com o estudo dele, mas não com a vida dele. Em dar um sentido para a vida dele. 

Seu filho tem grandes chances de se ver solto e perdido no mundo, não pertencendo a nada. Já que não pertence nem à própria família. 

(Do jornal Zero Hora – dezembro de 2023)

*Fabrício Carpi Nejar, ou Fabricio Carpinejar, como passou a assinar a partir de 1998, é um poeta, cronista e jornalista brasileiro. Publicou quarenta e três livros entre poesia, crônicas, infanto-juvenis e reportagem, detentor de mais de 20 prêmios literários. Atuou como comentarista do programa Encontro com Fátima Bernardes da Rede Globo, é colunista dos jornais Zero Hora e O Globo. 

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Dicas para comprar com mais segurança

 

Para as lojas físicas

01. Cuidado ao pagar com cartão. 

► Não entregue o cartão ao vendedor: passe você mesmo. Se o cartão sair da sua mão, confira se ele não foi trocado. 

02. Ao sair da loja. 

► Guarde sua carteira e evite sair com cartão, celular ou dinheiro na mão. 

03. Confira o Pix. 

► Veja se está pagando à pessoa certa. 

04. Esteja atento à compra casada. 

► Preste atenção para evitar a inclusão de garantias estendidas ou seguros sem seu consentimento.

05. Cuide de seus pertences. 

► Evite carregar mochilas e bolsas nas costas, ou andar com a carteira no bolso de trás. 

Para lojas online

06. Use dispositivos seguros. 

► Evite computadores públicos e redes wifi desconhecidas. 

07. Compre em sites confiáveis. 

► Pesquise a reputação do site. 

08. Verifique o domínio do site. 

► Certifique-se de estar no site original da loja e confira o domínio. 

09. Confira o prazo de entrega. 

► Antes de finalizar a compra, verifique o prazo de entrega para garantir que seu produto chegará a tempo. 

10. Veja o carrinho de compras. 

Verifique com atenção para garantir que não há itens indesejados adicionados automaticamente. 

Dicas gerais

11. Não deixe para a última hora. 

► E assim evite aglomerações. 

12. Desconfie de ofertas que parecem “boas demais”. 

► Cuidado com produtos ofertados em sites por valores muito inferiores aos do comércio físico. 

13. Verifique o preço. 

► Confira se o produto está sendo vendido pelo preço anunciado antes de realizar o pagamento. 

14. Cuidado com juros. 

► Ao parcelar, leia atentamente as condições de pagamento. 

15. Guarde a nota fiscal. 

► A nota fiscal é prova das condições da compra e é essencial para trocas ou consertos. 

Fontes: 9◦ Batalhão da Brigada Militar e Procon-RS 

Do jornal Zero Hora, 21 de dezembro de 2023  

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Feliz Natal

  &

Próspero Ano-novo

Tudo de bom para você.

Passei na vitrine, olhei, achei a sua cara.

Tinha certeza que era você o meu amigo secreto.

No ano que vem vou fazer regime.

Imagine, não precisava se preocupar.

Coube direitinho.

Pode trocar, se não servir.

Só isso, pai?

Nossa, como este ano passou rápido!

Não tinha o seu número, infelizmente.

Foi um ano difícil.

Deus te ouça.

Saúde pra dar e vender!

Olha só o que eu ganhei.

Nossa, como eles cresceram!

Discurso, discurso!

Não sei como agradecer.

Juro que eu não esperava isso.

No ano que vem vou parar de fumar.

Gente, tô completamente bêbado.

Este peru é Sadia?

Alguém viu o quebra-nozes?

Meu, que ressaca!

Você viu a pobreza do presente que o chefe me deu?

Juro que nunca mais bebo de estômago vazio.

No ano que vem eu passo, mãe.

Esse verão vai me matar.

Que horas são? Já?

Alguém viu o meu filho por aí?

Se você não for bonzinho, no ano que vem Papai Noel não vem.

Quem foi que sentou no bolo?

Onde foi que você comprou esse uísque? Sei não...

Pior que este ano não vai ser.

Quem vai buscar mais cerveja?

O meu presente sumiu! O meu presente sumiu!

O médico disse que você não pode beber, vó.

Quem foi que vomitou na escada?

Isso que é vinho!

Hoje é Natal, conversa com seu irmão, meu filho.

Vamos rezar agora. Todo mundo de mãos dadas.

Que horas é a São Silvestre mesmo?

Pior é que, no ano que vem, o Natal e o Ano-novo caem no domingo.

