sábado, 9 de dezembro de 2023

O vício

 Fernando Goldsztein*

“Quando eu quiser, eu paro!” Esta frase é o prenúncio de diferentes histórias de pessoas que se deixam levar por algum tipo de vício. O que caracteriza uma pessoa como dependente ou viciada é a perda do controle sobre o uso de determinadas substâncias ou sobre determinados comportamentos. 

Eu nunca pensei que um dia iria tornar público o meu vício. Porém, hoje, finalmente livre desta chaga, sinto-me à vontade para escrever sobre o tema. Quero servir de exemplo para que outros possam seguir o mesmo caminho. O caminho da libertação! 

Tudo começou há uns 20 anos. Com o passar do tempo, fui sendo consumido por esse vício terrível. Ele foi, pouco a pouco, drenando a minha atenção e a minha capacidade de me relacionar com os outros. Muitas vezes a minha falta de concentração nas reuniões de trabalho não passava despercebida. Mas a pior consequência foi no seio familiar. Comecei a notar uma certa condenação velada por parte dos meus filhos. Podia ver o desapontamento nos seus olhos quando percebiam que a minha mente, eventualmente, não estava ali com eles. O viciado não percebe as consequências nocivas do seu vício. 

O meu ponto de virada ocorreu quando o meu caçula, então com nove anos, me disse com todas as letras: “Papai, por que você não larga um pouco este celular?”. Foi um choque! Um soco na boca do estômago! Mas também foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Criei total consciência do meu problema e decidi mudar. Evidente que não foi fácil. Foram várias crises de abstinência e muitas recaídas. Mas, gradativamente, consegui reduzir de forma substancial o meu tempo de conexão. 

Provavelmente, você também sofre do mesmo mal. Estamos aprisionados pela internet e por seus mecanismos perversos de geração de dopamina. Segundo o site Wearesocial.com, o Brasil é o segundo colocado em número de horas gastas por dia na internet. Acredite se quiser, são mais de nove horas por dia de conexão (incluindo WhatsApp, redes sociais, podcasts, streamings de música e vídeo, entre outros). Assumindo que dormimos oito horas, nos sobram 16 horas por dia, das quais mais da metade estamos na internet. E ainda temos que comer, tomar banho, ir ao supermercado etc. Faça as suas próprias contas, você vai se surpreender… 

Quanto tempo então nos sobra para a leitura de um bom livro? Para o papo com os amigos? Para as trocas de ideias com os colegas de trabalho? Para o jogo de tênis? Para o churrasco no final de semana? Para brincar com as crianças? Para apreciar o pôr do sol? Ou, simplesmente, tempo para pensar na vida? Pense nisso e desconecte-se! 

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* Empresário e fundador do The Medulloblastoma initiative 

(Do jornal Zero Hora, dezembro de 2023)

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