O pessoal tá fumando lá no banheiro de cima.

Alguém tem uma bic aí?

Me disseram que não foi hoje que Jesus nasceu.

O shopping estava assim de gente.

E os preços, então?

Gente, acabou o uísque.

Estou morrendo de sono.

Quando é que cai o carnaval?

Puxa, não te via desde o ano passado.

As crianças estão passando com a mãe.

Vai pra onde?

Cadê o balde de gelo?

O que eu não aguento são essas musiquinhas.

É melhor você não ir guiando, meu filho.

Boa noite.

Feliz Natal.

Me passa o celular.

Próspero Ano-novo!

Tem um Engov aí?

Aliás, me dá dois. 

(Mário Prata)

Professor sofre...

 

Um professor de gramática portuguesa, depois de haver suficientemente explicado aos seus alunos a maneira de conhecer um adjetivo, e distingui-lo do substantivo, julgando que todos tivessem compreendido a sua lição, dirige-se a um deles e faz a seguinte pergunta: 

‒ Compreendeu bem o que eu disse, senhor Pedrinho? 

‒ Compreendi, sim senhor, muito bem. 

‒ Então já sabe conhecer um adjetivo. 

‒ Perfeitamente, senhor professor.

‒ Bem, vou certificar-me, por meio de um exemplo. Temos aqui, diante de mim, uma mesa pequena. Qual é a qualidade desta mesa? 

O discípulo, depois de examiná-la, cheirá-la e cravar-lhe a unha para conhecer-lhe a resistência, disse com ênfase, inteiramente convencido de que não errara na resposta: 

‒ É de peroba, senhor professor!

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Pequenas histórias de grandes homens

 

Nos Anos 30 Mahatma Gandhi esteve no Reino Unido, para conferenciar com o então primeiro-ministro Ransey MacDonald (trabalhista). Visitou fábricas na Escócia, “sentiu” o povo britânico, observou, julgou. E embarcava de volta à Índia, quando um jornalista o abordou e perguntou da forma mais incisiva possível: “Então, o que pensa da sociedade moderna?” Gandhi o surpreendeu dizendo apenas: “Acho que seria uma boa ideia”.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira foi autor da bíblia dos revisores, editando o seu famoso dicionário. Teve o mérito de reconhecer e recolher nele palavras novas e expressões idiomáticas dotadas do cordão de fazer a língua portuguesa utilizada no Brasil projetar-se à frente por muitos anos. A Academia Brasileira de Letras recebeu-o de braços abertos ‒ merecidamente. Houve noite em que Aurélio, depois de vestir o fardão imponente para participar de sessão na Casa de Machado de Assis, correu ao carro, atrasado, mas viu com aflição que a bateria arriara e só lhe restava sair à rua e tourear um táxi. Foi o que fez. Parou o primeiro que passava e disse ao motorista para ir onde queria ir. O problema é que o motorista dirigia olhando para trás quase o tempo todo, impressionado com o fardão. Até que não resistiu. Parou o carro à beira de uma calçada e perguntou, reverente: 

‒ Vós sois rei? 

Aurélio deu risada, explicou quem era e o que era, porém pediu ao motorista que andasse ligeiro, pois estava certo de que quando chegasse à Academia a sessão já teria começado. O bom homem não parou o carro de novo, mas aproveitou para informar: 

‒ O distinto não precisa ficar aflito. Do jeito que está vestido nada vai começar sem o distinto chegar.  

(Do livro: “É isso aí! Humor VIP”, de Arnaldo Lacombe)


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Estrela do menino pobre

 Gioia Júnior


Uma estrela pequenina,
cintilante de brocal,
anuncia, na vitrina:
hoje é noite de Natal.
 

O menino da favela,
sem camisa, pés no chão,
acha a estrela muito bela
e quer tê-la em sua mão.
 

Por amá-la e por querê-la,
fica tempo a meditar:
como é bela a minha estrela!
e, depois, põe-se a chorar.
 

Um milagre, enquanto chora,
Deus acaba de operar:
e o menino vai-se embora
c'o uma estrela em cada olhar!


domingo, 17 de dezembro de 2023

A sabedoria da costureira

 Arremate

 

A mãe, costureira profissional, passava o dia inteiro à máquina, com um cigarro no canto da boca, que lhe fazia manter o cenho franzido por causa da fumaça, e um copo de cerveja preta do lado. A filha, de seus 20 anos, queria ser cantora do que chamava de bandas alternativas. 

Quase não se falavam. A mãe, que a amava, por temperamento; a moça por um constante amuo, talvez, para usar suas próprias palavras, devido a “não conseguir espaço para realizar sua vocação”. 

Um dia, a moça apareceu na sala com uma pequena mochila e disse para a mãe, cujo rosto permaneceu inalterado: 

‒ Estou procurando mudar de ares, sacou? Um lugar em que eu possa refletir e me guardar. Vou pra Mauá. 

Um ano depois, voltou grávida. A mãe cuidou da filha e da neta sem uma palavra de censura. 

Quando a criança estava prestes a completar seu primeiro ano, a moça, um pouco alterada por maconha, voltou a dizer: 

‒ Tenho que me guardar num canto calmo. Planejar minha carreira. 

E a situação se repetiu. Voltou de Lumiar grávida. Novamente, sem reclamar, a mãe a ajudou e criou as duas crianças. 

Na terceira vez, quando a figura já estava saindo, com o mesmo papo de se guardar, a mãe botou o cigarro no cinzeiro, o que raramente fazia, chamou a moça, que já se encontrava na soleira da porta, deu um calmo gole na cerveja preta e perguntou: 

‒ Aonde você vai se guardar deste vez? 

‒ Sei lá. Tô pensando em Ibitipoca. 

A costureira olhou a filha bem nos olhos, por um longo tempo, e arrematou a costura: 

‒ Sua vó, que Deus a tenha, costumava dizer: “Tesoura e boceta a gente guarda fechadas.” 

******* 

Do livro “Guimbas”, de Aldir Blanc.

Samba do Avião

 Tom Jobim 

Samba do Avião” é considerada uma das principais canções da Bossa Nova de todos os tempos. Escrita por Antonio Carlos Jobim em 1962, a música faz uma ode às belezas naturais do Rio de Janeiro e sugere a emoção que o cantor, compositor e maestro sentia toda vez que regressava à cidade de suas turnês pelo mundo. 

Diz a lenda que “Samba do Avião” foi composta ainda no interior de uma aeronave. Há versões que dizem que ela começou a ser criada nos céus e foi concluída mais tarde em terra firme. Essa é justamente a opção menos crível e mais bonita sobre o desenvolvimento da música. Não me parece verossímil que alguém que esteja apavorado em um avião consiga compor. Porém, que é incrível vislumbrarmos Tom Jobim angustiado em sua poltrona, olhando para o Rio lá embaixo e criando os versos da canção é maravilhoso. 

Para corroborar com essa tese, “Samba do Avião” descreve as saudades que o compositor sentiu do Rio e dos cariocas durante a curta temporada no exterior. Os versos que melhor exemplificam tal sentimento são: “Este samba é só porque/ Rio eu gosto de você/ A morena vai sambar/ Seu corpo todo balançar/ Rio de sol, de céu, de mar”. Em alguns momentos, tenho a impressão de que prevalece o medo do compositor pela viagem feita nas alturas. Logo no início da música, temos: “Minha alma canta/ Vejo o Rio de Janeiro/ Estou morrendo de saudade”. Juro que, quando ouço esses versos, sempre imagino outras palavras: “Minha alma chora/ Vejo o Rio de Janeiro de cima/ Estou morrendo de medo”. E o que dizer, então, da parte que fala: “Aperte o cinto, vamos chegar/ Água brilhando, olha a pista chegando/ E vamos nós aterrar”? Parece-me que o passageiro está realmente angustiado. Afinal, o avião não aterra, ele pousa. 

Do blog Bonas Histórias

Tom Jobim desembarcando no Galeão – Rio de Janeiro 

Eparrê!
Aroeira beira de mar,
Canoa, Salve Deus e Tiago e Humaitá.
Eta, costão de pedra dos home brabo do mar.
Ê, Xangô, vê se me ajuda a chegar.
 

Minha alma canta,
Vejo o Rio de Janeiro.
Estou morrendo de saudades,
Rio, seu mar, praia sem fim,
Rio, você foi feito pra mim.
 

Cristo Redentor,
Braços abertos sobre a Guanabara.
Este samba é só porque,
Rio, eu gosto de você.
A morena vai sambar,
Seu corpo todo balançar.
Rio de sol, de céu, de mar.
Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão.
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Copacabana...
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Copacabana...
 

Cristo Redentor,
Braços abertos sobre a Guanabara.
Este samba é só porque,
Rio, eu gosto de você.
A morena vai sambar,
Seu corpo todo balançar.

Rio de sol, de céu, de mar.
Água brilhando, olha a pista chegando
E vamos nós... Pousar...